Como o acesso a armas para jovens impulsivos nos EUA amplifica riscos de ataques a tiros

Padrões a respeito de assassinos em massa envolvem homens jovens enfurecidos, acesso facilitado a armas de fogo e intensificação da violência nas redes sociais

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Por Ariana Eunjung, Meghan Hoyer e Tim Mek

THE WASHINGTON POST -Quando o psiquiatra da Universidade Vanderbilt Jonathan Metzl soube que o autor do massacre na escola de Uvalde, Texas, é um homem jovem, que mal saiu da adolescência, foi impossível não pensar a respeito das peculiaridades do cérebro masculino em desenvolvimento.

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Salvador Rolando Ramos acabava de completar 18 anos, idade assustadoramente próxima à de Nikolas Cruz, que tinha 19 quando fuzilou uma escola de Parkland, Flórida; de Adam Lanza, que tinha 20 quando fez o mesmo em Newtown, Connecticut; de Seung-Hui Cho, que tinha 23 quando abriu fogo em Virginia Tech; e a Eric Harris e Dylan Klebold, que tinham respectivamente 18 e 17 anos quando perpetraram o massacre em Columbine, Colorado.

Jovens e adolescentes do sexo masculino destacam-se há muito tempo em relação a outros subgrupos por seu comportamento impulsivo. Eles são muito mais inconsequentes e afeitos à violência do que outros grupos etários de homens, e suas principais causas de morte incluem brigas, acidentes, batidas de carro em alta velocidade ou, como Metzl coloca, “outros tipos de ações impulsivas”. “Há bastante pesquisa a respeito da maneira como seus cérebros não estão completamente desenvolvidos em termos de regulação”, afirmou ele.

Talvez mais o mais significativo, mostram estudos, seja que o córtex pré-frontal, crucial para entender as consequências das próprias ações e controlar impulsos, não se desenvolve plenamente até aproximadamente os 25 anos. Nesse contexto, afirmou Metzl, um massacre a tiros “certamente parece mais um tipo de desempenho de masculinidade juvenil”.

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Nas próximas semanas e meses, investigadores destrincharão a vida de Ramos para tentar entender o que o levou àquele momento, às 11h40 da terça-feira, 24 de maio, quando ele abriu fogo contra uma sala de aula repleta de crianças de 9 e 10 anos, na Escola Fundamental Robb.

Apesar de respostas claras serem algo improvável, os padrões que têm emergido a respeito de assassinos em massa em crescentes bancos de dados, relatórios escolares e transcrições de entrevistas atestam uma perturbadora confluência entre homens jovens enfurecidos, acesso facilitado a armas de fogo e intensificação da violência nas redes sociais.

Flores, brinquedos e outros objetos colocados para lembrar as vítimas do ataque a tiros na escola de Uvalde, no Texas, que dexou 19 crianças mortas  Foto: Veronica G. Cardenas / Reuters

Regras permissivas

A legislação federal americana exige que pessoas que compram armas de fogo curtas de vendedores licenciados tenham pelo menos 21 anos. Mas no Texas e na maioria dos outros Estados, pessoas com 18 anos podem comprar armas longas, categoria que inclui fuzis de assalto. Discursando em horário nobre na noite da quinta-feira, o presidente Joe Biden pediu o banimento dos fuzis de assalto, mas afirmou que, caso isso seja impossível, os legisladores deveriam elevar a idade mínima para comprar essas armas para 21 anos.

Após o massacre em Parkland, em 2018, e outros atos de violência praticados por homens jovens, seis Estados, incluindo a Flórida, elevaram a idade mínima para aquisição de armas longas para 21 anos, apesar das objeções da Associação Nacional do Rifle.

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A NRA classifica essas restrições como um “fardo categórico” sobre o direito de possuir e portar armas de fogo, enquanto os procuradores do Estado da Flórida argumentam que, “em razão de pessoas de 18 a 20 anos serem singularmente propensas a ter comportamentos impulsivos, emocionais e arriscados, capazes de provocar consequências imediatas ou a curto prazo, estabelecer o limite para compra legal de armas de fogo em 21 anos é um método sensato para responder às questões da legislatura sobre segurança pública”.

A Suprema Corte da Flórida ouvirá os argumentos contrários à legislação estadual de armas de fogo este mês. “A idade é a história não contada em relação a tudo isso”, afirmou Metzl, que também é sociólogo. “Acredito firmemente que não deveríamos ter pessoas de 18 a 21 anos com armas de fogo.”

Ataques a tiros e os Estados Unidos

Os EUA são um dos únicos países em que massacres em espaços públicos ocorrem regularmente. Os pesquisadores Jillian Peterson, da Universidade de Hamline, e James Densley, da Universidade Estadual Metropolitana, ambas instituições de Saint Paul, Minnesota, passaram a carreira acompanhando e analisando esses eventos. Ataques em locais de trabalho são praticados principalmente por homens de meia idade. Massacres em escolas, por outro lado, envolvem autores principalmente no fim da adolescência ou com pouco mais de 20 anos. Homens dessas faixas etárias, aponta Peterson, também apresentam os índices mais altos de suicídio com armas de fogo.

Uma análise do Washington Post de 196 ataques a tiros em espaços públicos ocorridos desde 1966, com pelo menos quatro pessoas mortas em cada ação, mostra que em 98% dos massacres – todos exceto cinco – os autores eram homens. Em 40%, os atiradores tinham de 18 e 29 anos, e um terço tinha entre 30 e 45 anos.

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Policiais do lado de for do funeral de Amerie Garza, uma menina de 10 anos que foi morta no ataque a tiros na escola de Uvalde, no Texas  Foto: Jae C. Hong / AP Photo

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Há um padrão nas trajetórias dos homens jovens até o ato de violência. “Considero um tipo de transição de saída da adolescência, não sabendo seu lugar no mundo e estando deprimido, solitário e mais suscetível ao que lê na internet”, afirmou Peterson.

Peterson é criminologista e estuda histórias de assassinos em massa. Quando conversou, décadas depois dos ataques, com homens que cometeram massacres entre o fim da adolescência ou com pouco mais de 20 anos, “eles nem sequer reconheciam a pessoa que fez aquilo”. Ela afirmou que os autores descreveram sensações de “desconexão” com seus eus-assassinos anteriores.

Segundo o sistema jurídico americano, idade é um componente crucial da maneira como as leis são escritas e a Justiça é aplicada. A maioria dos Estados permite que os cidadãos possam dirigir carros aos 16 anos, leis federais estipulam a idade mínima para votar em 18 anos, e para consumir bebidas alcoólicas, aos 21.

Idade como fator para os ataques

A própria Suprema Corte reconheceu a importância da neurociência sobre a maneira que punições devem ser consideradas. No caso Roper versus Simmons, de 2005, a maioria do tribunal supremo decidiu que a pena de morte para réus menores de 18 anos era inconstitucional. O ministro Anthony Kennedy escreveu que “falta de maturidade e um senso de responsabilidade não desenvolvido são observados em jovens”.

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Nas histórias dos jovens atiradores, especialistas afirmam que com frequência existe neles uma desconexão entre a vida que eles levam e a vida que acreditam que deveriam levar. Mas enquanto a maioria da população aguenta esse tipo de decepção, os assassinos parecem ter passado por uma série de mudanças psicológicas que os leva às explosões de violência.

Fantasias “sobre poder ilimitado e grandeza” e um intenso desejo por admiração. É desta maneira que Frank Robertz, diretor do Instituto para Prevenção de Violência e Criminologia Aplicada, em Berlim, classifica uma característica comum entre os assassinos. Peter Langman, psicólogo que pesquisa massacres em escolas, notou na revista acadêmica Journal of Campus Behavioral Intervention que “o senso de masculinidade ofendida é comum a muitos atiradores e com frequência envolve fracassos e desajustes”.

Masculinidade e violência armada

Eric Madfis, professor-associado de Justiça criminal da Universidade de Washington, em Tacoma, sugere que os assassinos buscam reassumir o controle por meio de uma solução “masculina”, depois de um período longo de frustração.

“Ensinamos a meninos e homens que a única emoção socialmente aceitável é não ser vulnerável nem sensível, mas, no lugar disso, ser durão, machão e agressivo”, afirmou Madfis em entrevista. No caso dos atiradores, acrescentou ele, com frequência “estamos falando de meninos que foram emasculados por um determinado período de tempo. Eles sofreram bullying, ou foram ignorados, ou não tiveram a vida amorosa ou a popularidade que queriam”.

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Ramos, que matou 19 crianças e 2 professoras em Uvalde no mês passado, afirmou-se, sofreu bullying porque tinha a língua presa e gaguejava. Cruz, que matou 17 estudantes e funcionários da Escola de Ensino Médio Marjory Stoneman, em Parkland, havia apresentado problemas comportamentais desde o ginásio. Lanza, que matou 26 pessoas na Escola de Ensino Fundamental de Sandy Hook, em Newtown, em 2012, era solitário e recluso, passou a maior parte de seus últimos meses trancado em seu quarto, comunicando-se com a mãe por e-mail mesmo morando na mesma casa que ela.

Robertz afirmou que outro elemento comum entre os atiradores é a conexão entre uma adolescência conturbada e escapismos para um mundo de fantasia. “Eles só concretizam essas fantasias violentas no mundo físico se não são impedidos e se algum evento-gatilho ocorrer, que normalmente corresponde à destruição de sua última esperança subjetiva”, afirmou Robertz.

Como rastrear os suspeitos

Imediatamente após esses massacres, o público chocado e desolado e as autoridades de segurança invariavelmente debatem maneiras de detectar e impedir os assassinos. No passado, algumas polícias solicitaram o uso de um software de inteligência artificial para passar um pente-fino em arquivos escolares e confrontá-los com registros de compras de armas e outros dados capazes de detectar jovens que possam ser propensos a cometer atos violentos.

O Centro Médico do Hospital Infantil de Cincinnati analisou transcrições de entrevistas psiquiátricas de adolescentes para detectar se algum deles poderia estar propenso a violência em escolas. Rahul Sood, ex-funcionário do Google e atualmente diretor-executivo da Irreverent Labs, uma empresa de games, sugeriu no Twitter que autoridades do governo devem monitorar saltos em compras de munição e conversas em redes sociais.

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“Usando aprendizado da máquina podemos fazer previsões a respeito de onde o próximo massacre pode ocorrer – e podemos impedi-los antes que aconteçam”, sustenta Sood. Mas até aqui poucas dessas propostas ganharam tração. Uma das razões é que pode ser difícil, ou até impossível certas vezes, segundo afirmou Metzl, distinguir rebeldias adolescentes comuns de sinais de problemas mais sérios. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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