Quando Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, acho justo afirmar que a maioria dos observadores esperava que ele se sairia bem. O imenso Exército russo certamente tomaria Kiev e outras grandes cidades em poucos dias; o Ocidente certamente responderia com sua costumeira timidez, dando na Rússia nada mais que um leve tapa no pulso.
Em vez disso, aqui estamos, no 13.º dia do conflito, com Kiev e Kharkiv ainda resistindo, e as forças invasoras retidas por uma feroz resistência ucraniana (auxiliada pela rápida injeção de armas do Ocidente) e desastrosos problemas logísticos. Ao mesmo tempo, as sanções do Ocidente contra a economia russa claramente já surtem efeitos severos, que podem piorar ainda mais.
Obviamente, tudo pode mudar: as forças russas podem se reagrupar e retomar a ofensiva; governos ocidentais de joelhos fracos podem começar a suspender sanções. Por agora, contudo, Putin está encarando consequências bem piores do que poderia ter imaginado.
Infelizmente, afrontar uma agressão não sai de graça. Os eventos na Ucrânia e na Rússia devem impor, em particular, custos severos à economia mundial. A questão é: quão severos?
Minha resposta preliminar é que serão custos graves, mas não catastróficos. Especificamente, o choque de Putin não parece tão grave quanto os choques do petróleo que abalaram a economia mundial nos anos 70.
Guerra na Ucrânia
Como nos anos 70, o golpe na economia mundial ocorre nos preços de commodities. A Rússia é uma grande exportadora de petróleo e gás natural; tanto a Rússia quanto a Ucrânia são - ou eram - grandes exportadores de trigo. Então, a guerra está surtindo grande impacto nos preços tanto da energia quanto dos alimentos.
Comecemos pela energia. Até agora, as sanções aplicadas pela Europa contra a Rússia manifestamente não se aplicam às exportações de petróleo e gás natural do país; os EUA estão banindo importações de petróleo da Rússia, mas isso não importa tanto, já que os EUA podem comprar e a Rússia pode vender em outros mercados. Os mercados, entretanto, estão reagindo como se diante da possibilidade de interrupção no fornecimento, seja por futuras sanções ou em razão de empresas globais de energia, temendo reações negativas do público, “autocensurarem” suas compras de petróleo russo. De fato, a Shell, que outro dia comprou petróleo russo a preço baixo, desculpou-se pela compra e afirma que isso não vai se repetir.
Como resultado, o preço real do petróleo, ajustado pela inflação, saltou quase para o nível que alcançou durante a revolução iraniana, em 1979.
Para ser sincero, estou um pouco intrigado pelo tamanho dessa alta de preço. Sim, a Rússia é uma grande produtora de petróleo. Mas sua produção representa apenas cerca de 11% da produção mundial, enquanto produtores do Golfo Pérsico extraíam um terço do petróleo consumido no mundo nos anos 70. E a Rússia provavelmente encontrará maneiras de vender uma significativa fração de sua produção de petróleo apesar das sanções do Ocidente.
Além disso, a economia mundial é atualmente muito menos dependente de petróleo do que costumava ser. O índice de “intensidade” petrolífera - o número de barris de petróleo consumidos em relação a cada dólar do produto interno bruto - é hoje metade do que era nos anos 70.
E o que dizer do gás natural? A Europa depende da Rússia para grande parte de seu fornecimento. Mas o consumo de gás é fortemente sazonal. Então, o impacto de uma interrupção da Rússia não será tão forte até o fim do ano, o que dá a Europa tempo para adotar medidas que a deixem menos vulnerável.
De maneira geral, então, a crise energética fabricada por Putin será severa, mas provavelmente não será catastrófica. Minha maior preocupação, em relação aos EUA, pelo menos, é política. Seria difícil pensar que os republicanos poderiam, simultaneamente, exigir que parássemos de comprar petróleo russo e atacar o presidente Joe Biden em razão dos altos preços da gasolina. Quer dizer, seria difícil para alguém que tivesse passado os últimos 25 anos em uma caverna. Na verdade, é exatamente isso que está prestes a acontecer.
Política à parte, os alimentos podem ser na verdade um problema maior do que energia. Antes da guerra de Putin, a Rússia e a Ucrânia juntas eram responsáveis por mais de um quarto das exportações mundiais de trigo. Agora, a Rússia está sancionada, e a Ucrânia é uma zona de guerra. Não surpreendentemente, os preços do trigo saltaram de menos de US$ 8 o bushel (equivalente a cerca de 27 quilos), antes da Rússia começar a concentrar suas tropas em torno a Ucrânia, para aproximadamente US$ 13 hoje.
Em regiões ricas, como América do Norte e Europa, esse aumento de preço será doloroso, mas, em grande parte, tolerável, simplesmente porque consumidores de países avançados gastam uma porcentagem relativamente baixa de seus ganhos em comida. Para países mais pobres, onde gastos com alimentação representam uma grande fração dos orçamentos familiares, o choque será muito mais severo.
Finalmente, que impacto a guerra na Ucrânia surtirá sobre a política econômica? Altas nos preços do petróleo e dos alimentos elevarão o índice de inflação, que já está incomodamente alto. Será que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) responderá elevando as taxas de juros, prejudicando o crescimento econômico?
Provavelmente não. Faz tempo que o foco do Fed deixou de ser a inflação “global”, passando para a inflação “central”, que exclui os voláteis preços dos alimentos e da energia - um foco que fez sentido no passado. Então, o choque de Putin é exatamente o tipo de evento que o Fed normalmente ignoraria. E, ao que tudo indica, os investidores parecem acreditar que o Fed fará exatamente isso: as expectativas do mercado a respeito da política do Fed para os próximos meses parecem não ter mudado em nada.
De maneira geral, o choque russo na economia mundial será desagradável, mas provavelmente não tão desagradável assim. Se Putin imagina que pode manter o mundo refém, bem… Isso é provavelmente outro erro de cálculo fatal. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
*Paul Krugman é professor do City University of New York e ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008
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