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Como o Exército da Ucrânia conseguiu frear o avanço das tropas da Rússia

Ucranianos, armados por aliados, usam táticas de guerrilha para conter as forças de Putin

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Por Sudarsan Raghavan

THE WASHINGTON POST - Quando as forças russas tomaram o controle de um aeroporto militar em Hostomel, poucos quilômetros ao norte de Irpin, no primeiro dia da guerra, muitos observadores militares previram uma rápida conquista de Kiev. Mais de duas semanas depois, porém, as tropas russas têm enfrentado dificuldade para avançar.

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Uma visita a dois frontes ativos – em Irpin e nas proximidades de Brovari, a nordeste do centro da capital – revelou estratégias, táticas e capacidades das forças ucranianas que defendem Kiev, assim como aparentes erros táticos e erros de cálculo dos russos sobre a resistência na Ucrânia.

Os Estados Unidos e até 20 outros países, a maioria membros da Otan e da União Europeia, prometeram enviar armamentos às forças ucranianas, incluindo mísseis antitanque Javelin, mísseis terra-ar Stinger, metralhadoras e fuzis. Não ficou claro quantas dessas armas adicionais chegaram às forças ucranianas em Kiev, que dependiam do arsenal que tinham à mão e da adaptação de suas táticas de batalha.

Força de voluntários ucranianos protege estrada nas imediações de Kiev Foto: Gleb Garanich/Reuters


“Os russos não estavam prontos para uma guerra não convencional”, afirmou Rob Lee, pesquisador-sênior do Foreign Policy Research Institute e especialista em política de defesa russa. “Eles não sabem como lidar com essa situação de insurgência e guerra de guerrilha.”

Certamente, a maioria dos analistas militares e autoridades do Ocidente ainda preveem que as forças russas eventualmente cercarão Kiev e tentarão invadir a capital, possivelmente com auxílio de ataques aéreos. Ainda que isso possa se comprovar, não está nada claro se a Rússia sairá vencedora.

Para as forças ucranianas, esta guerra é uma guerra de desgaste. Os ucranianos parecem estar tentando exaurir o Exército russo, criando condições para uma estagnação nos limites de Kiev. Isso poderia dar tempo aos ucranianos para pressionar o presidente russo, Vladimir Putin, de outras maneiras.

Longe dos campos de batalha, essas pressões incluem a intensificação das sanções internacionais contra a Rússia e esforços diplomáticos para obter concessões dos russos. Nas linhas de frente, as forças de Putin enfrentam cada vez mais armamentos pesados do Ocidente entregues à Ucrânia e um crescente ultraje global em razão das mortes de civis e dos bombardeios contra bairros residenciais e hospitais – ações que têm potencial para configurar crimes de guerra.

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Em entrevistas, soldados ucranianos também afirmaram que capitalizam sobre falhas dos russos, incluindo seu uso de estratégias previsíveis, sua falta de conhecimento sobre o terreno e até seu surpreendente despreparo para um conflito excruciante. Relatos surgiram em redes sociais e campos de batalha sobre os soldados russos estarem ficando sem comida, água e combustível para seus veículos. Alguns, segundo relatos, se renderam depois de se perderem no território ucraniano ou em razão da baixa moral. Comboios militares russos reduziram o ritmo de seu avanço ou pararam por causa de problemas mecânicos.

“A principal tática da Ucrânia é ganhar tempo”, afirmou Michael Kofman, diretor de estudos russos do Centro para Análises Navais. “Tentar outra coisa desperdiçará muito o potencial militar que eles têm disponível. Eles estão posicionados para expulsar as forças russas da Ucrânia? Não. Estão posicionados para vencer a guerra? Sim.”

Por todo o país, as forças ucranianas recuaram para as cidades, recusando-se a enfrentar as forças russas em áreas rurais, em campo aberto. Enquanto Moscou tomou o controle de cidades do sul, como Kherson e Melitopol, suas forças ainda lutam para conquistar Mariupol, também no sul ucraniano, assim como outros centros urbanos do país, como Kharkiv, Chernihiv e Sumi.

Isso também é verdadeiro em Mikolaiv, no sul, onde há mais de uma semana forças ucranianas têm repelido um avanço maior das forças russas para o oeste, na direção do estratégico Porto de Odessa.

Em Kiev, a sede do governo, o risco não poderia ser mais alto.

Helicópteros

Até agora, os defensores da Ucrânia bloquearam o principal esforço da Rússia: sitiar e conquistar a capital, usando o aeroporto de Hostomel como ponte aérea para a chegada de mais tanques, veículos pesados e outros armamentos. Forças ucranianas derrubaram vários helicópteros russos e até agora têm evitado que uma grande coluna de blindados pressione a capital. Enquanto isso, um sólido sistema de defesa aérea foi mobilizado contra bombardeios aéreos e ataques de mísseis.

“O maior problema é que (a Rússia) não organizou uma operação militar apropriada”, afirmou Kofman. “Os russos acharam que iam simplesmente entrar sem enfrentar nenhuma resistência. Isso os levou a muitas desgraças, porque não houve planejamento.”

Batalhas em que a vantagem se alternou ocorreram em Hostomel, Bucha e Irpin – num possível prenúncio da guerra urbana, rua a rua, que poderá envolver a capital se as forças russas entrarem.

No sábado, enormes colunas de fumaça escura emergiram da cidade de Bucha, em meio a incessantes estrondos de artilharia. “Instalamos minas antitanque por todo lado”, afirmou Casper com um sorriso no rosto.

A cerca de 65 quilômetros de lá, forças russas tentavam invadir Kiev pelo noroeste. Uma coluna de tanques movia-se por uma estrada principal na direção da cidade de Brovari. Quando os blindados passavam por um trecho margeado por casas, as forças ucranianas perceberam uma oportunidade – e despejaram sobre o comboio projéteis de artilharia e mísseis antitanque.

Os soldados russos fugiram dos veículos e correram na direção de árvores para se proteger, segundo mostraram vídeos postados nas redes sociais pelo Exército ucraniano. Em chamas, um dos tanques moveu-se vagarosamente até parar. (Os vídeos não puderam ser verificados independentemente, mas confirmam descrições da batalha fornecidas por combatentes ucranianos e médicos que cuidaram dos feridos.)

Os tanques e outros veículos militares estavam trafegando vagarosamente numa autoestrada aberta, o que fez deles alvos fáceis. Também estavam agrupados proximamente entre si, o que permitiu a uma única cápsula de artilharia atingir vários veículos. Também não havia soldados a pé movendo-se paralelamente pelas árvores ou ao longo da coluna para detectar possíveis emboscadas.

Tanques antigos

O que também surpreendeu, afirmaram analistas, foi que alguns dos tanques eram antigos e mal equipados – entre eles, um T-72 da era soviética, cuja produção foi iniciada mais de 50 anos atrás.

“É meio bizarro ver isso”, afirmou Lee, do Foreign Policy Research Institute. “Kiev é a missão decisiva, o objetivo definitivo, e mesmo assim eles mandam algumas unidades muito velhas para a operação de tomada.”

A emboscada também ocasionou mortes de civis. Soldados russos que fugiram do comboio se esconderam em vilarejos próximos e atiraram em qualquer um que consideraram suspeito. Ao longo dos dois dias seguintes, 23 civis e soldados deram entrada no Hospital do Distrito Central de Brovari, afirmou Valentin Baganiuk, diretor da unidade médica. Entre eles, membros de uma mesma família que foram baleados ao sair de casa. Enquanto o pai dirigia, disparos atingiram sua mão, decepando três dedos, e também o feriram na cabeça.

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Camufladas em florestas a noroeste de Kiev, baterias de artilharia ucraniana castigaram posições russas dentro de Irpin e Bucha na tentativa de evitar um possível avanço. A ponte que conecta a capital a Irpin foi demolida por forças ucranianas para impedir a passagem de blindados russos.

Trincheiras

Do outro lado da ponte, na entrada do centro de Irpin, grupos de voluntários armados cavaram trincheiras numa colina, em posição de vantagem estratégica para atacar forças russas ou tentar emboscá-las.

Diante da colina, combatentes ucranianos vestidos com trajes camuflados estavam posicionados atrás de árvores. Outros combatentes estavam dentro de edifícios, vigiando as ruas que os russos precisariam usar para avançar na direção de Kiev.

“Eles têm sua própria linha para defender, e nós temos de manter nossas posições”, afirmou Igor Zadorozhni, de 30 anos, ex-oficial do Exército que agora defende a cidade em um grupo armado organizado pelo prefeito de Irpin. “Neste momento, há um empate.”

O conflito é uma combinação de breves confrontos ocorridos com frequência em postos de controle ucranianos, trocas de disparos de artilharia e momentos de pesadas batalhas urbanas.

Abraçado ao seu fuzil, o ex-oficial do Exército Zadorozhni afirmou que as forças ucranianas estavam esperando que os civis deixassem Irpin antes de “começarmos a livrar a cidade” dos russos. “Eles não têm provisões suficientes, comida, água”, disse, afirmando que moradores da cidade contaram que soldados russos saquearam residências e comércios. “Eles não têm muita gasolina. Ficarão exaustos. E, então, atacaremos e os expulsaremos daqui.”

O conhecimento local sobre a área urbana tem sido uma grande vantagem para os defensores de Kiev, afirmou Zadorozhni.

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Outro combatente, Roman, de 32 anos, afirmou que os moradores têm entregado posições dos russos em áreas onde ainda há sinal de celular.

Com o ritmo de avanço das tropas russas diminuído, outras dúvidas surgem: Moscou intensificará os bombardeios contra Kiev para pressionar o governo a se render ou fugir? Até aqui, a capital tem escapado em grande medida de bombardeios similares aos que têm castigado cidades como Kharkiv e Chernihiv.

As forças russas intensificaram os ataques contra o posto de controle de Casper. Tanques dispararam entre 20 e 25 projéteis, demolindo uma grande casa azul próxima à base ucraniana na sexta-feira. Os ucranianos não responderam ao fogo. “Nosso objetivo é defender nossas posições, não atacar os russos”, afirmou Casper.

Estratégia

Essa tática é inteligente, afirmaram analistas militares. O Exército ucraniano não é capaz de competir com o poder da artilharia russa e precisa conservar ao máximo seu arsenal muito menor, em vez de desperdiçar recursos em contraofensivas. Casper afirmou que as forças ucranianas pretendem manter aberta a estrada que sai de Bucha, para permitir a fuga de mais civis. Segundo ele, responder ao fogo poderia transformar a estrada num campo de batalha.

Os russos, acrescentou o comandante, enviaram equipes para detonar minas ucranianas. Então, o que acontecerá se os tanques russos finalmente avançarem pela estrada na direção do posto de controle de Casper?

O comandante sorriu e caminhou até um armazém. Saiu de lá carregando um míssil antitanque NLAW fornecido pelos britânicos e uma granada propelida por foguete. “Sabemos como cumprimentá-los”, afirmou, com as armas nas mãos. “Temos tudo o que precisamos aqui mesmo.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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