Como o futuro de Israel e da Arábia Saudita estão entrelaçados; leia a coluna de Thomas Friedman

Nenhum outro par de países exemplifica este momento melhor do que os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio

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Por Thomas Friedman
Atualização:

(Esta coluna de Thomas Friedman foi dividida em três partes para facilitar a leitura; este é o primeiro capítulo)

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THE NEW YORK TIMES — “Seu destino final é Tel-Aviv?”

Eu trabalho como repórter no Oriente Médio desde 1979, e jamais havia ouvido essas cinco palavras neste lugar em que eu estava, a respeito do lugar aonde eu ia. Eu fazia check-in para voar de Doha, no Catar, para Tel-Aviv, em Israel, via Dubai, nos Emirados Árabes. Era uma conexão inconcebível no passado, que a atendente da FlyDubai no Aeroporto Internacional de Doha pronunciou com a mesma naturalidade que teria para me perguntar se eu voaria para o Cairo via Riad.

Meu primeiro instinto foi pedir-lhe: por favor, você poderia falar baixo?

Um homem observa os aviões da Força Aérea Israelense voando em formação sobre o Mar Mediterrâneo Foto: Corinna Kern / Reuters

Afinal, muitos de nós, repórteres radicados em Beirute no fim dos anos 70, nem mesmo usávamos a palavra “Israel”. Nós nos referíamos ao país apenas como “Dixie” — a região ao sul do Líbano. Agora, os códigos aeroportuários DIA, DXB e TLV se combinavam sobre a minha bagagem, e todos podiam ver.

Poucos dias depois, eu passei por três cidades que subitamente pareceiam mais próximas do que nunca: café da manhã cedo em Tel-Aviv; almoço em Amã, na Jordânia; e jantar tarde da noite na capital da Arábia Saudita, Riad.

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Essa jornada foi diferente de todas as que eu já havia empreendido em uma região que há muito é meu segundo lar e permitiu-me compreender algo bastante notável: como antigos inimigos e rivais por todo o Oriente Médio estão à beira de se tornar muito mais interconectados e interdependentes do que jamais foram. Parcerias impensáveis estão sendo forjadas, assim como tensões internas enormes, conforme os habitantes da região tentam dar-se conta de quão modernas, seculares, abertas, entrelaçadas — e democráticas — eles querem ser.

As transformações de Israel e Arábia Saudita

Nenhum outro par de países exemplifica este momento melhor do que os dois aliados mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio: Israel e Arábia Saudita. Ambos estão passando simultaneamente por lutas internas fundamentais em relação às suas identidades. O relacionamento entre as autoridades religiosas e o Estado — assim como as próprias regras do jogo jurídico, social e econômico — tanto na Arábia Saudita quanto em Israel nunca esteve tão errático desde que os países foram fundados.

Na Arábia Saudita, as transformações sociais que estão sendo impostas de cima para baixo pela mão de ferro do príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman (MBS) são agora tão profundas que se você não esteve na Arábia Saudita nos últimos cinco anos é como se jamais tivesse estado por lá.

Quando eu havia visitado Riad pela última vez, no fim de 2017, as mulheres sauditas não tinham permissão para dirigir. Hoje, elas não só estão atrás do volante, mas a primeira astronauta saudita acaba de ajudar a pilotar um foguete SpaceX Falcon 9 do Centro Espacial Kennedy até a Estação Espacial Internacional.

Hessah Alajaji em seu carro, horas antes da suspensão da proibição da Arábia Saudita a motoristas mulheres, em Riad, Arábia Saudita, 24 de junho de 2018 Foto: Tasneem Alsultan/ NYT

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Enquanto isso, a ameaça à aspiração israelense original de ser Estado judaico e democrático ao mesmo tempo é hoje muito profunda, apresentada por um governo extremista que tenta esmagar a Suprema Corte de Israel e produziu inéditas 22 semanas consecutivas de protestos de rua massivos dos israelenses que acreditam na democracia. Se você não esteve em Israel nos últimos cinco meses, é como se jamais tivesse estado por lá.

Em outras palavras, os EUA, neste momento, estão de fato presentes na recriação de duas nações vitais para o nosso interesse. Duas nações que ao mesmo tempo discutem secretamente estabelecer a paz entre si. Duas nações que também tentam resolver o quão próximas serão da China, a grande potência rival dos EUA com foco cada vez maior no Oriente Médio.

Uma nova potência no pedaço

Quando fui chefe da sucursal do New York Times em Jerusalém, entre 1984 e 1988, não existiam relações diplomáticas entre Israel e China, e nós ficamos animadíssimos quando o primeiro restaurante chinês kosher abriu próximo à redação, mesmo que a sopa de wonton não levasse carne de porco.

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Hoje, conforme Israel fervilha com startups de tecnologias de defesa e cibernéticas, Pequim aumentou rapidamente seus esforços para comprar ações das empresas ou estabelecer parcerias com universidades israelenses em tamanha medida que os serviços de segurança israelenses têm agora de monitorar atentamente visitantes e diplomatas chineses. A China também mediou recentemente o acordo para o restabelecimento das relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita. Os sauditas são agora os maiores fornecedores de petróleo aos chineses, ao mesmo tempo que os chineses são os maiores clientes dos sauditas.

Por todas essas razões, os EUA precisam se desfazer de qualquer inibição e desempenhar o papel mais ativo possível com Israel e Arábia Saudita. Não é hora de Washington levantar acampamento do Oriente Médio. É hora de sermos assertivos com nossos valores e ferramentas de poder brando como jamais fomos.

A China costurou o acordo que reatou as relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita  Foto: China Daily / via REUTERS

Perguntas para Netanyahu

O presidente Joe Biden só deveria convidar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu ao Salão Oval, como todos os outros premiês israelenses foram convidados, se ele for responder a duas perguntas:

  1. O sr. ocupa a Cisjordânia comprometido a resolver o status permanente do território por meio de negociações com os palestinos ou considera o atual controle de Israel sobre os palestinos um status permanente, que jamais deve ser alterado? Nós precisamos saber de uma vez por todas.
  2. O sr. está comprometido em garantir que qualquer mudança maior no Judiciário de Israel seja implementada somente se houver um amplo apoio do público, para garantir estabilidade política? Porque os EUA têm um enorme interesse de que seu aliado militar mais importante na região não descambe para uma guerra civil em razão de uma reforma judicial.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em visita a Jerusalém  Foto: Debbie Hill / Reuters

Ao longo dos últimos 75 anos, Israel tem sido um parceiro confiável e vital dos EUA, mas essa relação sempre se baseou em interesses e valores comuns. Se esses valores não forem mais compartilhados, nós precisamos saber. Nós precisamos apoiar os israelenses que desejam preservar a democracia de Israel — e continuar fechando os portões da Casa Branca para qualquer indivíduo que se oponha ao sistema democrático do país.

Quanto à Arábia Saudita, num momento em que a Aramco, sua estatal de petróleo, rivaliza-se com Apple e Microsoft enquanto empresa mais valiosa do mundo, uma base larga de sua pirâmide etária começa a amadurecer e Riad substitui o Cairo como potência mais importante do mundo árabe, nós temos de nos envolver com a sociedade e as lideranças sauditas regularmente — para garantir que Riad exerça o poder responsavelmente e encorajar indivíduos e líderes na Arábia Saudita que tentam tornar o país religiosamente mais moderado, mais respeitoso às mulheres, mais tolerante a respeito de todas as outras fés, mais diversificado economicamente e mais receptivo em relação a opiniões dissidentes. A Arábia Saudita também é lar das cidades mais sagradas do Islã, Meca e Medina, portanto a forma que o país se modernizar e se pluralizar influenciará mesquitas e comunidades muçulmanas em todo o planeta. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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