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Como o Irã se especializou em drones e mísseis e realizou maior ataque de sua história contra Israel

A ofensiva iraniana pode ter mudado a realidade do conflito entre Teerã e Tel-Aviv, que sempre ocorreu por meio de grupos armados apoiados pelo Irã

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:

O dia 13 de abril ficou marcado para Israel. Envoltos em uma guerra com o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro do ano passado e em conflitos com a milícia xiita radical libanesa Hezbollah em sua fronteira no norte, os israelenses se abrigaram pela primeira vez nos bunkers contra um ataque de mísseis e drones lançados diretamente do Irã. A magnitude do ataque organizado pelo país persa surpreendeu e o tamanho do arsenal militar iraniano chamou atenção.

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A ofensiva do Irã contou com 170 drones, 30 mísseis de cruzeiro e 120 mísseis balísticos, sinalizando que Teerã conseguiu obter um grande poderio militar, mesmo com as múltiplas sanções econômicas e embargos contra o país. Este foi o maior ataque realizado pelo Irã em sua história e o maior com o uso de drones efetuado por qualquer país.

“O Irã aprendeu a confiar em suas próprias capacidades por conta das sanções e criou uma grande indústria armamentista”, explica Ali Vaez, professor de relações internacionais da Universidade de Georgetown e diretor do setor iraniano da International Crisis Group, organização independente que trabalha para prevenir guerras e moldar políticas públicas.

Um jornalista observa um míssil iraniano que caiu no Mar Morto, em Israel  Foto: Ohad Zwigenberg/AP

O ataque contra Israel ocorreu em retaliação a um bombardeio aéreo atribuído a Tel-Aviv que matou sete pessoas, incluindo dois oficiais da Guarda Revolucionária do Irã, no dia 1 abril na embaixada do país em Damasco. A ofensiva iraniana pode ter mudado a realidade do conflito entre Teerã e Tel-Aviv.

O Irã demonstrou que tem a vontade e a capacidade de fazer este tipo de ataque, aponta Vaez. “Este pode ser o início de uma nova fase, com Israel e Irã lutando de uma forma muito mais direta e aberta”.

Arsenal

Para John Krzyzaniak, pesquisador que estuda o programa de mísseis iranianos no Projeto Wisconsin sobre Controle de Armas Nucleares, ONG com sede em Washington, o ataque iraniano não surpreendeu em relação a novos mísseis e drones, mas sim em volume. “A ofensiva contra Israel foi dez vezes maior do que outros ataques realizados pelo Irã. Não sabíamos que eles poderiam lançar tantos mísseis ao mesmo tempo”, resume.

O país persa optou pelo uso dos drones Shahed-136 e Shahed-131, conhecidos por também serem usados pela Rússia em sua guerra contra a Ucrânia, além do míssil de cruzeiro Paveh e dos mísseis balísticos Kheibar, Emad e Ghadr. “O Irã praticamente lançou tudo que eles tinham que poderia atingir Israel”, avalia Krzyzaniak.

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Mesmo com evidências da magnitude do ataque, o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, apontou que a ofensiva foi “limitada”, durante um comício para comemorar o dia do Exército iraniano, na semana passada. “Se fosse para ser uma ação em grande escala, nada teria sobrado do regime sionista”, disse ele.

O ataque iraniano não resultou em grandes danos na infraestrutura israelense e nem em mortes, muito por conta de uma coalizão formada por Israel, Estados Unidos, França e Reino Unido, que conseguiu abater a maioria dos projeteis do país persa. O Irã também avisou por meio de intermediários quando o ataque aconteceria, contribuindo para a organização dos esforços de defesa. Segundo o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o sucesso da coalizão em repelir Teerã foi uma vitória para Tel-Aviv, mas os números mostram uma assimetria considerável.

Segundo estimativas de analistas, o ataque iraniano custou de 80 a 100 milhões de dólares aos cofres do país persa, enquanto a coalizão gastou mais de US$ 1 bilhão para defender Israel.

O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, conversa com oficiais do Exército do Irã em Teerã após o ataque contra Israel Foto: Escritório do Líder Supremo do Irã / AP

Prioridades

O custo relativamente baixo do ataque iraniano a Israel ressalta o método do Irã para burlar as sanções econômicas que prejudicam o país: a priorização do setor de mísseis e drones em relação a outras partes do exército e o apoio a grupos como o Hezbollah, Hamas e Houthis, que não é caro.

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Teerã soube traçar uma estratégia sobre quais setores iria desenvolver, avalia Karabekir Akkoyunlu, professor de relações internacionais da Universidade de Londres e especialista em Irã. O arsenal iraniano de mísseis balísticos é um dos maiores e mais sofisticados do Oriente Médio. “Eles colocam dinheiro neste tipo de tecnologia, não são todas as partes do Exército iraniano que possuem este nível de excelência”.

O foco em drones e mísseis começou nos anos 80, quando o Irã entrou em guerra com o Iraque, um esforço impulsionado pela falta de acesso do país à tecnologia ocidental que poderia fazer com que Teerã pudesse desenvolver e manter uma Força Aérea sofisticada

A Força Aérea iraniana não é atualizada desde antes da Revolução Islâmica, em 1979, quando os aiatolás chegaram ao poder. “Os iranianos têm aviões F-14 completamente obsoletos, não é uma Força Aérea de verdade, é um museu”, avalia Vaez.

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O analista aponta que as sanções também contribuem para que o Irã apoie grupos como Hezbollah, Hamas e os Houthis. “As sanções só fazem que os iranianos fiquem mais agressivos. Se o Irã pudesse ter caças avançados, não teria tanta necessidade de apoiar o Hezbollah, nenhum país quer depender de grupos não estatais para se defender”, aponta Vaez. “Se o Irã pudesse fazer o que outros países fazem para garantir proteção, que seria poder reforçar as capacidades militares ofensivas e defensivas, talvez seria diferente, mas o país não tem essa escolha”.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amirabdollahian, participa de uma reunião com o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em Beirute, Líbano  Foto: Ministério das Relações Exteriores do Irã / AP

Apoio

O apoio do Irã a grupos armados no Oriente Médio faz parte de um instrumento de política externa do país persa, por razões militares e também religiosas. A República Islâmica é xiita, assim como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano. Já o grupo terrorista Hamas é sunita, mas se aproximou do país persa nos anos 90, por representar a maior oposição a Israel, após os Acordos de Oslo, em 1993.

De acordo com Akkoyunlu, a estratégia iraniana foi desenhada para ser assimétrica e disruptiva. “Eles não querem controlar nada, eles querem prevenir a hegemonia do outro lado”. O professor da Universidade de Londres aponta que, por conta disso, é barato para o país persa sustentar este apoio a grupos armados.

“A disrupção é uma forma mais econômica de engajamento militar e é definitivamente mais barato do que colocar o próprio Exército iraniano nestes lugares”, explica o especialista.

Além do custo baixo, o Irã consegue sustentar variados grupos armados por ser rico em petróleo. Teerã é o terceiro maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O país persa produz 3 milhões de barris por dia.

Guerra direta contra Israel

O apoio militar e econômico a grupos armados no Oriente Médio foi a maneira que o Irã se envolveu em conflitos com Israel, mas os episódios recentes podem ter mudado esta realidade.

O ataque israelense à embaixada iraniana em Damasco no dia 1 de abril só foi comunicado aos EUA na véspera do ocorrido. De acordo com uma reportagem do The New York Times, que entrevistou oficiais americanos envolvidos nas discussões sobre o ataque, os israelenses calcularam mal, pensando que o Irã não reagiria com força. Os dois países colocaram panos quentes na questão, mesmo depois de uma suposta resposta israelense no dia 18 de abril, que atingiu uma base militar em Isfahan, mas a temperatura segue alta.

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As velhas regras já não se aplicam mais a este conflito e as novas regras ainda não foram totalmente estabelecidas, aponta Ali Vaez. “O risco de um erro de cálculo é muito alto. Os iranianos já mostraram que se Israel atacar novamente alvos do país no exterior ou cidadãos do país, eles conseguem atacar Israel diretamente de seu próprio território”.

Os dois países não compartilham fronteiras, mas a proximidade do Irã com o Hezbollah no Líbano pode ser uma estratégia para um próximo ataque. “Para Israel, o Irã está há mais de 2000 quilômetros de distância, mas para o Irã são apenas 10 metros por conta do Hezbollah”.

Mesmo assim, uma invasão iraniana a Israel seria muito difícil, segundo Krzyzaniak, do Projeto Wisconsin sobre Controle de Armas Nucleares, porque o Irã não teria a logística necessária para uma operação militar deste tamanho.

“Israel e Irã não estão equipados para uma guerra aberta com uma possível invasão, mas são capazes de causar grandes danos”, destaca o pesquisador. “O Irã pode realizar mais um ataque em Israel, que poderia resultar em muitos problemas aos israelenses, principalmente se o foco também forem alvos civis”.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no Aeroporto Ben Gurion, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

Armas nucleares

Nesta nova rodada de tensões entre Teerã e Tel-Aviv, o receio de que o Irã possa desenvolver uma bomba nuclear continua. Segundo especialistas entrevistados pelo Estadão, as evidências indicam que o país persa ainda não possui esta tecnologia, mas tem todas as condições para desenvolvê-la em um futuro próximo.

Se eles decidissem amanhã que gostariam de produzir uma arma nuclear, acredito que conseguiriam, avalia Krzyzaniak. O pesquisador aponta que os iranianos se beneficiam do receio ocidental sobre a possibilidade do país possuir armas nucleares. “Os líderes iranianos estão confortáveis com este status que possuem sem de fato terem que produzir uma arma nuclear”.

Para Vaez, o Irã está muito próximo de produzir uma arma nuclear. O especialista participou das negociações para o acordo nuclear iraniano em 2015 junto da ONG que trabalha, a International Crisis Group. O acordo entre EUA e outras potências ocidentais com Teerã garantia que o Irã só usaria o seu programa nuclear para fins pacíficos e as instalações iranianas passariam por frequentes inspeções.

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O então secretário de Estado dos EUA, John Kerry, participa de uma reunião com o então ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, em janeiro de 2016 na cidade de Viena, Áustria  Foto: Kevin Lamarque/NYT

Em 2018, o então presidente americano Donald Trump retirou Washington do tratado, alegando que o Irã não estava cumprindo o combinado.

“Quando o presidente Trump retirou os EUA do acordo de 2015 o Irã precisava de 12 meses para enriquecer urânio suficiente para uma única arma nuclear”, diz Vaez. “Neste momento, Teerã precisa de seis dias de enriquecimento para produzir uma arma nuclear porque os EUA saíram do acordo e o Irã passou a desenvolver mais o programa nuclear, que está muito avançado neste momento”.

O analista destaca que a escalada de tensões entre Israel e Irã poderia fazer com que o país de fato produzisse uma arma nuclear, por concluir que o seu atual sistema de defesa não está conseguindo garantir a segurança do território iraniano. “A opção de possuir armas nucleares fica mais séria se Teerã perceber que a política de apoio a grupos armados como o Hezbollah não está realizando o efeito necessário de afastar ameaças de um ataque direto”.

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