Análise | Como o Signalgate expõe os bastidores dos primeiros meses difíceis do Secretário de Defesa dos EUA

A divulgação de planos de batalha em um aplicativo de bate-papo criou uma nova saia justa para Pete Hegseth no Pentágono

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Por Helene Cooper (The New York Times) e Eric Schmitt (The New York Times)

Mesmo antes de revelar em um bate-papo em grupo planos secretos de batalha para o Iêmen, informações que poderiam ter colocado em risco os pilotos de caça americanos, o Secretário de Defesa Pete Hegseth teve dois meses difíceis.

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Hegseth, um ex-soldado de infantaria da Guarda Nacional e apresentador de fim de semana da Fox News, começou seu trabalho no Pentágono determinado a ser mais trumpista que o presidente Trump, disseram autoridades e assessores do Departamento de Defesa.

O presidente é cético quanto ao valor da Otan e das alianças europeias, então o Pentágono sob Hegseth considerou planos nos quais os Estados Unidos desistiriam de seu papel de comando supervisionando as tropas da Otan. Depois que Trump emitiu ordens executivas visando pessoas transgênero, Hegseth ordenou a proibição de pessoas transgênero nas tropas.

Trump abraçou Elon Musk, o bilionário presidente executivo da SpaceX e da Tesla. O Pentágono planejou um briefing confidencial para dar a Musk uma visão em primeira mão de como os militares lutariam uma guerra com a China, uma medida potencialmente valiosa para qualquer empresário com interesses lá.

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Em todos esses esforços, Hegseth foi obrigado a recuar, seja pelos republicanos do Congresso, pelos tribunais ou até mesmo por Trump.

Secretário de Defesa Pete Hegseth na Casa Branca, na última sexta-feira, 21. Foto: Jacquelyn Martin/AP

O presidente deixou claro na sexta-feira passada que foi pego de surpresa por uma reportagem no New York Times a respeito do briefing do Pentágono para Musk, que supervisiona um esforço para enxugar o governo, mas também negou que a reunião tivesse sido planejada.

“Não quero mostrar isso a ninguém, mas certamente não mostraríamos a um empresário que está nos ajudando tanto”, disse Trump. Mas o último erro de Hegseth poderia ter levado a consequências catastróficas.

Na segunda-feira, o editor-chefe da revista The Atlantic, Jeffrey Goldberg, escreveu que havia sido inadvertidamente incluído em um bate-papo criptografado em grupo no qual Hegseth discutia planos para atingir a milícia Houthi no Iêmen duas horas antes de as forças dos EUA lançarem ataques contra o grupo.

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A Casa Branca confirmou o relato de Goldberg. Mas Hegseth negou mais tarde que tenha colocado planos de guerra na conversa do grupo, que aparentemente incluía outros membros do alto escalão da equipe de segurança nacional de Trump.

Ao revelar as aeronaves, os alvos e o momento em que seriam atingidas as instalações da milícia Houthi no Iêmen no aplicativo de mensagens comerciais Signal, Hegseth arriscou as vidas de combatentes americanos.

Em todo o exército na segunda e terça-feira, soldados e oficiais atuais e aposentados expressaram consternação e raiva em postagens nas redes sociais, grupos de bate-papo secretos e nos corredores do Pentágono.

“Meu pai foi morto em ação voando em uma missão de interdição noturna acima da Trilha Ho Chi Minh” após um ataque norte-vietnamita, disse o major-general aposentado Paul D. Eaton, que serviu na guerra do Iraque. “E agora, temos Hegseth. Ele divulgou informações que poderiam ter levado diretamente à morte de um piloto de caça americano.”

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Não estava claro na terça-feira se alguém envolvido no bate-papo em grupo no aplicativo Signal perderia o emprego. Os republicanos no Congresso têm sido cautelosos em entrar em conflito com Trump. Mas o senador Roger Wicker, republicano do Mississippi e presidente do Comitê de Serviços Armados, indicou na segunda feira que haveria algum tipo de investigação.

John R. Bolton, um conselheiro de segurança nacional no primeiro governo Trump, disse nas redes sociais que duvidava que “alguém será responsabilizado pelos eventos descritos pela The Atlantic, a menos que o próprio Donald Trump sinta a pressão”.

Em seu artigo, Goldberg disse que foi adicionado ao chat por Michael Waltz, atual conselheiro de segurança nacional de Trump.

Na terça feira, Trump defendeu Waltz. “Michael Waltz aprendeu uma lição e é um bom homem”, disse Trump em uma entrevista na NBC.

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O presidente acrescentou que a presença de Goldberg no bate-papo em grupo não teve “nenhum impacto” e que os ataques contra os Houthi foram “perfeitamente bem-sucedidos”.

É verdade que alguns dos tropeços de Hegseth foram parte do processo de aprendizado em um cargo de alto nível liderando um departamento com um orçamento anual de US$ 850 bilhões.

“O secretário Hegseth está tentando descobrir para onde o presidente está indo e correr para lá antes dele”, disse Kori Schake, especialista em segurança nacional do American Enterprise Institute. Mas, ela acrescentou, “ele está atuando de forma performática. Ainda não demonstrou que está comandando o departamento.”

Peter Feaver, professor de ciência política na Duke University que estuda as forças armadas há décadas, disse que a divulgação do bate-papo do Signal “levanta sérias questões a respeito de como um novo padrão de responsabilização pode ser aplicado: como ele lidaria com uma situação como essa se envolvesse um de seus subordinados?”

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Na segunda-feira, Hegseth partiu para a Ásia, sua primeira viagem ao exterior desde uma incursão à Europa no mês passado, na qual foi duramente criticado por ir mais longe na Ucrânia do que seu chefe havia feito na época. Ele postou um vídeo nas redes sociais de si mesmo sendo protegido por duas aviadoras em trajes de combate completos enquanto embarcava no avião na Base Conjunta Andrews. A demonstração de segurança foi notável. Nem mesmo o presidente é protegido dessa forma ao embarcar no Força Aérea Um.

Quando ele pousou no Havaí várias horas depois, Hegseth criticou Goldberg como um “suposto jornalista” e afirmou que “ninguém estava enviando mensagens de texto com planos de guerra, e isso é tudo que tenho a dizer sobre isso”.

Os tropeços de Hegseth começaram logo depois que ele foi empossado para liderar o Pentágono, em 25 de janeiro.

Em sua estreia no cenário mundial em meados de fevereiro, ele disse à Otan e aos ministros ucranianos que um retorno às fronteiras da Ucrânia pré-2014, antes da primeira invasão da Rússia, era “um objetivo irrealista” e descartou a filiação da Ucrânia à Otan. Algumas horas depois, Trump o apoiou ao anunciar um telefonema com o presidente Vladimir Putin, da Rússia, para iniciar as negociações de paz.

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No dia seguinte, enfrentando a reação negativa dos aliados europeus e do presidente Volodmir Zelenski, da Ucrânia, Hegseth negou que ele ou Trump tivessem abandonado a Ucrânia. “Não há traição aí”, disse Hegseth.

Não foi assim que até mesmo os apoiadores republicanos de Hegseth viram. “Ele cometeu um erro de novato em Bruxelas”, disse Wicker a respeito do comentário do secretário sobre as fronteiras da Ucrânia.

“Não sei quem escreveu o discurso — é o tipo de coisa que Tucker Carlson poderia ter escrito, e Carlson é um idiota”, disse Wicker, referindo-se ao conservador e ex-apresentador da Fox News.

Hegseth tentou se recuperar mais tarde naquela semana, dizendo que estava simplesmente tentando “introduzir realismo nas expectativas de nossos aliados da Otan”. Quanto território a Ucrânia pode ceder à Rússia seria decidido em negociações entre Trump e os presidentes dos países em guerra, disse ele.

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Na semana passada, Hegseth novamente se irritou com Wicker diante de relatos de que o governo Trump estaria planejando se retirar do comando militar da Otan e reduzir o número de tropas enviadas para o exterior, além de outras mudanças nos comandos de combate do exército.

Wicker e o representante Mike Rogers, republicano do Alabama e presidente do Comitê de Serviços Armados da Câmara, disseram em uma declaração que estavam preocupados com relatos de que o Departamento de Defesa poderia estar planejando mudanças “sem coordená-las com a Casa Branca e o Congresso”.

Outros sinais apontam para um Pentágono disfuncional sob a supervisão de Hegseth.

Na semana passada, o Departamento de Defesa removeu um artigo online a respeito do histórico militar de Jackie Robinson, que se tornou o primeiro negro americano a jogar na primeira divisão do beisebol, Major League Baseball, em 1947, após servir no Exército.

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O artigo — que reapareceu após o furor despertado — foi apenas um de uma série de páginas da web do governo com perfis de figuras negras que foram tiradas do ar sob os esforços do governo Trump para expurgar sites governamentais de referências à diversidade e inclusão.

Em resposta a perguntas sobre o artigo, John Ullyot, um porta-voz do Pentágono, disse em uma declaração que “A DEI está morta no Departamento de Defesa”, referindo-se aos esforços de diversidade, equidade e inclusão. Ele acrescentou que estava satisfeito com a “rápida conformidade” do departamento com uma diretiva ordenando que o conteúdo relacionado à diversidade fosse removido de todas as plataformas.

Ullyot foi removido de seu cargo logo depois.

Sean Parnell, o porta-voz chefe do Pentágono, disse em um vídeo que a triagem do conteúdo do Departamento de Defesa para “conteúdo DEI” era “um empreendimento incrivelmente importante”, mas ele reconheceu que erros foram cometidos.

A liderança do Pentágono sob Trump expressou seu desdém pelos esforços de décadas dos militares para diversificar suas fileiras. No mês passado, Hegseth disse que a “frase mais idiota da história militar é ‘nossa diversidade é nossa força’”.

Hegseth também foi duramente criticado pelo juiz federal que lida com um processo contra seus esforços para proibir tropas transgênero. “A proibição militar está banhada de animosidade e preconceito”, escreveu a juíza Ana C. Reyes do Tribunal Distrital dos EUA em Washington em uma decisão contundente na semana passada.

“Sua linguagem é descaradamente humilhante, sua política estigmatiza pessoas transgênero como inerentemente inaptas e suas conclusões não têm relação com os fatos”, ela escreveu em sua decisão de bloquear temporariamente a proibição. “Sério mesmo? Não se trata de observações improvisadas em um coquetel.”/TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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