Um provérbio árabe nos aconselha a, “antes de entrar, pensar em como sair” — o que está se provando dolorosamente verdadeiro para Israel na guerra em Gaza, onde o país não possui nenhuma estratégia coerente de saída.
Israel quer uma derrota decisiva do Hamas para evitar que o grupo volte a montar um ataque terrorista como o de 7 de outubro. Mas após três meses esse objetivo ainda permanece algo distante — com o Hamas escondido na cidade subterrânea debaixo de Gaza protegido por reféns israelenses e a comunidade internacional exigindo um cessar-fogo para salvar civis palestinos.
O governo Biden está tentando fazer com que Israel pegue um caminho de saída do conflito trabalhando juntamente com seus principais aliados árabes moderados. O secretário de Estado Antony Blinken está concluindo um giro pela região no qual ouviu promessas de apoio à reconstrução de Gaza no pós-guerra da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, da Jordânia e do Egito — sob a condição de que Israel concorde com a eventual criação do Estado palestino.
A rampa de saída está indicada claramente. Mas até aqui o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tem se recusado a firmar o comprometimento necessário a um Estado palestino. Portanto o desfecho arquitetado pelos Estados Unidos está estancado. Blinken cortejou e conquistou os árabes, mas parece incapaz de fazer Netanyahu ceder — a apreensão do primeiro-ministro reflete visões de muitos israelenses ainda traumatizados com o 7 de Outubro e que temem a soberania palestina.
O governo Biden, enquanto isso, continua trabalhando para evitar que a guerra em Gaza se amplie — o que também segue cada vez mais difícil. Biden & Cia. convenceram Israel a não atacar o Hezbollah no Líbano imediatamente após o 7 de Outubro. Mas os foguetes do Hezbollah transformaram o norte de Israel em uma região de cidades-fantasma, e as autoridades israelenses afirmam categoricamente que se o Hezbollah não criar uma zona-tampão ao longo da fronteira Israel montará um ataque total para fazer o grupo recuar.
A diplomacia liderada pelos EUA é capaz de evitar esse conflito maior? As autoridades americanas estão explorando todos os canais, com algum sucesso. O Hezbollah e seu patrono, o Irã, têm sinalizado por meio de intermediários desde outubro que não querem uma guerra em escala total.
Mas o Irã e seus aliados são adeptos de um jogo duplo. O Hezbollah diz que está pronto para negociações que resolvam as disputas na fronteira Líbano-Israel quando os combates em Gaza cessarem mas segue disparando foguetes contra o norte israelense. E os houthis, uma força apoiada pelos iranianos no Iêmen, têm disparado mísseis contra navios no Mar Vermelho — perturbando uma rota marítima global importante. Se esses ataques não cessarem, alertam autoridades, os EUA logo adotarão uma ação militar contra os houthis, e Israel eventualmente pulverizará o Hezbollah no Líbano.
No fim desse caminho obscuro existe um conflito que se fabrica há 45 anos, entre o Irã revolucionário e seus inimigos mortais, Israel e EUA. O governo iraniano provavelmente não quer essa briga, mas o sombrio Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica, que conduz operações secretas do Irã na região, pode querer.
Como a crise pode ser desativada antes de piorar? Israel deu um primeiro passo reduzindo suas operações militares em Gaza. Quando a retirada das tropas israelenses se concluírem, no fim deste mês ou início do próximo, pelo menos um quarto de sua força de invasão inicial deverá permanecer em Gaza. Os comandos israelenses imporiam um cerco aos túneis e atacariam combatentes do Hamas que tentassem escapar, mas evitariam os ataques de alta intensidade contra áreas civis que enfureceram a opinião pública global.
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Manter a ordem durante a retirada dos soldados israelenses será um pesadelo. Netanyahu não quer que a Autoridade Palestina controle Gaza depois da guerra, então seu governo considera um plano de permitir a líderes palestinos administrar serviços públicos distrito a distrito. Uma receita para o caos e a corrupção, como as “ligas de vilarejos” que Israel financiou na Cisjordânia nos anos 80. E já que esse sistema obstruiria um Estado palestino, as nações árabes provavelmente não cooperarão — deixando tanto Israel quanto Gaza no limbo.
Como os EUA e seus aliados serão capazes de encorajar os israelenses a abrir um caminho na direção de um Estado palestino que carrega desconfiança de tantos? Uma reforma verdadeira da Autoridade Palestina adoçaria, com um novo líder capaz de assumir o governo herdado do ineficaz presidente Mahmoud Abbas e um novo gabinete comprometido em combater corrupção e melhorar serviços.
O verdadeiro prêmio para Israel seria a normalização das relações com a Arábia Saudita, o país sunita mais rico e poderoso do mundo. Mohammed bin Salman comprometeu-se garantindo a Blinken que está está pronto para aceitar Israel abertamente — mas apenas se a guerra acabar e Israel aceitar um caminho para um Estado palestino. MBS, como é conhecido o príncipe-herdeiro, quer ser uma versão do século 21 do egípcio Anwar Sadat ao abrir relações com Israel. Mas não quer pagar o preço do descontentamento doméstico e eventual assassinato que Sadat pagou.
Conforme enfrenta dificuldades para conter a irradiação da guerra em Gaza, o governo Biden se depara com o mesmo paradoxo que assombra as políticas para o Oriente Médio há meio século: os EUA são o único poder externo forte o suficiente para moldar a região militarmente e politicamente; mas não podem impor soluções, especialmente sobre um aliado próximo como Israel.
Os EUA ainda são, apesar de todos os reveses, a “nação indispensável” no Oriente Médio. Mas também são prisioneiros de eventos que não conseguem controlar — acima de tudo, a eterna desconfiança e violência entre israelenses e palestinos. / TRADUÇÃO GUILHERME RUSSO
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