Como os oceanos viraram novos campos de batalha da tecnologia; leia o artigo da Economist

A Ucrânia repeliu a Frota Russa no Mar Negro; mas drones navais podem são ser suficientes para derrotar os russos

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Por The Economist

“Frotas maiores vencem”, afirma o almirante James Parkin, diretor de desenvolvimento da Marinha britânica. Dentre 28 batalhas navais, afirma ele, todas exceto uma foi vencida pela frota maior. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, no ano passado, os russos tinham cerca de 20 navios de guerra no Mar Negro.

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A Marinha ucraniana mal existia. No primeiro dia da guerra, os ucranianos afundaram a única fragata que possuíam — um cruzador enferrujado, da era soviética, no qual este correspondente embarcou a caminho de Odessa — para impedir que a embarcação caísse nas mãos dos russos. Mas a guerra no mar, assim como na terra, desmentiu expectativas. “Depois da guerra nós certamente escreveremos uma cartilha”, afirma o vice-almirante Oleksii Neizhpapa, comandante da Marinha ucraniana, “e a mandaremos para as academias militares da Otan”.

O ponto de inflexão ocorreu em 14 de abril de 2022, quando a Ucrânia afundou o cruzador russo Moskva, a maior perda naval desde a Guerra das Malvinas, em 1982. A Frota Russa no Mar Negro se afastou prontamente da costa e atualmente se localiza em posições entre 180 quilômetros e 280 quilômetros distantes da costa ucraniana, afirma o almirante Neizhpapa. Isso baixou a ameaça de um ataque anfíbio contra Odessa: obstáculos antitanques que bloqueavam estradas foram retirados, e soldados rumaram para outras partes do front — o que abriu caminho para o acordo de julho no qual a Rússia concordou em permitir que a Ucrânia continue importando grãos. Isso ajuda não apenas a Ucrânia, que tinha 70% das exportações anteriores à guerra atravessando o Mar Negro, mas também países importadores de grãos no Sul Global.

Um navio de carga navega seguido por um barco da Guarda Costeira ucraniana através da foz do rio Bystre, que conecta o Mar Negro e o Danúbio Foto: Guarda Costeira da Ucrânia/ Reuters

A operação que afundou o Moskva não teve nada de revolucionária. “Para mim, isso mostra a importância de se ter mísseis em terra para combater navios, minas submarinas e boa inteligência”, afirma Niklas Granholm, da Agência Sueca de Pesquisa em Defesa (FOI), “instalados simultaneamente em um conceito operacional coerente”. A sorte desempenhou um papel: condições atmosféricas podem ter permitido aos radares ucranianos enxergar excepcionalmente mais longe. Assim como a inépcia russa. Da mesma forma que suas massivas perdas de tanques se deveram a táticas ruins, não à mudança tecnológica que tornou sua blindagem obsoleta, portanto o caso do Moskva é uma lição sobre a importância de se fazer o básico corretamente.

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Ser atingido é uma coisa; não conseguir combater o incêndio subsequente é outra. “Controle de danos segue sendo uma métrica crítica à qual padrões navais profissionais devem atender”, conclui Alessio Patalano, da King’s College London. “No dia do afundamento, colegas do Exército me confrontaram: será mesmo este o fim do argumento pela construção de grandes navios de guerra?”, recorda-se o comandante da Marinha norueguesa, Rune Andersen. “Eu disse, ‘Não, é o fim da era dos navios com 40 anos de idade não modernizados sem tripulações treinadas’.” Uma embarcação de guerra mais nova, com melhores defesas antiaéreas e uma tripulação mais sagaz poderia ter resistido aos mísseis ucranianos.

A contenda naval encontra-se em um impasse. A Ucrânia conquistou um bloqueio do acesso marítimo nas proximidades de sua costa, impedindo os navios russos de se aproximar. Mas os aviões militares russos voam livremente, evitando que embarcações de guerra ucranianas deixem os portos. O resultado é uma “zona cinzenta” de 25 mil quilômetros quadrados no noroeste do Mar Negro, na qual nenhum dos lados pode “mover-se livremente”, afirma o almirante Neizhpapa.

A Frota Russa no Mar Negro se posiciona em relativa segurança, impondo um bloqueio distante e disparando com frequência mísseis de cruzeiro Kalibr contra a Ucrânia. Kiev tem dados de inteligência claros a respeito da movimentação da frota graças aos americanos e aos britânicos, que colocam o foco em dados produzidos por satélites e aeronaves de vigilância. Mas faltam aos ucranianos mísseis com alcance suficiente para atingir o que eles têm capacidade de enxergar. Isso os tem forçado a apelar para outros meios.

Uma característica impressionante desta guerra tem sido o uso da Ucrânia de embarcações de superfície não tripuladas (ESNTs), essencialmente drones navais, para atingir territórios controlados pelos russos. Os barcos não tripulados foram acionados em outubro e novembro, juntamente drones aéreos, para atacar Sevastopol, o quartel-general da Frota Russa no Mar Negro e o entreposto petrolífero de Novorossiisk, um porto russo. Outros ataques se seguiram, incluindo um tiro aparentemente bem-sucedido contra um barco-espião próximo ao Bósforo, em 24 de maio. Esses eventos reeditam uma longa tradição de guerra naval.

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Rebeldes houthi, apoiados pelo Irã, usaram uma ESNT para atacar uma fragata saudita em 2017. Os EUA testam barcos-drone desde os anos 40. Mas a eletrônica moderna, as ferramentas poderosas de inteligência artificial e as comunicações via satélite onipresentes — no caso da Ucrânia por meio da Starlink — tornaram possíveis ESNTs compactos, menos detectáveis por radares e que possuem capacidade de navegar longas distâncias e encontrar alvos. A Ucrânia não tem capacidade de enfrentar a Frota Russa no Mar Negro de igual para igual. Mas é capaz de danificar seus portos e prejudicar sua logística.

Marinheiro olha para o navio russo Moskva atracado no porto ucraniano de Sebastopol, no Mar Negro Foto: Stringer/Reuters

“Drones são elementos muito importantes da nossa guerra neste momento”, afirmou o almirante Neizhpapa. “A guerra do futuro será a guerra dos drones.” Ele acrescenta que a Ucrânia está aprendendo com a prática. “Nenhum outro país tem mais experiência no uso de drones navais.” Resta saber se isso será suficiente para romper o bloqueio russo. Um ataque contra Sevastopol em março parece ter sido repelido, com o uso de uma ESNT bloqueada por uma explosão e outros dois barcos-drone destruídos por fogo de metralhadoras. Nem todas as ESNT romperão linhas. Mas a tecnologia está se provando útil em outra frente, mais obscura, da guerra naval.

Gasodutos

Em 26 de setembro de 2022, explosões arrebentaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2, entre Rússia e Alemanha, no Mar Báltico. A responsabilidade pelos ataques segue desconhecida. Mas os incidentes sublinharam a vulnerabilidade da infraestrutura submarina a sabotagens. A vigilância da Rússia sobre tubulações e cabos submarinos remonta a décadas, é fornida de recursos e cresce em intensidade, de acordo com autoridades de segurança americanas e europeias.

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Em abril, um documentário escandinavo revelou detalhes a respeito de uma frota de embarcações russas disfarçadas de barcos de pesca ou pesquisa que opera no Mar do Norte. Um desses navios, o Almirante Vladimirski, foi detectado nas proximidades de sete fazendas eólicas nas águas das costas britânica e holandesa numa mesma viagem. Quando jornalistas se aproximaram, foram recebidos por homens armados e mascarados.

Proteger cada centímetro de cabos ou tubulações é impossível, reconhecem autoridades navais. Mas drones são parte da resposta. Após os ataques contra os gasodutos Nord Stream, os governos europeus quiseram se preparar para possíveis ameaças. O almirante Andersen afirma que a Noruega conversou com empresas privadas que trabalham em atividades no exterior como extração e processamento de petróleo e gás. “Nós descobrimos uma indústria com um enorme senso de responsabilidade e disposição para contribuir.”

Navios de guerra da Frota Russa do Mar Negro navegam enquanto participam de exercícios navais no Mar Negro Foto: Ministério de Defesa da Rússia / AP

Dentro de dias ele obteve 600 drones submarinos avançados, uns operados remotamente e outros autônomos. Trabalhando com Reino Unido, Dinamarca, Alemanha e Países Baixos, os equipamentos escanearam “cada centímetro” dos gasodutos instalados em 9 mil quilômetros quadrados de leito marinho, para depois monitorar cabos de energia e dados. O projeto mostrou como a tecnologia, que antes se movia do mundo militar para o civil, poderá agora mover-se na direção oposta. Em 15 de fevereiro, a Otan estabeleceu uma nova célula de coordenação submarina crucial para encorajar esse tipo de cooperação em defesa.

Agressões são outra questão. O paradoxo é que os países que ajudam a Ucrânia a construir esses sistemas — com frequência sob sigilo profundo — e fornecem a Kiev dados de inteligência necessários para usá-los com eficácia, como mapas atualizados de interferências russa nas comunicações, são, eles próprios, tolhidos em sua capacidade de desenvolver essas mesmas tecnologias domesticamente. “As coisas que uma empresa britânica financiada com dinheiro de contribuintes britânicos e consistente com interesses britânicos pode fazer na Ucrânia eu não posso fazer dentro do Reino Unido porque leis de tempos de paz as proíbem”, lamenta-se o almirante Parkin.

Autoridades marítimas europeias não querem barcos-drone perdendo o curso e acabando em águas civis. Isso evita que Marinhas realizem treinamentos e experimentos tão ousados quanto poderiam. Pobre do ambicioso almirante. “Estamos num instante em que embarcações de superfície não tripuladas são equivalentes a um farol vermelho diante de um carro de corrida.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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