Como Taiwan desenvolve drones de última geração em meio a temor de uma guerra com a China

O plano é inspirado no sucesso da Ucrânia no uso de drones em ataques contra a Rússia e conta com a experiência de ponta de Taiwan na produção de semicondutores

PUBLICIDADE

Por Luiz Henrique Gomes
Atualização:

Uma invasão da ilha de Taiwan pela China nunca pareceu tão perto de ocorrer. Em Pequim, Xi Jinping moderniza suas Forças Armadas. Do outro lado do Pacífico, os americanos estimam que uma ação armada pode ocorrer até 2025. E, em meio a essa crescente tensão, Taiwan trata de se proteger.

PUBLICIDADE

Na semana passada, o governo da ilha apresentou a um grupo de jornalistas internacionais novos modelos de drones militares, exibindo como preparam as suas defesas para caso sejam invadidos pela China. O plano é inspirado no sucesso da Ucrânia no uso de drones em ataques contra a Rússia e conta com a experiência de ponta de Taiwan na produção de semicondutores para controlar essas armas.

Os equipamentos foram desenvolvidos em meio à tensão crescente das relações políticas no Estreito de Taiwan nos últimos anos e acompanham os investimentos na área militar que acontecem em toda a região do Indo-Pacífico, incluindo a China.

O esforço da ilha autônoma de Taiwan em fortalecer a segurança começou em 2019, com a apresentação de diretrizes da presidente Tsai Ing-wen após o governo chinês de Xi Jinping – que reivindica a ilha como parte do país – propor o modelo “Um país, dois sistemas”, utilizado em Hong Kong e Macau, para integrá-la à República Popular da China. Após a guerra na Ucrânia, esse esforço se intensificou ainda mais, apesar do risco de um conflito não ser iminente por enquanto, na avaliação de especialistas.

Oito tipo de drones desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Chung-Shan foram apresentados aos jornalistas. Destes, cinco são modelos mostrados ao público pela primeira vez. Segundo o diretor da Divisão de Pesquisa de Sistemas Aeronáuticos do instituto, Eric Chi, os modelos apresentados apresentam funções de combate ou vigilância e foram projetados para serem utilizados por diferentes áreas das forças armadas de Taiwan.

Publicidade

A ilha deve produzir cerca de 3 mil drones em parcerias com empresas no próximo ano e deixa claro que a produção é “em resposta às novas tendências de guerra global”. “Nossos militares têm construído ativamente capacidades de guerra assimétrica (quando um dos lados em conflito tem superioridade militar evidente)”, disse Chi aos repórteres, segundo a CNN.

Os detalhes técnicos dos drones não foram revelados pelo instituto por questões de segurança, mas os equipamentos, que se caracterizam por serem controlados remotamente, foram construídos com a tecnologia de Taiwan, que possui os chips semicondutores mais avançados do mundo. Eles têm o objetivo de tornar as forças militares da ilha mais ágeis e difíceis de atacar, e a alta tecnologia taiwanesa é uma vantagem para o desenvolvimento de armas que diminuam a diferença bélica com a China.

Alguns dos drones exibidos têm capacidade de atacar outros veículos que estejam no céu; outros possuem capacidade de vigilância para rastrear navios de guerra, por exemplo. Essas duas características são respostas a táticas utilizadas no ano passado pela China, que enviou drones para áreas próximas da ilha e aumentou a atividade da marinha no Estreito de Taiwan após a visita da então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi. A visita foi vista por Pequim como provocação e violação da política internacional de “Uma só China”, que reconhece o governo de Pequim como único representante do país.

Para o analista David Sacks, do centro de estudos americano Conselho de Relações Exteriores, o desenvolvimento dos drones tem um papel crucial para Taiwan para a ilha se tornar menos dependente dos Estados Unidos na área militar em um momento em que a indústria de defesa americana está sobrecarregada por causa da guerra na Ucrânia. “Está muito difícil para nós (americanos) fornecer à Ucrânia o que ela precisa, fornecer aos militares dos EUA o que eles precisam e também garantir que Taiwan tenha o que eles precisam”, afirmou o analista.

Imagem mostra o modelo de drone Albatross II desenvolvido por Taiwan para conter ameaças da China, em imagem do dia 14 deste mês Foto: Chiang Ying-ying/AP

Além de ser o maior fornecedor de armas para Taiwan, os EUA também se comprometem desde 1954 em defender a ilha caso ela seja atacada por Pequim, que também investe em seu exército em um grande projeto de modernização exposto por Xi Jinping recentemente. Um eventual conflito no estreito, no entanto, demandaria questões logísticas difíceis para os americanos. “A realidade é que se uma guerra no Estreito de Taiwan começasse o reabastecimento (militar) de Taiwan seria muito mais difícil do que o reabastecimento da Ucrânia. Taiwan é uma ilha, enquanto a Ucrânia está cercada por países da Otan que fazem o transporte até suas fronteiras”, acrescentou Sacks.

Publicidade

Gastos militares e serviço militar obrigatório

Além do desenvolvimento de drones de vigilância e de ataque, outros movimentos de Taiwan para fortalecer as suas forças militares são o investimento militar, que resultou em um aumento de 13,9% no orçamento de defesa para este ano, e a extensão do serviço militar obrigatório, que vai passar de quatro meses para um ano a partir de 2024. Neste mês, o governo de Taiwan também obteve o aval do governo Biden para realizar uma compra de US$ 619 milhões (R$ 3,2 bilhões) em equipamentos militares, incluindo mísseis para os caças F-16.

A líder da ilha, Tsai Ing-wen, justificou as mudanças como inevitáveis para a manutenção da autonomia. “Enquanto Taiwan for suficientemente forte, Taiwan não se tornará um campo de batalha”, declarou no ano passado, durante o anúncio da extensão do serviço militar obrigatório.

Segundo o balanço militar Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o exército de Taiwan possui 169 mil soldados, contra 2 milhões da China. Apesar da diferença, David Sacks que a ilha pode ter condições de se defender numa eventual invasão, mas para isso precisa de uma população engajada em resistir. “A lição mais importante da guerra na Ucrânia para Taiwan é que a sua população precisa estar disposta a defendê-la”, avaliou Sacks.

Soldados do Exército de Taiwan caminham em Kinmen, em imagem de 23 de agosto de 2020. Serviço militar obrigatório foi aumentado para um ano no país Foto: Ann Wang/Reuters

“Taiwan não pode confiar apenas em seus militares. Ela tem uma população de 23 milhões e seu exército tem menos de 200 mil pessoas. Portanto, é necessária uma abordagem de toda a sociedade para defender a ilha”, acrescentou.

O que um conflito bélico com a China significaria para a sociedade de Taiwan e como ela responderia, no entanto, é desconhecido. Apesar das tensões políticas, a relação da ilha com o território continental chinês é forte, com grande fluxo econômico e de pessoas entre os dois lugares. “A elite econômica de Taiwan é muito consciente do que significaria uma guerra. A China é o maior importador de produtos da ilha e um conflito teria um impacto significativo”, avaliou o professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pesquisador da China, Marcos Cordeiro Pires.

Publicidade

Custos do conflito

Uma guerra no Estreito não teria um custo alto somente para Taiwan, mas também para a China. Além de importar produtos da ilha, principalmente semicondutores, necessários para a indústria de celulares, computadores e videogames, a China possui milhares de funcionários em empresas de Taiwan. A Foxconn, maior fabricante de computadores e componentes eletrônicos do mundo, é a empresa que mais gera emprego na China, atrás somente do Estado chinês.

Essa relação econômica continua a crescer. Segundo o Ministério das Finanças de Taiwan, a movimentação comercial com a China dobrou entre 2011 e 2021, passando de US$ 129,3 Bilhões para US$ 273 bilhões. “Entrar em guerra com parceiro comercial tão importante não é interessante para a China”, avalia Pires. “O Partido Comunista Chinês aprendeu muito com a União Soviética e uma das lições é que não vale a pena uma corrida armamentista”.

O governo de Pequim não esconde o desejo de dominar Taiwan, mas, segundo a análise de Pires, é pouco provável que faça isso através de uma invasão. Conforme foi estabelecido na Lei Antissecessão de 2005, a exceção seria se o governo da ilha proclamasse independência total – apesar de ser um território autônomo, Taipei ainda se considera parte da China por suas raízes históricas. Essa ideia, no entanto, parece remota por enquanto.

Imagem mostra soldado do Exército de Taiwan durante guarda na ilha de Jinmen, próxima à China, em imagem de 15 de julho de 1999. Relação entre os dois territórios acontecem, apesar das tensões políticas Foto: C.C. Yao/Reuters

A presidente Tsai Ing-wen, pró-independência, garante que o futuro da ilha, tanto a suposta unificação com a República Popular da China quanto a independência, passa pela decisão dos seus moradores. Segundo David Sacks, pesquisas divulgadas no ano passado indicam que a maioria dos taiwaneses são favoráveis ao status quo da ilha e apenas uma minoria quer a independência ou a unificação.

Para Sacks, a intimidação militar da China no Estreito de Taiwan tem mais a intenção de manter os taiwaneses afastados da ideia da independência. Por outro lado, também exibe força contra os EUA, que mantém uma relação influente no Indo-Pacífico e teme perder sua influência. “A China conduz operações contra Taiwan para minar a vontade do povo taiwanês e, essencialmente, convencê-los de que seu único futuro é a reunificação com o continente”, avaliou.

Publicidade

Em paralelo, Pequim também trabalha para expandir a sua influência internacional e fortalecer a política de “Uma só China”, obtendo o reconhecimento de que é a única representante do país e pressionando ainda mais o Taiwan para se reunificar. Em 1969, Taipei possuía 71 nações que a reconheciam como representante da China. Hoje, com a mudança recente de Honduras, esse número caiu para 13. “A China vê Taiwan como um processo de longo prazo. E, a menos que a ilha declare independência, eu não vejo um conflito acontecer”, declarou Marcos Cordeiro Pires.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.