Como Taiwan se prepara para uma guerra com a China e como seria o primeiro ataque

Ameaça viria pelo mar e pelo ar e, se Pequim invadir a ilha, nenhum ‘escudo’ será capaz de impedir, mas risco num futuro próximo é pequeno

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL A TAIPÉ - Um eventual ataque da China contra Taiwan ocorreria pelo ar e pelo mar. Envolveria, necessariamente, uma incursão aérea sobre a ilha e um bloqueio naval ao redor dela, além de guerra cibernética e interferência eletrônica.

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Esse é o cenário mais provável previsto por cinco pesquisadores em defesa, analistas de estratégia militar e políticos de alto escalão taiwaneses, ouvidos pelo Estadão, que não enxergam, porém, a deflagração de uma guerra em curto prazo.

Como Taiwan é uma potência na indústria crítica dos semicondutores, usados em caças, aviões comerciais, carros e celulares de última geração, entre outras aplicações, o impacto de uma guerra teria consequências globais. Estimativas de custos variam de US$ 2 trilhões a US$ 10 trilhões de dólares à economia mundial, com potencial envolvimento das duas maiores potências - China e Estados Unidos.

Corvetas equipadas com mísseis fazem demonstração de dissuasão, durante exercício de prontidão em Taiwan - 9 de janeiro de 2025 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

“Haverá tentativa de interferências não tradicionais, guerra eletrônica e cibernética que já estamos nos preparando. E de meios tradicionais, vamos ter seguramente uma invasão aérea e marítima”, desenha Tzu-Yun Su, do Instituto para Pesquisa em Defesa Nacional e Segurança de Taiwan (INDSR, na sigla em inglês). Su é diretor da Divisão de Estratégia e Recursos de Defesa desse think tank vinculado ao Ministério da Defesa Nacional.

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Su e outros especialistas do INDSR dizem que Taiwan tem de se aproveitar da característica geográfica a seu favor - o fato de ser uma ilha de topografia acidentada e não ter elo terrestre com o continente - para sua defesa e investir em capacidades assimétricas. A ilha convive com ações coercitivas diárias da China, muito mais poderosa militarmente, no seu entorno, no mar e nos céus, que demonstram o que esperar.

Com insuficiência de meios e de pessoal nas Forças Armadas, Taiwan iniciou uma ampla revisão de suas capacidades, aumentou a destinação de recursos, e fomentou a fabricação doméstica de aviões, embarcações e mísseis. No plano humano, concentrou esforços em criar uma mentalidade de defesa e treinamento até para civis e ampliar o período de recrutamento de soldados. Agora cogita até formar uma legião de estrangeiros.

Pilotos da Força Aérea de Taiwan realizam treinamento na Base Aérea de Ching Chuan Kang, com caças F-CK-1, em 7 de janeiro de 2025 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

No entanto, se a invasão chinesa ocorrer, dizem eles, nenhum “escudo” de silício será capaz de impedi-la. Para Jaushieh Joseph Wu, secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, a ideia de “proteção” derivada da alta produção de chips de última geração em Taiwan - responsável por 90% do abastecimento global - pode ser inútil diante do poderio militar chinês.

“Se a China quiser usar a força militar para ameaçar Taiwan, nenhum tipo de escudo será realmente útil”, disse o ex-chanceler Joseph Wu.

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Disputa territorial

Há sete décadas, Taiwan e China têm uma relação marcada pela disputa de soberania. Após a guerra civil, em 1949, o governo da então República da China, liderado pelo nacionalista Chiang Kai-shek e seu partido Kuomintang (KMT), se refugiou em Taiwan. Os comunistas, vitoriosos, estabeleceram a República Popular da China no continente, comandados por Mao Tsé-tung.

A China considera Taiwan uma província rebelde que deve ser reunificada, preferencialmente, por meios pacíficos, mas jamais descartou o uso da força. A reivindicação tem raízes na origem dos povos e no período em que a ilha, após disputas coloniais, fez parte do Império chinês, até ser perdida para o Japão, em 1895, e devolvida para a República da China, em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial. Pequim já propôs o exemplo o “Um país, dois sistemas”, modelo de autonomia relativa utilizado em Hong Kong e Macau. Segundo a proposta, o sistema capitalista existente e o modo de vida em Taiwan permaneceriam inalterados por um longo período de tempo. Mas Taipé rejeitou. Taiwan quer manter sua atual distância e independência de Pequim, embora sem amplo respaldo internacional - fruto da pressão diplomática e econômica comunista pelo reconhecimento de que existe “uma só China”.

O presidente de Taiwan, Lai Ching-te, conversa com militares da Força Aérea e da Marinha que protegeram as linhas de frente durante exercícios do Exército de Libertação Popular, da China, em 18 de outubro de 2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

Taipé afirma que o Partido Comunista Chinês jamais controlou seu território. A ilha vive sob governo próprio, com poderes constituídos, eleições democráticas, Constituição, moeda local e Forças Armadas. As autoridades locais consideram que o território é um país soberano “de fato” e prometem “resistir à anexação”.

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Sob a liderança do presidente Xi Jinping, a China recrudesceu a pressão sobre Taiwan em busca da reunificação territorial, especialmente após 2021, ano do centenário do PCC e durante as comemorações da Revolução Chinesa de 1911, que pôs fim à dinastia Qing. Xi reafirmou o desejo de reunificação e ameaçou um “fim amargo” para quem tentasse dividir o país. “Nós, chineses, de ambos os lados do Estreito de Taiwan, pertencemos à mesma família. Ninguém jamais poderá impedir a reunificação da China, uma tendência dos tempos”, afirmou Xi Jinping, no mais recente discurso de Ano Novo.

O presidente taiwanês reagiu. Lai Ching-te, conhecido como William Lai, afirmou no discurso de Ano Novo que a China era um dos “regimes autoritários” a ameaçar a ordem internacional baseada em regras e a estabilidade na região do Indo-Pacífico e no mundo.

Xi Jinping diz que reunificação é 'tendência dos tempos', em discurso de ano novo Foto: Ju Peng/AP

“Paz e estabilidade no Estreito de Taiwan são componentes essenciais para a segurança e prosperidade globais. Taiwan precisa se preparar para o perigo em tempos de paz. Devemos continuar aumentando nosso orçamento de defesa nacional, reforçar nossas capacidades de defesa nacional e mostrar nossa determinação em proteger nosso país”, disse o presidente. “Quanto mais segura Taiwan, mais seguro o mundo. Quanto mais resiliente Taiwan, mais sólida a defesa da democracia global.”

Lai foi eleito há um ano, em 13 de janeiro de 2024, com a promessa de manter o status-quo e, na avaliação de diplomatas de seu governo, com discurso mais duro em relação à China do que sua antecessora, Tsai Ing-Wen, de quem era vice-presidente. Por causa do tom mais beligerante, que incomoda o continente, foi classificado como “separatista perigoso” por Pequim.

Lai defendeu quatro princípios para manter o atual grau de autonomia da ilha: sistema constitucional livre e democrático; Taiwan e China não devem estar subordinadas entre si; resistir à usurpação da soberania de Taiwan; futuro de Taiwan deve ser decidido seguindo a vontade do povo taiwanês.

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Soldados participam de exercício de operações conjuntas norturno das Forças Armadas de Taiwan - 15/12/2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

Manobras

Como esperado por autoridades de Taipé, após a posse de Lai em maio do ano passado, houve um aumento da pressão e das manobras militares de “zona cinzenta” no estreito, as maiores já realizadas. São exercícios que ficam muito próximos do que se considera uma guerra, mas sem cruzar a linha vermelha. O acosso é descrito como “incessante” pelas autoridades taiwanesas. Pequim as anunciou como “castigo” por “atos separatistas”.

Desde 2020, diariamente o Ministério da Defesa Nacional de Taiwan monitora e reporta a intrusão de aeronaves chinesas na sua zona de identificação de defesa aérea e a aproximação de embarcações oficiais do Exército de Libertação Popular (PLA) ou da Guarda Costeira da China (GCC).

Com frequência, bombardeiros, drones armados, caças J-16, helicópteros, aeronaves de vigilância e até balões, além de navios de guerra, como fragatas e corvetas, promovem cercos e as “patrulhas de combate” conjuntas, de prontidão. Eventualmente, há disparos de mísseis e exercícios com fogo real. O objetivo é acumular experiência e exibir poder de combate.

No ano passado, além de manobras diárias, a China conduziu dois grandes exercícios, batizados de “Espada Conjunta”, em maio e outubro. Eles envolveram até 153 aeronaves em um único dia, sendo que 111 cruzaram a “linha mediana” do estreito, e até 46 embarcações, entre navios oficiais, da Marinha e da Guarda Costeira chinesas. Em dezembro outro ensaio de grande dimensão se repetiu, após o presidente Lai visitar ilhas norte-americanas, na região do Havaí.

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Parte dessas embarcações entrou em águas restritas de ilhas controladas por Taiwan - o que já ocorreu nessas manobras ao redor das ilhas mais próximas da costa chinesa, como Kinmen, Matsu e Dongyin, que distam poucos quilômetros da China continental - e estariam mais vulneráveis. A tomada delas é factível, e as tropas de Taipé já realizaram no ano passado simulacros para reagir a esse cenário.

Há temor com a capacidade de autodefesa dessas ilhas. Mas Tzu-Yun Su, especialista na geopolítica do Indo-Pacífico, aponta que a tomada dessa cadeia de ilhas menores do arquipélago taiwanês é um “dilema” para Pequim. Isso porque a China argumenta que Taiwan é um assunto de política doméstica e lhe pertence. “Se eles invadissem essas ilhas, na prática, é como se eles reconhecessem a independência de Taiwan”, argumenta Su.

Como esperado pelos especialistas, a China vem tentando demonstrar força e ensaiar um cerco a Taiwan por meio do Mar do Sul da China, Mar da China Oriental, ligados pelo Estreito de Taiwan, e do Mar das Filipinas. O centro de estudos Center for Strategic and International Studies (CSIS) já examinou a alternativa de um cerco marítimo para impor um embargo econômico à ilha, controlando o acesso aos portos e as trocas comerciais, por meio de agências não militares, como a a GCC.

Soldados do Exército de Taiwan treinam em novo centro destinado a parquedistas e forças especiais - 22 de dezembro de 2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

Custo de trilhões

Autoridades do governo e acadêmicos entendem que a China não vai atacar de imediato, ao menos por enquanto. Ou seja, a guerra não seria tão iminente, nem seria a primeira opção de Pequim, por causa dos altos custos à economia, no momento em que ainda demonstra debilidades pós-pandemia e enfrenta problemas nos setores financeiro e imobiliário, crucial para sua desaceleração.

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Diferentes projeções tentam estimar o que poderia ocorrer nos mercados e no comércio internacional. Há um ano, a Bloomberg Economics estimou o custo em cerca de US$ 10 trilhões, 10% do PIB global.

No fim de 2022, a Rhodium Group, consultoria americana independente especializada em China, afirmou que “bem mais de US$ 2 trilhões” estariam em risco, em um cenário de bloqueio ao redor de Taiwan, sem considerar as respostas internacionais, como sanções e socorro militar.

“As interrupções seriam sentidas imediatamente e seriam difíceis de reverter. Elas impactariam o comércio e o investimento em escala global, deixando poucos países intocados”. Somente na indústria de chips, segue a Rhodium, as empresas poderiam perder US$ 1,6 trilhão em receita anualmente no caso de um bloqueio, em estimativa conservadora que leva em conta a dependência da produção na ilha.

Apesar das tensões, China e Taiwan são parceiros econômicos próximos, em comércio, investimentos e negócios de taiwaneses no continente, turismo e laços culturais e familiares históricos, dos dois lados do estreito. A China é o maior parceiro comercial de Taiwan, respondendo por cerca de 25% da balança, à frete dos Estados Unidos e do Japão. Em 2023, Taiwan teve superávit: exportou US$ 95 bilhões para a China continental e importou US$ 70,2 bilhões em mercadorias.

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“Quando a guerra irrompe, o impacto no mundo é enorme, não afeta apenas Taiwan, mas também a própria China e além, afetará outros países do mundo. É por isso que todos estamos pensando em como evitar que a guerra estoure”, disse o ex-ministro Wu.

Para ele, cada vez mais países tentam dissuadir a China da ideia de usar a força para conquistar Taipé, por causa do potencial impacto econômico ampliado para muito além da região.

“A guerra na Ucrânia teve um impacto global, causou problemas energéticos e alimentares. Pode-se imaginar que, se Taiwan se envolver em uma guerra, as perdas seriam várias vezes maiores do que as da guerra na Ucrânia”, prevê Wu.

O ex-chanceler e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional de Taiwan, Joseph Wu Foto: Felipe Frazão/Estadão

Para ele, a China não deseja invadir, mas forçar uma anexação, chamada por Xi Jinping de reunificação nacional, por meio da pressão e do convencimento. Para isso, realiza campanhas constantes de desinformação, desestabilização e propaganda. Envia patrulhas da guarda costeira e também barcos de pesca clandestina por todos os lados da ilha, exemplificam os especialistas.

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Um dos cenários de guerra psicológica é que a China use cada vez mais essas embarcações para atos de sabotagem: danificar propositadamente cabos submarinos de telecomunicações através do estreito, que tem profundidade média de 70 metros, prejudicando a conectividade de internet no arquipélago. Isso ocorreu dois anos atrás nas ilhas Matsu. E, na primeira semana deste mês, um novo rompimento ocorreu num cabo internacional ao norte de Taiwan, e um segundo cargueiro suspeito foi afastado pela guarda costeira.

“Acreditamos que a China pode não ter chegado ainda ao ponto de usar a força, porque eles seguem o antigo filósofo militar Sun Tzu, e a primeira regra da arte da guerra é subjugar o inimigo sem lutar, isto é, evitar a guerra. Por isso, aumentaram a pressão na esperança de que Taiwan ceda”, afirma o conselheiro nacional de Segurança Wu. “Taiwan deve lidar com a guerra híbrida da China contra a sociedade taiwanesa, como ataques cibernéticos, propaganda, guerra política e infiltração na sociedade taiwanesa.”

Para o ex-ministro, não há dúvidas de que a China se fortaleceu militarmente, mas ainda não há clareza de que tenham a intenção de usar a força contra Taiwan. “Do ponto de vista chinês, o que mais interessa é a unificação pacífica porque na realidade o custo para uma guerra ou para a reconstrução pós-guerra é demasiadamente alto para eles”, afirma Shan-Son Kung, pesquisador associado do INDSR.

Kung afirma que a percepção de que a China não vai invadir por enquanto é reforçada em discursos políticos dos chineses e nos diálogos entre políticos dos lados, já que continuam a se referir à “unificação pacífica”. Quando essa expressão sai do discurso oficial, aumentam os rumores de que Pequim possa mudar de ideia e optar pela via da força. “Nos últimos anos, seguimos vendo essas duas palavras escritas ou verbalizadas”, destacou o pesquisador, focado em Política Chinesa, Conceitos Militares e de Combate.

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“A história da guerra mostra que há dois mil anos os invasores só invadem quando estão seguros de que podem obter vantagens”, reforça Su.

Os pesquisadores do INDSR, think tank vinculado ao Ministério da Defesa Nacional, em Taiwan: Shan-Son Kung, Tzu-Yun Su, Tzu-li Wu e Hsing-Biao Jiang (da esquerda para a direita) Foto: Felipe Frazão/Estadão

2027

A data de uma eventual invasão chinesa em Taiwan também é incerta. Em 2021, o então ministro da Defesa taiwanês Chiu Kuo-cheng classificou as tensões como as mais graves em 40 anos, por causa das encenações militares promovidas pelas forças armadas de Pequim no entorno de Taiwan. Elas somente se agravaram desde então. Na ocasião, o ex-ministro afirmou que a China já possuía capacidade e poderia planejar uma invasão de grande escala em 2025.

Existem diferentes datas em discussão sobre quando a China de fato invadiria Taiwan. Há quem avalie nos meios militares dos Estados Unidos que a preparação seja para a próxima década, a partir de 2030. Mas o momento em discussão agora é o ano de 2027. Isso se deve a uma combinação de fatores, explica Kung: “A data vem do cruzamento da preparação militar doméstica encomendada por Xi Jinping e por razões políticas porque é quando Xi poderá conquistar um eventual quarto mandato, um momento-chave”.

Além da conclusão do atual terceiro mandato de Xi Jinping (de cinco anos) e de sua possível reeleição, o líder chinês instruiu que Exército de Libertação Popular se prepare e se modernize até 2027, adquirindo capacidades para atacar Taiwan. A informação foi difundida pela inteligência dos Estados Unidos. Washington também pondera, no entanto, que a ação militar pode ficar para depois e que a decisão não foi tomada ainda.

“Indiscutivelmente eles têm aumentando capacidades e precisamos entender motivações e intenções. Mas no momento não vemos de imediato que eles tenham que invadir com as Forças Armadas”, resumiu Wu. “Temos de evitar o pior.”

O processo de fabricação de chips em unidade da TSMC, em Taiwan Foto: Divulgação/Taiwan Semiconductor Manufacturing Co Ltd

Preparação

A despeito da visão menos alarmista, o governo democrático da ilha de Taiwan monitora e analisa os desdobramentos militares de Pequim continuamente, a fim de antever cenários.

A cada quatro anos, o Ministério da Defesa Nacional revisa o documento que guia o desenvolvimento e investimentos de suas Forças Armadas. A nova edição do Quadrienial Defense Review será publicada neste ano - a última versão é de 2021.

A ordem é aprimorar as capacidades de defesa em Taiwan, reforçar meios e pessoal. O governo da última presidente Tsai, também do Partido Democrático Progressista (DPP) iniciou uma ampla revisão de programas estratégicos para obter novos armamentos e até do recrutamento.

O atual presidente Lai propôs aumentar o Orçamento de Defesa para US$ 20 bilhões de dólares, neste ano, um recorde, e pode ser ainda mais pressionado pelo retorno ao poder de Donald Trump.

Os EUA sustentam há décadas a política de ambiguidade estratégica: reconhecem e mantêm laços diplomáticos apenas com a China e não apoiam a independência de Taipé, tampouco qualquer mudança unilateral no status quo. O relacionamento não oficial de Washington com Taiwan prevê suporte para garantir meios de autodefesa.

No entanto, Trump não quis se comprometer quando questionado durante e após a campanha eleitoral se protegeria a ilha. Trump respondeu que a ilha precisaria “pagar” por isso e afirmou esperar que Xi Jinping, com quem tem conversado por telefone, não ordene uma invasão. “Taiwan... eles roubaram nosso negócio de chips... E agora querem proteção”, disse Trump em um podcast veiculado em outubro.

El presidente electo, Donald Trump, habla con reporteros tras reunirse con líderes republicanos en el Capitolio, el viernes 8 de enero de 2025, en Washington. (AP Foto/Jose Luis Magana) Foto: Jose Luis Magana/AP

Os Estados Unidos são, historicamente, os principais fornecedores de material e equipamento militar para Taipé. O presidente Joe Biden acelerou a remessa de ajuda no fim de seu mandato - mas parte é compra de equipamentos.

Em abril, o congresso dos EUA aprovou um pacote emergencial de ajuda financeira que incluía US$ 2 bilhões para o programa de financiamento militar estrangeiro, na região do Indo-Pacífico, direcionados inclusive a Taipé, e mais U$ 1,9 bilhão para reposição de artigos de defesa.

Na virada do ano passado, Biden autorizou uma despesa US$571 milhões em apoio direto militar a Taiwan, na forma de equipamentos, serviços e treinamento, enquanto o governo autorizou vendas de equipamentos estimados em mais US$265 milhões. Houve protestos da China.

A diplomacia comunista acusou interferência em assuntos internos e disse que Taiwan é uma “linha vermelha” que não deve ser ultrapassada. Em resposta, a China sancionou sete empresas acusadas de colaborar para independência de Taiwan: Hudson Technologies, Raytheon Canada, Raytheon Australia, Saronic Technologies, Alcon, Insitu e International Marine Engineering.

O parlamento taiwanês controlado pela oposição apresentou emendas com um corte de 28% ao Orçamento proposto por Lai, o que teria consequências negativas “severas”, segundo o Ministério da Defesa.

A redução impactaria a prontidão, com indisponibilidade de armas, munição e combustível, impediria a compra e modernização de armamentos e poderia atrasar ou levar ao cancelamento de encomendas militares, por dificuldades de pagamento, e impedir o desenvolvimento doméstico de equipamentos e tecnologias de defesa. Seria ainda um “golpe no moral e complicaria o recrutamento” por frustrar ainda a melhoria do soldo, planejada para tornar mais atrativa aos jovens a carreira militar nas Forças Armadas.

“Os militares da ROC não seriam capazes de responder efetivamente aos navios e aeronaves do PLA circulando Taiwan”, diz um comunicado. A redução nos gastos “pode fazer com que a comunidade internacional nos perceba como carentes de determinação para nos defender contra ameaças hostis”. “Tal caso levantaria a questão de quem, na comunidade internacional, estaria disposto a vir em nosso auxílio se fôssemos invadidos”, disse o ministério.

Forças Armadas de Taiwan realizam exercício com drones e tiro real mísseis com novo sistema móvel M41A7 TOW - 26 de agosto de 2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

Drones, mísseis e minas

As Forças Armadas focam em reforçar as capacidades assimétricas, com uso de drones, mísseis, minas e submarinos, alertam os especialistas. Isso porque um confronto com a China ocorreria com enorme discrepância de poder bélico. Pequim tem 2 milhões de soldados ativos e supera Taipé em todos os cenários de viaturas, blindados, aeronaves e embarcações, tem um orçamento dez vezes maior: US$ 230 bilhões.

Localizada a uma distância média de 180 quilômetros da China, através do estreito, Taiwan poderia ser alcançada por um disparo de míssil balístico chinês em 8 minutos, a depender do modelo e do local de disparo, segundo os especialistas do INDSR. O tempo de resposta também varia, mas a artilharia taiwanesa pode responder em apenas 60 segundos, com um arsenal de mísseis importados e domésticos.

Todas as 12 bases aéreas e as seis bases marítimas das Forças Armadas são mantidas sob proteção do complexo de defesa antiaérea, formado por sistemas de mísseis.

Os parques científicos, que abrigam clusters de empresas ligadas ao setor de semicondutores e alta tecnologia, fazem parte dos planos de segurança estratégica da Polícia e das Forças Armadas.

Entre as práticas recorrentes do calendário, estão simulações militares anuais, de diferentes proporções e cenários, como dia e noite. Alguns recentes envolveram simulacros para reagir à captura de ilhas periféricas, a um bloqueio naval, ao desembarque de tropas inimigas anfíbias em praias da ilha principal e à tomada do Aeroporto Internacional de Taoyuan, o maior de Taipé, pelo exército chinês, o PLA.

Nas simulações da presidência taiwanesa, a China contaria com apoio de Irã, Coreia do Norte e Rússia.

Taiwan também observa os preparativos de outros países como Japão, Filipinas, Austrália, Inglaterra e Estados Unidos, que tentam dissuadir a China por meio de grandes exercícios conjuntos no Pacífico, que chegam a envolver 16 mil militares.

Os Estados Unidos saíram em defesa de Taiwan, reforçaram a cooperação militar e o treinamento, e voltaram a fazer movimentos no Mar da China, com passagem de navios de combate pelo estreito. No fim do governo Joe Biden, Taiwan também recebeu reforço orçamentário e liberação de vendas de armamentos.

Forças Armadas de Taiwan realizam exercício com drones e tiro real mísseis com novo sistema móvel M41A7 TOW - 26 de agosto de 2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

Embate assimétrico

Para repelir uma potencial invasão, as Forças Armadas de Taiwan planejam aprimorar sua capacidade de mobilidade, dispersão, ocultação em combate, com comando redundante e descentralizado. Também pretendem estender o espaço de defesa para desdobramento geral no Indo-Pacífico.

“Durante a fase mais vulnerável de travessia do estreito pelo inimigo, auxiliada pelas vantagens geográficas do Estreito de Taiwan, reduzirá ainda mais a força do inimigo atacando-o com navios de alta performance ‘móveis, de longo alcance, precisão’, lançadores de mísseis antinavio móveis e veículos não tripulados”, diz um documento do ministério. “Para compensar a insuficiente defesa em profundidade, baseando-se nas capacidades estabelecidas de defesa litorânea e costeira, as Forças Armadas adquiriram ativamente armas ‘móveis, pequenas, portáteis e habilitadas para IA’, drones e sistemas de contramedida para drones, para melhorar rapidamente capacidades assimétricas dissuasórias e críticas”.

Eles também pretendem usar fatores naturais, como as montanhas, como forma de defesa. “Também construirá capacidade de contraofensiva em camadas com obstáculos costeiros e usará geografia, terreno, características, ambiente urbano, edifícios e medidas de proteção de infraestrutura crítica militar dentro de áreas de defesa tática para aumentar as linhas de defesa e fazer falhar a tentativa de invasão inimiga”, afirma o planejamento taiwanês.

Blindados participam de exercício de operações conjuntas das Forças Armadas de Taiwan - 15/12/2024 Foto: Divulgação/Ministério da Defesa Nacional de Taiwan

O repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Taiwan