SAINT PAUL (EUA) - Quase dois mil quilômetros separam a cidade onde o estudante americano Wes Samuelson cresceu – Rock Springs, no estado de Wyoming – e a que lhe deu acesso à terapia hormonal e à cirurgia que aproximou suas características físicas à sua identidade de gênero. Samuelson mora hoje em Duluth, um município em Minnesota, Estado do candidato democrata à vice-presidência, Tim Walz.
Há pouco mais de um ano, Minnesota começou a ser chamada parte dos americanos como “Estado refúgio para transgêneros”, após parlamentares aprovarem – com o endosso de Walz – uma lei que protege o acesso a terapias de afirmação de gênero para menores de idade. A decisão dos parlamentares foi na contramão do que vem sendo observado em outros estados nos últimos dois anos. Flórida, Texas, Wyoming e South Dakota estão entre os 26 estados que proibiram tratamentos do tipo para crianças e jovens.
Segundo estudo do Williams Institute, 280,3 mil adolescentes transgêneros americanos vivem em Estados que baniram algum tratamento ou que estão com projetos de lei semelhante em tramitação. Há ainda em discussão projetos para ampliar a idade mínima para realizar os tratamentos de 18 para 21 anos, além de medidas que impediriam enfermeiros (hoje autorizados) de realizar visitas de acompanhamento a pessoas trans.
Samuelson não é adolescente – tem 32 anos –, mas diz que vinha tendo dificuldade para encontrar em Wyoming um médico que receitasse os hormônios que precisava. Chegou em Minnesota antes mesmo de os tratamentos serem proibidos em seu estado. “Vim atraído porque pensei: ‘quero estar onde o governador se preocupa com a população. E isso foi meio que a razão que me trouxe para Minnesota’.”
De acordo com dados do OutFront Minnesota, organização que defende direitos LGBTQIA+, ao menos 250 famílias de diferentes Estados se mudaram para Minnesota para que adolescentes tivessem acesso a tratamentos hormonais. “E acreditamos que esse número esteja subestimado,” diz a diretora executiva da organização, Kat Rohn. “Achamos que provavelmente há cerca de 1.000 famílias que se mudaram para o estado.”
Tim Walz foi escolhido pela candidata democrata à Casa Branca, Kamala Harris, por ser alguém que supostamente poderia atrair o eleitorado de regiões rurais, majoritariamente branco e mais conservador. Isso aconteceria devido ao fato de o governador de Minnesota ter feito parte da Guarda Nacional e ter sido representante de um condado rural do estado no Congresso.
Há, no entanto, uma certa descrença de que ele conseguirá cumprir essa tarefa justamente por ter se tornado uma figura mais progressista nos últimos dois anos – período em que os democratas conseguiram a maioria nas duas casas legislativas de Minnesota. No último governo Walz, o estado foi transformado em um “refúgio para transgêneros”, garantiu o direito ao aborto e o fornecimento de refeições escolares gratuitas e universais par estudantes, além de lançar metas para que a eletricidade seja 100% limpa até 2040.
Samuelson, por outro lado, diz que as políticas progressistas defendidas pelo governador devem fazer com que um maior número de pessoas alinhadas a elas saia de casa para votar. “Conheci pessoas que não votaram em outros democratas no passado porque achavam que eles não eram progressistas o suficiente. Eles não sentiam que faria diferença, parecia que eram dois lados da mesma moeda. Sinto que Kamala Harris e Tim Walz finalmente representam uma versão do que as pessoas queriam há muito tempo, algo muito diferente.” Para ele, os eleitores rurais já estão com seu voto definido e dificilmente votariam em Kamala.
Diretora executiva da organização OutFront Minnesota, que defende diretos LGBTQIA+, Kat Rohn afirma que republicanos estão usando a questão do acesso a tratamento para transgêneras para atacar a candidatura democrata. Na televisão e nas redes sociais, circulam notícias falsas de que Walz assinou um projeto de lei que permite que pais de transgêneros percam a guarda no caso de a criança ou o adolescente querer receber o tratamento e os genitores serem contra.
“Quando vimos a questão dos transgêneros surgindo no cenário nacional com a nomeação de Walz como candidato a vice-presidente, as pessoas tentaram atacá-lo por isso, porque é um tema polarizado”, diz Rohn. Na visão dela, porém, os americanos não vão votar por causa das políticas de defesa dos direitos das pessoas trans. " A maioria dos eleitores se preocupa com economia, preço dos alimentos ou segurança. Eles não pensam muito nas questões de transgêneros como ponto central de decisão de voto.”
Membro do conselho municipal de Minneapolis (cidade em Minnesota), Andrea Jenkins – uma mulher transgênero – também acha que o tema não deve afetar o resultado da eleição. “Esse assunto não interessa às pessoas. Interessa aos transgêneros e a quem os ama.”
Saiba mais
Ela destaca não acreditar que as políticas progressistas de Walz farão os democratas perder votos. “Quem não gosta desse tipo de política não votaria para Kamala de qualquer modo.”
A repórter viajou como bolsista do World Press Institute (WPI)
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