(THE WASHINGTON POST) – Quando ventilou-se no segundo trimestre de 2018 que Michael Cohen, o ex-advogado de longa data de Donald Trump, estava se preparando para virar a casaca contra o ex-chefe e dar um depoimento potencialmente prejudicial para ele a procuradores federais, Cohen recebeu um e-mail.
“Você é ‘amado’”, dizia o texto, que parecia repetir comentários do ex-advogado de Trump Rudy Giuliani e foi citado pelo relatório de 2019 do conselheiro-especial do Departamento de Justiça Robert Mueller III. “Durma bem esta noite (…) você tem amigos poderosos.”
Foi uma das várias ocasiões em que mensagens com bajulações em troca do apoio mescladas a uma certa intimidação tácita foram entregues a testemunhas potencialmente importantes para Mueller.
E a mensagem foi marcadamente similar às comunicações que, segundo a deputada federal Liz Cheney (republicana do Wyoming) afirmou na terça-feira, têm recebido testemunhas que falaram à comissão da Câmara dos Deputados que investiga o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos.
Evidências que constam de investigações estaduais, federais e parlamentares apontam para um padrão similar: Trump e seus aliados mais próximos despejam privadamente elogios e atenção a potenciais testemunhas, insinuando vagas garantias de que permanecer leal a Trump é melhor do que atrapalhar seu caminho.
Enquanto isso, Trump detona publicamente qualquer um que testemunha contra ele em termos brutalmente pessoais, oferecendo um exemplo claro a todos sobre as consequências de sair da linha.
“Donald Trump nunca muda sua cartilha”, afirmou Cohen em entrevista. “Ele se comporta como um chefão mafioso, e essas mensagens são projetadas nesse estilo. Dando ordens sem dar ordens. Nenhuma impressão digital na cena do crime.”
Um porta-voz de Trump não respondeu a um pedido de comentário.
Na audiência da terça-feira, Cheney relatou que os membros da comissão perguntaram a todas as testemunhas conectadas com o governo ou a campanha de Trump se elas foram procuradas por ex-colegas ou outras pessoas que tenham “tentado influenciar ou impactar seu depoimento”.
Cheney descreveu duas respostas que, segundo ela, levantaram “preocupação significativa”.
Uma testemunha, afirmou Cheney, disse à comissão que recebeu telefonemas indicando que Trump lê as transcrições dos depoimentos e “para eu ter isso em mente” durante os questionamentos da comissão.
“O que eles me dizem é que, enquanto eu continuar a jogar a favor do time, eles saberão que estou no time certo. Estarei fazendo a coisa certa. Estarei protegendo quem preciso proteger. E continuarei sob as graças do Mundo de Trump”, afirmou Cheney, que atua como vice-presidente da comissão, relatando o que a testemunha falou.
Cheney descreveu outro telefonema recebido por uma testemunha. “(Certa pessoa) me contou que você vai depor amanhã. Ele quer que eu lhe diga que ele está pensando em você. Ele sabe que você é leal e que você vai fazer o que é certo quando chegar a sua vez de depor”, afirmou a deputada, citando a testemunha.
Cheney não identificou as testemunhas que foram abordadas. Mas uma fonte familiar com os trâmites da comissão afirmou que ambas as falas são de Cassidy Hutchinson, de 25 anos, ex-assessora de Mark Meadows, ex-chefe de gabinete de Trump. Seu explosivo depoimento, na terça-feira, relatando que Trump sabia que os insurgentes estavam armados quando insistiu a eles que marchassem ao Capitólio, tornou-se um momento emblemático da investigação da comissão.
Cheney também não afirmou quem transmitiu as mensagens, o que dificulta atribuí-las a pessoas especialmente próximas a Trump ou extremistas agindo provavelmente por conta própria. Ela também não indicou se a comissão tem acesso a mensagens de texto ou e-mails que possam fornecer confirmação por escrito.
Mas ela disse pensar que “a maioria dos americanos sabe que tentar influenciar testemunhas para depor falsamente implica em várias consequências graves” e afirmou que o comitê está considerando cuidadosamente a maneira que vai responder.
As mensagens recebidas por testemunhas da comissão parlamentar seriam ilegais caso tenham sido projetadas para influenciar seu depoimento, afirmou Timothy Belevetz, ex-procurador federal e advogado da firma Ice Miller. Ele disse que leis federais dão conta de tentativas de influenciar depoimentos ao Congresso. É ilegal ameaçar testemunhas caso elas não deponham de determinada maneira — assim como prometer recompensa caso deponham conforme lhe recomendam.
“É necessário constatar conclusivamente sua intenção. Essas pessoas fazem essas afirmações com intenção de influenciar a testemunha?”, disse ele. Independentemente, afirmou ele: “Isso é extremamente constrangedor”.
Foram alegações de interferência em um depoimento ao Congresso que fizeram Roger Stone, ex-conselheiro de Trump, ser acusado de influenciar uma testemunha em 2019. Procuradores afirmaram que Stone insistiu repetidamente para o apresentador de rádio Randy Credico não depor ao Congresso ou invocar seus direitos decorrentes da 5.ª Emenda relativos a autoincriminação na investigação sobre a Rússia. Em certo ponto, eles afirmaram que Stone ameaçou o cachorro de Credico. Stone acabou condenado pela acusação, assim como por mentir ao Congresso, mas foi perdoado por Trump em 23 de dezembro de 2020 — pouco antes da insurreição no Capitólio.
De acordo com Mueller, Cohen recusou-se por algum tempo a se afastar da órbita de Trump, em parte porque pensava que suas despesas de advogado seriam cobertas pela Trump Organization.
De maneira similar, até aproximadamente um mês antes de seu depoimento, Hutchinson era representada pelo advogado Stefan Passantino, que trabalhou na Casa Branca de Trump, e não pagaria pelo serviço, afirmaram fontes familiarizadas com a situação.
Registros mostram que Passantino recebeu pagamentos de grupos relacionados a Trump, incluindo o comitê de ação política (PAC) de Trump, desde que ele deixou a presidência. Matt Schlapp, aliado de Trump, também ajudou a orquestrar um fundo de defesa para conselheiros de Trump chamado Fundo da 1.ª Emenda.
Hutchinson cortou vínculos com Passantino após ele sugerir que ela não deveria testemunhar publicamente após a conclusão de 20 horas de depoimentos privados, afirmou uma pessoa que conversou com ela. A fonte, como outras ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato para discutir assuntos sensíveis. Passantino representa várias testemunhas, incluindo outras que estão colaborando com a comissão. Ele se recusou a conversar com a reportagem.
Hutchinson agora é representada por Jody Hunt, que atuou como autoridade do Departamento de Justiça durante o governo de Trump.
Hunt não respondeu a pedidos de comentários na quinta-feira.
Trump também tem mantido ex-assessores atrelados à sua órbita por meio de promessas de emprego e contribuições para causas políticas que eles defendem. Apesar de ser relutante em gastar o dinheiro de seu comitê de ação política, às vezes resistindo a sugestões de assessores até mesmo para gastos menores, no ano passado seu PAC Save America mandou US$ 1 milhão para o Conservative Partnership Institute, um grupo sem fins lucrativos que tem Meadows como parceiro-sênior.
A doação ocorreu cerca de um mês depois da formação da comissão parlamentar. Ainda que assessores de Trump tenham insistido que a doação não implica em nenhum tipo de troca ou compensação, Trump tem se mostrado inclinado a manter Meadows próximo, mesmo que se irrite com ele em certas ocasiões, afirmam pessoas familiarizadas com a situação.
Outras figuras que cumpriam funções cruciais na Casa Branca durante o 6 de Janeiro foram empregadas pelo PAC de Trump, incluindo Molly Michael, que cuidava de sua agenda e atuava como sua principal assistente; Stephen Miller, seu redator de discursos e conselheiro; e Dan Scavino, seu assessor para redes sociais.
Trump recebeu Peter Navarro em Mar-a-Lago e permanece em contato com Stephen Bannon. Navarro e Bannon recusaram-se a depor e foram acusados de desacato ao Congresso.
“Quando você fala publicamente contra Trump, um exército do MAGA sai atrás de você”, afirmou Alyssa Farah, ex-autoridade da Casa Branca e amiga de Hutchinson, que pediu demissão depois da eleição de novembro de 2020 e tem criticado Trump desde então. “Eles tentam colocar sob suspeita seu caráter, seu profissionalismo — é um vale-tudo.”
Farah afirmou que Cassidy “sabia quando decidiu depor que seria atacada injustamente, isso tem evitado que pessoas com muito mais idade que ela testemunhem. Mas ainda assim, ela se apresentou para ajudar seu país”.
Farah, de acordo com uma fonte familiar com o assunto, indicou advogados alternativos para Hutchinson antes dela mudar de representante e a encorajou agressivamente a dar as caras em público.
Mas talvez a ferramenta mais eficiente de Trump para manter leais possíveis testemunhas seja o poder de seu megafone. Trump tem despejado elogios de maneira incansável sobre assessores que se recusam a criticá-lo publicamente — ao mesmo tempo em que distribui insultos profundamente pessoais sobre aqueles que concordam em depor contra ele.
Quando você fala publicamente contra Trump, um exército do MAGA sai atrás de você
Alyssa Farah, ex-autoridade da Casa Branca
Enquanto Hutchinson dava seu depoimento, na terça-feira, Trump postou ataques cada vez mais exaltados contra ela em sua plataforma de rede social, a Truth Social. Ele perdeu a linha durante uma lamentável entrevista ao Newsmax que foi ao ar na quinta-feira, durante a qual classificou Hutchinson como “totalmente desacreditada”, “doidona” e uma “alpinista social” com “graves problemas mentais”.
“Há algo de errado com ela?”, perguntou Trump. “A mulher vive em um mundo de fantasia.”
Na mesma entrevista, Trump elogiou seu ex-chefe de gabinete Tony Ornato e o agente do Serviço Secreto Bobby Engel. Há relatos de que ambos estão dispostos a depor afirmando que Trump não tentou agarrar o volante de seu SUV nem avançou contra Engel após escutar, depois de seu discurso na Elipse, em 6 de janeiro de 2021, que não era possível levá-lo em segurança ao Capitólio e que, em vez de rumar para lá, ele seria levado de volta à Casa Branca. Em seu depoimento, Hutchinson afirmou que Ornato relatou-lhe naquele mesmo dia, na Casa Branca, a altercação dentro do veículo.
“São sujeitos ótimos, e acho que eles foram muito constrangidos por isso, porque isso os faz parecer pessoas terríveis”, afirmou Trump. “Foi muito legal eles terem acudido em minha defesa.”
Cohen afirmou que a retórica de Trump — o então presidente o chamou de “traíra” e uma “pessoa baixa” — é extraordinariamente significativa para seus apoiadores. Tudo o que Trump fala, eles repetem.
“Não há maneira de descrever adequadamente em palavras o sentimento que toma todo o seu ser quando o (ex-)presidente dos EUA coloca você na mira”, afirmou Cohen.
Os membros da comissão temeram tanto pela segurança de Hutchinson que o recinto da audiência foi vasculhado antes de seu depoimento, na terça-feira, para garantir que não havia nenhuma bomba no local, afirmou um funcionário, e ela compareceu ao depoimento acompanhada de agentes de segurança.
No caso de Cohen, sua ruptura com Trump ocorreu apenas depois de meses de súplicas de seu ex-chefe e aliados.
Depois da casa e do escritório de Cohen sofrerem uma batida do FBI, em abril de 2018, ele disse a investigadores que recebeu um telefonema de um aliado de Trump afirmando que estava com “o chefe” em Mar-a-Lago e que Trump “te ama”. Ele afirmou que outra pessoa associada à empresa de Trump disse-lhe “o chefe te ama” e um terceiro interlocutor, amigo do ex-presidente, afirmou, “todo mundo sabe que o chefe te garante”.
Quando Michael Flynn, ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, considerava se declarar culpado e cooperar com Mueller, no ano anterior, o advogado dele recebeu uma mensagem de voz de um advogado de Trump pedindo que “ele se lembre do que sempre falamos sobre o (ex-)presidente e seus sentimentos em relação a Flynn — que continuam os mesmos.”
Por fim, Cohen admitiu culpa por uma série de crimes, incluindo uma violação no financiamento da campanha, por pagar US$ 130 mil pelo silêncio da atriz pornô Stormy Daniels, pagamento que ele diz ter realizado por ordem de Trump.
Cohen colaborou com os procuradores, depôs publicamente ao Congresso (prevendo em 2019 que, se Trump perdesse a reeleição, “jamais haveria uma transição pacífica de poder”) e passou pouco mais de um ano na prisão. Flynn concordou inicialmente em se declarar culpado por mentir ao FBI sobre contatos com o embaixador russo — mas depois buscou retirar sua declaração e adotou a linha de Trump, de que a investigação era ilegal. Antes de deixar a presidência, Trump emitiu um perdão para Flynn. Mas jamais perdoou Cohen. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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