THE NEW YORK TIMES - Ao longo da última década, pelo menos, governos europeus vêm tentando resistir a operações de influência secreta de adversários como Rússia e China.
Agora eles têm um desafio muito diferente: repelir os esforços abertos do movimento MAGA de Elon Musk e Donald Trump para tomar território, expulsar líderes eleitos e fortalecer causas e partidos de extrema direita.
Mesmo antes de retornar à presidência, Trump tem feito ameaças — talvez sérias, talvez não — de adquirir território de aliados da Otan, como Canadá e Dinamarca. E Musk, o maior apoiador financeiro do presidente eleito, está usando sua plataforma de rede social X para trazer o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) para o mainstream e difamar líderes do Partido Trabalhista britânico, de centro-esquerda.
Não está claro se o sistema imunológico político da Europa tem os anticorpos para se defender contra essas novas incursões.
Não é a primeira vez que um aliado de Trump tenta construir uma ponte com a extrema direita europeia. Em 2018 e 2019, Stephen Bannon, conselheiro de Trump, reuniu-se com políticos de extrema direita de toda a Europa. Mas o cenário político atual é muito diferente. Os governos da Alemanha e da França entraram em colapso; partidos de extrema direita estão em ascensão nesses países e já estão no poder em várias outras nações do continente.
Uma alta autoridade do primeiro governo Trump, que está na fila para uma função ainda mais graduada no segundo, foi direta em sua avaliação: a Europa, disse ele, não tem ideia do que está por vir.
Musk gastou US$ 250 milhões de sua fortuna de US$ 400 bilhões para ajudar Donald Trump a se reeleger. Não há dúvida de que ele exerceu tamanha influência na política dos EUA em razão de sua própria notoriedade e por ser dono do X, a rede social anteriormente conhecida como Twitter.
Musk fez campanha agressivamente contra Kamala Harris (em um ocasião compartilhando um vídeo falso dela afirmando ser “contratada pela diversidade” e que não tinha “nenhuma ideia sobre sobre como governar o país”) e entrevistou Trump ao vivo na plataforma. Agora Musk está implementando uma cartilha semelhante na Europa.
No Reino Unido, Musk reviveu o escândalo das “gangues de aliciamento”, de uma década, revelado enquanto o primeiro-ministro Keir Starmer — cujo Partido Trabalhista, de centro-esquerda está no poder — era chefe do Ministério Público.
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Atiçando chamas acesas pelos meios de comunicação de direita, Musk classificou Starmer como uma pessoa “completamente desprezível” e disse que ele deveria estar “na prisão”. Na semana passada, Musk pediu aos seus 212 milhões de seguidores que votassem sobre os Estados Unidos deverem ou não “libertar o povo britânico de seu governo tirânico”.
De acordo com relatos dos meios de imprensa britânicos, Musk também está considerando doar US$ 100 milhões ao partido Reform UK, de extrema direita, o que seria a maior doação política do país. O líder da legenda, Nigel Farage, um dos principais ativistas pró-Brexit, encontrou-se várias vezes com Trump, mais recentemente no mês passado, em Mar-a-Lago.
“O MAGA odeia Starmer”, disse ao Times a ex-autoridade do governo Trump. Ele falou sob condição de anonimato para transmitir opiniões francas, enquanto é considerado para integrar o segundo governo Trump.
“O MAGA ama Meloni”, acrescentou, referindo-se à primeira-ministra de direita da Itália, Giorgia Meloni, “contanto que ela cumpra suas metas de deportação”.
A SpaceX, de Musk, também está em negociações com o governo de Meloni para fornecer comunicações militares seguras por meio da Starlink, sua rede de satélites. Em uma entrevista coletiva, na semana passada, Meloni descreveu Musk como uma “pessoa muito rica que está expressando suas opiniões”.
Na Alemanha, que realizará eleições federais antecipadas no mês que vem, Musk está encorajando os eleitores a votarem no partido de extrema direita AfD, oferecendo uma legitimidade há muito tempo negada a um partido vigiado pelo serviço de inteligência doméstica da Alemanha em razão de suas ligações com neonazistas.
Em um artigo de opinião para um grande jornal alemão publicado em 28 de dezembro, Musk qualificou o AfD como a última “centelha de esperança” para a Alemanha. O país, disse ele, está “oscilando à beira do colapso econômico e cultural”.
Na quinta-feira, Musk transmitiu ao vivo uma conversa de 75 minutos com Alice Weidel, a candidata do AfD a chanceler, no X, dando-lhe a mesma plataforma que deu a Trump cinco meses antes.
Desde que Musk manifestou apoio ao AfD pela primeira vez, em dezembro, as postagens de Weidel no X têm viralizado rotineiramente, em parte porque Musk as retransmite, juntamente com vários perfis neonazistas que foram restabelecidos e amplificados. Pesquisadores que analisam o ambiente online afirmam que influenciadores alemães de extrema direita passaram a postar em inglês no X para chamar a atenção de Musk.
Os alemães não votarão no AfD só porque um bilionário americano lhes pede. Mas a rede social é uma ferramenta capaz de transformar a opinião pública, inserindo no mainstream ao longo do tempo ideias anteriormente consideradas extremistas.
O que manteve o AfD fora do poder, apesar de o partido ter se tornado o segundo mais popular do país, é um tabu nacional contra trabalhar com a extrema direita. A memória de Hitler, que formou uma coalizão com conservadores de centro, até agora tem mantido essa barreira no lugar.
“A barreira entre o AfD e a Casa Branca oficialmente acabou, e isso faz o impedimento alemão parecer frívolo”, disse-se o colíder do AfD, Tino Chrupalla. “Musk está nos normalizando.”
Campanhas de influência dos EUA no exterior não são novidade. Durante a Guerra Fria, Washington deu seu apoio a nações e partidos amigos, intervindo — às vezes agressivamente — em países vistos como adversários ideológicos.
Mas agora o movimento MAGA parece estar intencionalmente semeando discórdia entre os aliados dos EUA. Isso é desorientador para os europeus, que cresceram assimilando lições americanas sobre democracia após a 2.ª Guerra.
“Não consigo me lembrar de um caso comparável de interferência eleitoral de um país amigo na história das democracias ocidentais”, disse Friedrich Merz, líder e candidato a chanceler dos democrata-cristãos, de centro-direita. Seu partido lidera as pesquisas, mas precisará de um parceiro de coalizão para formar governo.
Os EUA seguem sendo os principais garantidores da segurança europeia, conforme demonstra a guerra na Ucrânia. Também são o maior mercado de exportação da Europa, o que torna a perspectiva de tarifas uma ameaça poderosa para as economias europeias. E a Europa não tem empresas de tecnologia que se comparem às que emergem no Vale do Silício, incluindo a plataforma X, de Musk, e sua empresa de satélites, a Space X.
A dependência da Europa em relação à energia russa dificulta há muito tempo a resposta do continente às ingerências do Kremlin. Mas a dependência é muito maior em relação aos EUA.
Acrescente a isso o fato de que a interferência americana não é secreta, ocorre publicamente, o que torna dificulta muito mais a reação.
Campanhas de influência funcionam melhor quando exploram queixas existentes. Assim como nos EUA, a confiança dos europeus nas instituições caiu após a crise financeira de 2008 e a pandemia. Os eleitores ficaram mais hostis à imigração e mais preocupados com o custo de vida e a economia. Há uma sensação crescente de que os líderes centristas da esquerda e da direita os decepcionaram nessas questões.
Milhões de pessoas na Europa sentem raiva do establishment, disse o escritor e comentarista conservador Matthew Goodwin. “Isso não é orquestrado por Trump e Musk.”
“Musk não criou o AfD”, acrescentou Goodwin. “Ele estar chamando a atenção ajuda o AfD, mas o motor por trás disso são as escolhas políticas feitas na última década.”
As provocações de Musk na Europa podem ter como objetivo engendrar o maior caos possível, em vez de sucessos eleitorais. No Reino Unido, Musk criticou duramente Nigel Farage, o líder do partido Reform UK, de extrema direita, depois que Farage se recusou a endossar a exigência de Musk de que um agitador de extrema direita fosse libertado da prisão.
“Tanto o Kremlin quanto as forças em torno do campo libertário-autoritário ao redor de Musk querem semear o caos na Europa e se livrar das elites democráticas progressistas”, disse Thorsten Benner, diretor do Instituto Global de Políticas Públicas, em Berlim, ao jornal alemão Die Zeit. “Temos de nos armar contra isso. Mas o maior perigo para as nossas democracias não vem de fora, vem de dentro. Quem disputa eleições deve se concentrar nos problemas que preocupam os eleitores.”
Níveis semelhantes de lutas internas e caos também existem dentro do movimento MAGA mais amplo. Nos EUA, há sinais de que indivíduos no alto escalão anti-imigração linha-dura de Trump estão se cansando de Musk, especialmente após uma discussão sobre o país dever ou não ampliar a concessão de vistos de trabalho para imigrantes altamente qualificados. Em uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, no domingo, Bannon classificou Musk como uma pessoa “verdadeiramente maligna” e prometeu “derrubar esse cara”.
Seja qual for o impacto direto da interferência americana no mapa político da Europa nos próximos anos, Trump está determinado a impor suas prioridades na Europa, não importando quem estiver no governo.
“No fim das contas, Trump será muito mais agressivo com a Europa em termos de defender intransigentemente a posição dos EUA, de modo que não importa quem está no comando”, disse a ex-autoridade de Trump. “O principal é os EUA em Primeiro Lugar. Todo o resto não passa de distração. Trump usará a força dos EUA para conseguir o que quer.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO