Como um reality show criou a falsa imagem de sucesso de Donald Trump que ele usa na política

Os bastidores de como os produtores de “O Aprendiz” criaram uma versão televisiva de Trump - comedido, atencioso e bilionário - que o catapultou até a Casa Branca

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Por Susanne Craig (The New York Times) e Russ Buettner (The New York Times)

No final do verão de 2003, uma equipe de produtores de televisão saiu do elevador no 26º andar da Trump Tower ansiosos para inspecionar o cenário de seu próximo reality show. Depois de anos filmando “Survivor” em selvas ao redor do mundo, treinando câmeras em aranhas exóticas e cobras mortais para dar o ar de perigo necessário ao reality, eles foram em busca de um conjunto diferente de pistas sensoriais, os pequenos detalhes que transmitiriam riqueza e poder.

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Eles perceberam imediatamente que tinham um problema. A primeira coisa que notaram foi o fedor, um odor de carpete mofado que os seguia como uma nuvem invisível. Então, eles avistaram dezenas de lascas no acabamento das mesas e aparadores de madeira. A decoração parecia muito desatualizada, fazendo o espaço parecer uma cápsula do tempo de quando Donald Trump abriu o prédio no início de sua primeira ascensão à fama.

O lugar também não estava exatamente cheio de energia. Menos de 50 pessoas trabalhavam na sede da Trump Organization, no centro de Manhattan. No centro espiritual do escritório, a mesa do próprio Donald Trump não tinha nenhuma evidência de trabalho, nenhuma tela de computador ou pilhas de contratos e projetos, apenas um cobertor de artigos de notícias focados em um assunto: ele mesmo.

Donald Trump em comício de campanha em Las Vegas, no dia 13 de setembro. Em novo livro sobre sua vida, dois repórteres do The New York Times revelam como o programa "O Aprendiz" criou uma imagem de sucesso do candidato à presidência dos Estados Unidos.  Foto: Doug Mills/NYT

“Quando você entra no escritório e ouve ‘bilionário’, até mesmo ‘bilionário em recuperação’, você não espera ver móveis lascados, não espera sentir o cheiro de carpete que precisa ser renovado da pior maneira possível”, lembrou Bill Pruitt, um dos produtores do programa.

Aquele programa, “O Aprendiz”, seria, em sua essência, um game show, com um emprego neste escritório como prêmio máximo. Mas esse prêmio, em um sentido literal, era uma droga. Fazer os espectadores acreditarem no conceito central - que os recém-formados das melhores universidades dos Estados Unidos iriam se humilhar ansiosamente por uma chance de aprender ao lado deste ícone do sucesso - testaria os limites da mágica dos reality shows.

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“A coisa toda era absurda para todos nós”, lembrou outro produtor, Alan Blum.

Este relato dos primeiros anos de Trump em “O Aprendiz” e do dinheiro que ele ganhou com o programa foi extraído do recém-lançado “Lucky Loser: How Donald Trump Squandered His Father’s Fortune and Created the Illusion of Success (O perdedor sortudo: como Donald Trump desperdiçou a fortuna de seu pai e criou a ilusão de sucesso, em livre tradução)”, livro de autoria de Buettner e Craig.

A obra é baseada em dezenas de entrevistas ao longo de vários anos, registros internos confidenciais do programa e décadas de registros financeiros e fiscais da família Trump que a dupla obteve durante uma outra reportagem investigativa anterior para o The New York Times. Trump, atualmente concorrendo à presidência pela terceira vez, não respondeu aos convites para ser entrevistado nem para o livro nem para esta reportagem.

A visita ao escritório naquele dia capturou apenas parcialmente as dificuldades que Trump enfrentava na época. Mais de uma década depois que seus empréstimos para abrir um império de cassinos, construir um ônibus aéreo e um hotel de luxo o levaram à beira do colapso financeiro , Trump novamente enfrentou a falência iminente desses cassinos, em Atlantic City . Seus esforços após a demolição dos cassinos para expandir a propriedade de campos de golfe encontraram obstáculos em conselhos de zoneamento e, mesmo quando ele rompeu com os reguladores, seus campos não produziram lucros significativos. Uma torre planejada na cidade de Chicago permaneceu paralisada.

Trump nunca retornou à sua glória alcançada no fim dos anos 1980, quando construiu um conglomerado de negócios duvidosos nas costas dos bancos a partir de empréstimos feitos, sem que ninguém soubesse na época, a partir da riqueza de seu pai. Os credores eventualmente o forçaram a devolver quase tudo, e ele colocou seus cassinos e um hotel em falências para escapar de outras dívidas.

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Na frente das câmeras

Quando começou a interpretar um magnata rico na televisão, Trump secretamente colocou um plano em ação para explorar a fortuna de seu pai novamente. Embora tenha passado a vida negando que essa fortuna existisse, ridicularizando seu pai como um sujeito pequeno para fazer suas próprias realizações parecerem mais heroicas, nascer rico foi o primeiro golpe de sorte de sua vida muito sortuda.

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Trump teve principalmente sorte por ter sido descoberto, aos 57 anos, por Mark Burnett, então o maior dos realitys na época em que o gênero liderava em audiência. Com dois programas inovadores e de sucesso em seu currículo - “Eco Challenge” e “Survivor” - Burnett era o queridinho dos executivos da NBC, que estavam famintos por sua próxima criação. Sua empresa, uma uma produtora com uma equipe de talentos, cuidaria dos lados criativo e comercial do novo show. Trump precisaria apenas interpretar uma versão refeita de si mesmo.

A equipe de Burnett havia contatado vários magnatas (Jack Welch, Warren Buffett e Richard Branson) que não precisariam de uma transformação de reputação. Mas os produtores concluíram que esses homens não tinham tempo nem o carisma necessário. Para o bem ou para o mal, Trump, há muito tempo um famoso conhecido dos tabloides da cidade de Nova York, atraiu olhares e nunca se esquivaria de uma câmera. (Mark Burnett não respondeu aos convites para ser entrevistado.)

Trump durante a apresentação de "O Aprendiz", da NBC.  Foto: Douglas Gorenstein/NBC

“O Aprendiz” seguiria o mesmo formato de “Survivor“. Os competidores seriam divididos em dois times e competiriam em um desafio diferente a cada semana. No final de um episódio, o time perdedor se encontraria com Trump, que depois de debater o que provocou a perda da tarefa entre os competidores olharia para um e diria o que se tornaria sua frase de assinatura, “Você está demitido!”. Os dois últimos competidores restantes competiriam no final de temporada por um estágio de um ano - com um salário pago pela rede - na Trump Organization.

Se tudo isso funcionaria era uma questão em aberto. Não deixar os espectadores verem, ou sentirem o cheiro, do escritório mofado de Trump seria a parte fácil. Os produtores também precisariam inventar uma nova versão do magnata que não existisse de fato - comedido, atencioso e infinitamente rico - uma reabilitação completa de sua imagem pública. Na pesquisa Gallup mais recente, que mediu a reputação de Trump antes do programa, 98% dos entrevistados sabiam seu nome, mas 58% o viam de forma desfavorável.

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“Nosso trabalho era fazê-lo parecer legítimo, fazê-lo parecer que havia algo por trás disso, mesmo que praticamente todos soubéssemos que não havia - mas esse era nosso trabalho”, lembrou Jonathon Braun, um produtor do programa. “Não estávamos fazendo um documentário”, ele acrescentou. “Era um programa de entretenimento do horário nobre.”

E esse programa criou uma improvável estrela de reality show, cujo apelo misterioso, porém inegável, aos espectadores acabaria encontrando seu maior palco na campanha presidencial.

Transformando Trump em realeza

As filmagens de Donald Trump começaram em um dia com muitos ventos no telhado da Trump Tower. Enquanto a equipe de produção de Mark Burnett se amontoava em torno de monitores e câmeras, e Trump esperava sua deixa, um helicóptero carregando um cinegrafista pairava perto deles. O plano exigia uma tomada para dar um zoom bem próximo de Trump e então fazer uma panorâmica para fazê-lo parecer o “Rei de Nova York”. Enquanto o helicóptero se aproximava, ex-presidente dos EUA gritou de repente para um dos produtores.

“Kevin! Meu cabelo está OK?”

O produtor, Kevin Harris, virou-se para ver que o vento e as hélices do helicóptero tinham levantado o cabelo de Trump, que parecia uma panqueca de algodão-doce flutuando sobre sua cabeça. O produtor rapidamente percebeu que se ele contasse a verdade a Trump, toda a filmagem seria perdida para a vaidade.

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“Sim, parece ótimo!”, gritou Harris em meio ao barulho, sabendo que as rajadas de vento diminuiriam e o cabelo de Trump pousaria em segurança.

Trump, em comício em Las Vegas, reclamou sobre o debate e repetiu fake news que circulam nas redes sociais de direita.  Foto: (Doug Mills/The New York Times)

Eles filmaram várias tomadas para ter certeza. Mais tarde naquele dia, a equipe revisou os resultados em um escritório de produção. “Quando a fita entrou e isso aconteceu, a sala inteira caiu na gargalhada”, lembrou o produtor

Foi então que Harris, agora responsável pelo programa da Fox “The Masked Singer” e que continua gostando de Trump, percebeu que proteger sua estrela do constrangimento exigiria vigilância.

Após semanas de filmagens e mais semanas de edição, a equipe do programa concluiu o vídeo final buscando refazer a imagem de Donald Trump. Intitulado “Conheça o bilionário”, a sequência abriu com uma montagem aérea característica de Burnett, levando os espectadores a voar sobre o porto de Nova York, passando pela Estátua da Liberdade e pelo horizonte de Manhattan com uma narração de Trump sobre a cidade.

“Mas se você trabalhar duro, você pode realmente fazer sucesso”, dizia Trump, enquanto a câmera passava por Seven Springs, uma propriedade ao norte da cidade que ele havia comprado anteriormente com um plano ainda parado de construir um campo de golfe no local.

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A tela se encheu de brilhantes luzes de neon do lado de fora do cassino Trump Taj Mahal em Atlantic City, parte da empresa de cassino que nunca havia dado lucro e estava perto de falir novamente. Enquanto Trump mencionava as palavras “marca da mais alta qualidade”, a tela se encheu de imagens do Trump Ice, uma água engarrafada que fracassaria como negócio, e do Trump Place, um prédio de apartamentos com o nome de Trump que havia sido financiado e controlado por outras pessoas; a principal contribuição de Trump no negócio foi o uso de seu sobrenome.

Empresário inaugurou o Resort e Cassino Trump Taj Mahal, em abril de 1990, que contou com um show de fogos de artifício, em Atlantic City, e foi utilizado como filmagens no material de lançamento de "O Aprendiz".  Foto: AP Photo/Chaarles Rex Arbogast

“Mas nem sempre foi tão fácil”, continuou a narração. “Cerca de 13 anos atrás, eu estava seriamente em apuros. Eu tinha bilhões de dólares em dívidas. Mas eu lutei e venci. Eu usei meu cérebro. Eu usei minhas habilidades de negociação e resolvi tudo. Agora minha empresa é maior do que nunca. Está mais forte do que nunca. E estou me divertindo mais do que nunca. Eu dominei a arte do acordo e transformei o nome Trump na marca da mais alta qualidade.”

Trump não mencionou que ele tinha acabado de convencer seus irmãos a vender as dezenas de prédios que seu falecido pai havia deixado para eles em fundos fiduciários, uma traição aos desejos de Fred Trump de manter seu império na família. Donald Trump, quatro anos após a morte de seu pai, orquestrou a venda privada por US$ 738 milhões. Era um número enorme. Mas os bancos dos compradores avaliaram os prédios em cerca de US$ 975 milhões, levantando uma questão sobre a alegação de Trump de ter dominado a arte do negócio. No entanto, a parte de Trump nos lucros, após cobrir pequenas hipotecas, totalizaria apenas US$ 177,3 milhões.

Para terminar de criar a versão televisiva de Trump, Mark Burnett alugou um espaço vago no quarto andar da Trump Tower, concordando em pagar à sua estrela cerca de US$ 440 mil por ano por ele, mostraram os registros fiscais de Burnett. O diretor também contratou uma cenógrafa que havia trabalhado por cinco temporadas em “Survivor”, encarregando-a de criar uma sala de reuniões adequadamente impressionante, junto com apartamentos para os concorrentes.

Variações do vídeo de apresentação “Meet the Billionaire” seriam exibidas na abertura do programa toda semana, fortalecendo o rebranding de Trump por meio da repetição. Cerca de 18 meses depois, uma pesquisa da Gallup descobriu que metade dos americanos tinha uma visão favorável de Donald Trump.

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“Nós o fazíamos parecer realeza em quase todas as oportunidades”, disse um produtor. “Nossa missão era garantir que todos que assistissem entendessem que trabalhar para ele seria um grande negócio.”

As virtudes da imprevisibilidade

David Gould parecia perplexo. Trump, durante o primeiro episódio de “O Aprendiz”, tinha acabado de pedir aos concorrentes da equipe perdedora para nomearem o pior integrante da equipe. Todos disseram Sam Solovey, exceto Solovey, que disse que David Gould era o pior. Os concorrentes lutaram para ganhar mais dinheiro vendendo limonada nas ruas de Manhattan. Sam Solovey decidiu que sua estratégia ousada seria vender um copo de limonada por US$ 1.000. Ele falhou. Trump disse a ele para “ter cuidado” porque “você é um homem selvagem”.

Tudo isso soou como se David Gould estivesse seguro. Mas então Trump se virou para ele e proferiu as palavras que se tornariam seu cartão de visita: “Você está demitido”.

Trump cercado por agentes do Serviço Secreto dos EUA enquanto é ajudado a sair do palco em um comício de campanha em Butler, Pensilvânia, após um atentado. Foto: Gene J. Puskar/AP

Os produtores, observando na sala de controle sem janelas adjacente à sala de reuniões falsa, ficaram chocados. David Gould era um médico com um MBA que estava trabalhando com venture capital; os produtores achavam que ele ficaria no programa por muito tempo. Mas o momento também trouxe um arrepio de excitação.

“Naquele momento, soubemos que tínhamos um show, porque não era isso que você esperava”, lembrou Katherine Walker, uma das produtoras.

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A imprevisibilidade de Trump, um vício nos negócios, provou ser uma virtude neste novo cenário. As propensões por trás de seus piores fracassos - encerrar discussões complicadas, ignorar material escrito, acreditar em sua própria superioridade genética - encontraram um lar perfeito em uma sala de reuniões de mentira. Ele também não estava muito por perto. Sem nenhum papel em estratégia, filmagem ou produção, Trump normalmente não via os concorrentes “trabalhando” durante a semana.

“Ele demitia a pessoa completamente errada”, lembrou Braun, que passou a reconhecer os momentos em que Trump “não tinha ideia do que estava acontecendo e simplesmente inventava algo”. “Ele só tinha que escolher um nome”, disse Braun. “E talvez esse fosse o único nome que ele lembrava das pessoas sentadas ao redor.”

O sucesso do programa e o carisma do líder criado durante "O Aprendiz" aumentou a popularidade de Trump.  Foto: Charlie Neibergall/AP

Para aqueles momentos em que a escolha de Trump ameaçava refletir mal sobre ele e o programa, os produtores agitavam suas varinhas mágicas na baia de edição. “Nosso trabalho então era fazer engenharia reversa do programa e fazer com que ele não parecesse um completo idiota”, disse Mark Braun. Eles voltariam a fita da semana e escolheriam seletivamente trechos “para fazer a pessoa que ele demitiu não parecer tão boa”, disse.

Os fatos nunca realmente importaram. O drama importava. A comédia importava. O valor do entretenimento importava. Mark Burnett gostava de chamar isso de “dramalidade”. e Trump era dramático, ocasionalmente engraçado e sempre divertido.

‘Que tal um milhão de dólares?’

No final da primeira temporada, em abril de 2004, “O Aprendiz” havia se tornado um sucesso certificado, com uma audiência média de 20,7 milhões. Trump estava mais famoso do que nunca. Em março daquele ano, a VH1 exibiu o programa “The Fabulous Life of Donald Trump“.

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Duas semanas depois, ele participou do programa “Saturday Night Live” pela primeira vez. “É ótimo estar aqui para o ‘Saturday Night Live’”, disse Trump durante seu monólogo de abertura. “Mas serei perfeitamente honesto, é ainda melhor para esse programa que eu esteja aqui. Ninguém é maior do que eu. Ninguém é melhor do que eu. Sou uma máquina de audiência. Tenho o programa de televisão número 1, onde, depois de apenas uma temporada, estou prestes a me tornar a personalidade televisiva mais bem paga da América.”

O ex-presidente Donald Trump aparece no tribunal criminal de Manhattan durante as deliberações do júri em seu julgamento criminal sobre o dinheiro de silêncio em Nova York, na quinta-feira, 30 de maio de 2024. Foto: Mark Peterson/AP

A NBC concordou em pagar ao bilionário US$ 50 mil por episódio da temporada inicial. Trump buscou um aumento para colocá-lo no mesmo nível das estrelas do seriado de sucesso “Friends”. Os executivos da NBC concordaram, mas, graças ao planejamento e negociação de Mark Burnett, esse pagamento seria uma pequena parte da renda potencial de Trump com o reality.

Ao negociar com a NBC, Burnett insistiu no controle do product placement, o dinheiro que as empresas pagariam para ver seus produtos apresentados em um episódio. Jeff Zucker, que havia sido trazido da divisão de jornalismo para ajudar a NBC a alcançar seus rivais no reino dos reality shows, queria um sucesso na escala de “Survivor “. Um programa como esse geraria uma fortuna com comerciais tradicionais, independentemente de qualquer dinheiro que Mark Burnett pudesse tirar ao apresentar um refrigerante ou um saco de batatas chips.

Burnett, por sua vez, pensou que alguém da estatura de Trump não se comprometeria com o programa apenas pelo dinheiro que a rede lhe pagaria. Ao lançar o programa para Trump, ele se ofereceu para dividir igualmente qualquer dinheiro que viesse das ações de integração de marcas nos episódios. Durante a 1ª temporada, a equipe do programa se concentrou em persuadir os patrocinadores a dar-lhes coisas grátis. Mas os departamentos de marketing das grandes corporações estavam prestando atenção às classificações do programa e ao impacto nos negócios dos patrocinadores.

O interesse repentino deles foi sinalizado em um telefonema para Kevin Harris da Procter & Gamble. Um executivo de marketing queria saber se a equipe do programa poderia ciar um episódio inteiro em torno de uma nova pasta de dente.

“Pasta de dente, isso não parece muito sexy e glamouroso”, respondeu o produtor. “Nós lhe daremos meio milhão de dólares se você desenvolver um desafio em torno do lançamento da pasta de dente”, respondeu o profissional de marketing, de acordo com Harris.

De repente, pasta de dente soou bem sexy e glamourosa. Mas quando ele apresentou a oferta ao diretor, ambos concluíram que isso equivaleria a esgotar o show. Quando o produtor deu a má notícia à Procter & Gamble, a mulher do outro lado do telefone mal o deixou terminar a frase: “Que tal um milhão de dólares?”, perguntou.

O produtor ficou chocado. A empresa finalmente concordou em investir outros US$ 100 mil para financiar o desafio daquela semana. Harris concordou, mas insistiu que a equipe do programa precisaria manter o controle de todos os aspectos do desafio. O acordo que o Burnett fechou com a rede para controlar a inserção do produto no reality e o sucesso de seu programa estava prestes a trazer a Donald Trump o equivalente a uma segunda herança.

Sucesso subiu a cabeça

Dan Gill, um produtor sênior da equipe de Mark Burnett, estava no gramado do lado de fora dos estúdios da rede de televisão QVC Network olhando por cima das árvores. Ao seu lado estava Tim Megaw, um vice-presidente da QVC, também observando o céu. Eles estavam lá há quase meia hora esperando o helicóptero de Donald Trump aparecer no horizonte. Ainda assim, nada.

A QVC pagou US$ 900 mil para patrocinar um episódio durante a segunda temporada e mais para transportar a equipe de produção e os competidores, de acordo com os registros financeiros do programa. Como um favor ao apresentador, depois que o episódio foi filmado, eles convidaram Trump para ir aos estúdios da televisão, em West Chester, um bairro fora da Filadélfia, para entrar em um programa ao vivo e vender seu último livro. Mas Trump se recusou a pousar seu helicóptero no Aeroporto Regional de Brandywine, que ficava na propriedade adjacente à QVC. Em resposta, o executivo da rede televisiva orientou os funcionários a montarem um heliporto improvisado na grama do terreno da QVC. E lá eles esperaram.

O ex-presidente Donald Trump falou com repórteres na sala de imprensa após o debate presidencial contra a vice-presidente Kamala Harris no National Constitution Center, na Filadélfia, na terça-feira, 10 de setembro de 2024. Foto: Kenny Holston/The New York Times

Finalmente, o helicóptero de Trump apareceu sobre as árvores e desceu em direção ao local de pouso personalizado na grama. A aeronave pairou brevemente, então inexplicavelmente voou em direção ao edifício QVC.

“O que diabos está acontecendo?”, disse o executivo ao membro da equipe do programa.

O helicóptero zumbiu em direção ao estacionamento de funcionários, talvez a 60 metros de distância, e pousou, seus rotores fazendo voar centenas de pedrinhas e atirando-as em todas as direções, incluindo nos carros dos funcionários, que foram danificados.

O vice-presidente ficou chocado e o membro da equipe responsável pelo programa que o acompanhava se sentiu “irritado” e “envergonhado”. Dan Gill perguntou ao segurança de Trump por que o helicóptero não havia pousado no local montado. A resposta não o fez se sentir melhor. “Ele não queria pisar na grama e sujar os sapatos”, disse o guarda-costas.

Foi um bom dia para Trump, no entanto. Sua aparição na QVC gerou cerca de US$ 500 mil em vendas de livros, mostram documentos fiscais do bilionário.

Trump era agora uma estrela, e ele se comportava cada vez mais como uma, uma presença temperamental e focada na aparência no set de “O Aprendiz”. Em vez da marcação habitual “X” onde uma personalidade no ar deve ficar, Trump exigiu um “T”.

Vários produtores se lembram dele perdendo completamente o foco quando uma mulher que ele achava atraente cruzava seu campo de visão. Ele aceitava apenas os briefings mais curtos. David Gill disse que muitas vezes não tinha mais do que quatro minutos para informar a Trump sobre o patrocinador antes do início da gravação. “Tudo o que importava para ele era quanto dinheiro a inserção de produtos daria para a Trump Productions”, disse o produtor.

Sem ter que trabalhar pelo dinheiro com as ações de marcas no programa, Trump se concentrou cada vez mais em atrair patrocinadores para seus próprios negócios paralelos, tirando a empresa de Mark Burnett, responsável pela produção do programa, da jogada.

O ex-presidente Donald Trump é escoltado para a sala de um tribunal em 4 de abril de 2023, em Nova York. Foto: Mary Altaffer/AP

A Levi’s pagou US$ 1,1 milhão para patrocinar um episódio durante a segunda temporada. Pouco antes da cena em que um executivo da Levi’s escolheria o time vencedor, Kevin Harris ouviu Trump dizer a Melania, então sua namorada, para subir e colocar um par de calças Levi’s. Quando ela voltou, Trump a apresentou: “Estou com minha namorada e ela está usando seu jeans”. Enquanto Trump falava, Melania sorriu e se virou para revelar todos os lados. Robert Hanson, o presidente da Levi’s na época, disse: “Eles ficam fantásticos em você”.

Após o término das filmagens, Harris conversou com Trump e se ofereceu para sugerir à Levi’s a contratação de Melania para um trabalho de modelo. “É uma ótima ideia, Kevin”, respondeu Trump, de acordo com produtor. “Vou te dizer uma coisa, eu te darei 10% de qualquer coisa que você conseguir por Melania.”

O produtor rapidamente obteve uma campanha de US$ 50 mil para Melania Trump. Cerca de uma semana depois, Harris estava no estúdio no quarto andar quando Trump ligou e o convidou para subir em seu apartamento de cobertura. “Tenho algo para você”, disse o bilionário. Kevin Harris correu para o elevador, animado para receber seu cheque de US$ 5 mil. Quando chegou, Trump abriu a porta e gritou lá em cima por Melania. Ela desceu graciosamente a escada carregando um taco de golfe em uma capa de feltro e entregou cerimoniosamente o taco a Trump, que o entregou ao produtor.

“Obrigado por fechar o acordo”, disse Trump. Harris pensou por um momento: “Eu disse a mim mesmo, sabe de uma coisa? Não vale a pena. Não vale a pena dizer uma palavra. Vou engolir isso. Ele é meu apresentador. O programa de TV é um negócio maior.”

Mais tarde, a General Motors pagou US$ 3,5 milhões para patrocinar um episódio que apresentaria um novo roadster de dois lugares, o Pontiac Solstice. Após o término das filmagens, Trump sugeriu a Mark-Hans Richer, um diretor sênior de marketing da GM, que a empresa deveria criar um carro chamado Trump. “Sem ofensa, não acho que deveria ser um Pontiac”, disse o bilionário ao diretor de marketing. “Provavelmente deveria ser um Cadillac.”

O executivo pensou que talvez Trump estivesse tentando ser engraçado e respondeu na mesma moeda, invocando o nome de outra marca da GM: “Por que não fazemos um Hummer? Vamos chamá-lo de Trummer.”

A estrela não riu. Trump disse a um funcionário para dar seu cartão de visita ao executivo da GM e disse que eles deveriam falar novamente. Depois de um pouco de pesquisa, o Mark-Hans Richer decidiu que não havia sentido em seguir com a ideia. “Não conseguimos realmente encontrar um caso convincente de como um produto licenciado por Trump tinha sido bem-sucedido”, lembrou mais tarde.

Almôndegas na Pizza

Um episódio construído em torno da Domino’s Pizza começou a sair dos trilhos assim que Trump definiu o desafio para os concorrentes. “Para sua próxima tarefa”, Trump disse a eles, “vocês vão criar um estilo original de pizza para a Domino’s usando coberturas que eles geralmente não oferecem em um menu. Eu gosto de almôndegas.”

Almôndegas. Ninguém esperava que Trump mencionasse almôndegas. Ambas as equipes foram para seus respectivos estúdios para fazer um brainstorming e, em poucos minutos, decidiram criar pizzas de almôndegas.

Esta não era uma escolha ideal para um programa de televisão. Mark Burnett havia alertado sua equipe para evitar ter dois grupos de competidores fazendo a mesma coisa porque o público não seria capaz de rastrear qual equipe estava fazendo o quê. De fato, o episódio caiu como uma mistura de almôndegas, com duas equipes vendendo as mesmas pizzas por toda a Manhattan.

“Você chamou de torta de almôndega?”, perguntou Trump a equipe que vendeu mais pizzas durante uma cena gravada em seu apartamento. “Acho que eles vão com isso agora. Eles não vão fazer o que vocês fizeram? Acho que eles vão com essa ideia.”

Trump, que estava enfrentando uma falência em seus negócios, passou a faturar milhões após o sucesso de "O Aprendiz".  Foto: Alex Brandon/AP

Só que não colou. Depois de assistir às filmagens, os executivos da Domino’s decidiram que a melhor escolha para o menu era qualquer coisa, menos almôndegas. Trisha Drueke-Heusel, uma executiva da Domino’s que estava no set, escreveu ao a um produtor para dar a má notícia: “A Domino’s não lançará as pizzas que as equipes criaram durante a tarefa

A executiva, que fez seu nome na Domino’s desenvolvendo uma pizza de cheesesteak da Filadélfia, revelou que a Domino’s anunciaria em breve uma pizza de cheeseburguer e planejava exibir comerciais promovendo o novo sabor durante “O Aprendiz”. Ela havia conversado com a equipe de produção para contratar Trump como o novo porta-voz da empresa para pizzas de cheeseburguer: “Estamos atualmente negociando com Donald Trump para aparecer em um comercial para esta nova pizza e compramos tempo de anúncio em nosso episódio para veicular este novo comercial”.

Desta vez, nada seria deixado ao acaso. Para evitar outro improviso que criaria mais problemas, Trump leu um roteiro para consertar o que havia dito sobre a pizza de almôndega que estava por vir e preparou o cenário para o anúncio de cheeseburger.

“Falando da tarefa da semana passada, aqui está algo que vocês não sabiam”, ele disse aos competidores. “Ambas as equipes criaram pizza de almôndega. Mas se vocês tivessem feito sua pesquisa de mercado como a Domino’s fez, vocês teriam descoberto que os clientes não querem pizza de almôndega. O que eles querem é pizza de cheeseburguer.”

Durante os intervalos comerciais, a Domino’s exibiu o anúncio de pizza de cheeseburguer com Trump. Lá estava ele, em seu escritório, aceitando a entrega de um entregador da Domino’s. Enquanto Donald Trump comia uma pizza de cheeseburguer, ele alegremente disse ao entregador que a Domino’s deveria inventar uma pizza de cheeseburguer.

“Você deveria me pagar por isso”, ele disse, sério.

O Saturday Night Live parodiou o anúncio, com Darrell Hammond representando Trump como um pseudo-ator sem noção, improvisando riffs absurdos sobre as maravilhas da pizza e pronunciando errado Domino’s. Mas o dinheiro não era brincadeira. A Domino’s pagou meio milhão de dólares a Trump naquele ano, além de sua parte dos US$ 2,75 milhões que a rede de restaurantes pagou a produtora responsável pelo “O Aprendiz” pelo episódio.

A equipe financeira da produtora de Mark Burnett nunca imaginou que veria esses tipos de números. Em um ano, eles passaram de tentar conseguir patrocinadores para dar-lhes coisas de graça para faturar mais de US$ 2 milhões por episódio. Jordan Yospe, um advogado sênior da equipe de Burnett que frequentemente informava a Trump sobre patrocinadores, olhou para os números que chegavam e pensou: “inacreditável, chocante, simplesmente inacreditável”.

Mantendo o talento feliz

Caminhando pelas ruas da cidade de Nova York um dia, o produtor Dan Gill notou um folheto para uma conferência da Learning Annex, empresa da área de educação, e teve uma ideia. Ele ligou para a empresa de educação continuada para perguntar se ela poderia patrocinar um episódio durante a 4ª temporada.

Heather Moore, vice-presidente de operações comerciais e gerenciamento de produtos da empresa, adorou a ideia, disse Gill mais tarde. Ela mencionou que o fundador, Bill Zanker, conhecia Trump, o que Gill presumiu que ajudaria a fechar um acordo. O produtor e a executiva começaram a discutir um preço acima de US$ 2 milhões.

Então, Moore parou as tratativas. Ela disse ao produtor que Trump e o fundador tinham feito um acordo paralelo. O Learning Annex pagaria a Trump diretamente por uma série de discursos. Esse acordo renderia para Trump mais de US$ 7 milhões por cerca de 20 aparições, mostraram seus registros fiscais. (A Sra. Moore se recusou a comentar.)

Trump discursa durante um comício de campanha em apoio a Doug Mastriano para governador da Pensilvânia e Mehmet Oz para o Senado dos EUA, em 2022, quando pediu para os americanos protestassem pela sua prisão no caso envolvendo uma estrela pornô antes das eleições de 2016.  Foto: Ed Jones/AFP

O diretor da atração concordou em deixar a Learning Annex patrocinar um episódio por apenas US$ 50 mil. Durante uma reunião de produção em Los Angeles, Dan Gill revelou os planos paralelos de Trump ao resto da equipe. Pelo menos um outro membro sênior da equipe de Burnett achou que os acordos de Trump soavam “viscosos” e minavam todos que trabalhavam para torná-lo rico.

Burnett estava disposto a abrir mão disso como um custo para manter o talento feliz. Deixe “as fichas caírem onde caírem, e ainda teremos um ótimo episódio”, disse Burnett à equipe, de acordo com uma pessoa que estava presente. “Trump vai ganhar algum dinheiro. O que podemos fazer sobre isso?”

Trump estava a caminho de arrecadar mais de US$ 200 milhões pela sua atuação no reality e de um desdobramento ainda mais peculiar, “O Aprendiz Celebridades”, como apresentador por mais de uma década. Graças a sua imagem reabilitada, ele ganharia outros US$ 200 milhões com acordos de licenciamento e patrocínio. Essa sorte inesperada, semelhante em tamanho a sua herança e também não exigindo nenhuma experiência empresarial, financiou uma nova onda de negócios administrados por Trump que perderiam dinheiro.

Em junho de 2015, Trump estava novamente na Trump Tower, encenando o anúncio de sua candidatura à presidência, descendo em sua escada rolante de latão até o pátio interno em uma cena que pareceria familiar aos fãs de “O Aprendiz”. Mas em seu discurso, o Trump saiu de trás do véu da magia da televisão, revelando-se sem a proteção dos editores de Mark Burnett para polir suas arestas mais ásperas. O momento se tornou mais conhecido por seus comentários acusando o México de “enviar pessoas que têm muitos problemas” para os Estados Unidos.

“Eles estão trazendo drogas, eles estão trazendo crimes, eles são estupradores”, continuou Trump. “E alguns, eu presumo, são boas pessoas.”

Os executivos da NBC ficaram horrorizados. As empresas que licenciavam o nome Trump ficaram horrorizadas. Trump logo saiu do programa, e seu fluxo de acordos de licenciamento praticamente secou.

Mas Trump levou consigo algo de maior valor intrínseco: uma reputação artisticamente inventada como um bilionário que se fez sozinho. Esse presente da NBC e da equipe de Mark Burnett seria central para a nova, e ainda mais improvável carreira política, que Donald Trump tinha apenas começado.

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.




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