Como uma guerra interna aflige a elite das Forças Armadas dos EUA

Um projeto para transformar o Corpo de Fuzileiros Navais e redefinir sua missão encontrou mares agitados

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Por George F. Will (The Washington Post)

De acordo com o que proclamam seus anúncios de recrutamento, os fuzileiros navais são “Os poucos. Os orgulhosos”. Hoje em dia, eles também são: Os divididos. Seu hino (From the halls of Montezuma…” [Desde os salões de Montezuma]) diz que os Marines são “Os primeiros a combater”. Hoje, para vários fuzileiros navais do alto escalão — incluindo 22 generais de quatro estrelas da reserva — a luta é interna.

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Ela diz respeito ao futuro do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (USMC, na sigla em inglês). E sua compreensão de si mesmo, que está enraizada no século passado, em grandes batalhas em grandes guerras: por exemplo, Belleau Wood (1918), Iwo Jima (1945), a Ofensiva do Tet (1968), Fallujah (2004). O fio de união intensamente prático, e talvez perecível, do Corpo está em jogo no acalorado debate envolvendo como os fuzileiros navais se encaixam na estratégia de segurança americana.

Em março de 2020, o USMC anunciou o Force Design 2030, um plano de 10 anos para reconfigurar o Corpo e reduzi-lo em 12.000 pessoas (atualmente há 174.500 fuzileiros navais) para se adequar a um plano de defesa nacional focado um pouco na Rússia, mas principalmente na China — focado demais, afirmam os críticos do Force Design. Para esse fim, o Force Design envolve a eliminação de todos os batalhões de tanques e companhias de pontes do Corpo, reduzindo de 24 para 21 o número de batalhões de infantaria, reduzindo o número de batalhões de artilharia de 21 para cinco e desativando vários esquadrões de aviação (helicópteros e aviões).

O Force Design prevê um USMC transformado para auxiliar a Marinha a controlar os oceanos e negar acesso aos mares às forças navais de um adversário — a China. Daí o descarte de componentes destinados a operações terrestres sustentadas. Por exemplo, cerca de 90% dos aproximadamente 450 tanques do Corpo já foram transferidos para o Exército.

Na foto, general Eric M. Smith, Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Foto: Matt Mcclain/WashingtonPost

O principal arquiteto do Force Design, o comandante da reserva general David H. Berger, disse que o futuro do Corpo depende da disposição de “descartar o legado do passado”. Os críticos do Force Design dizem que a utilidade essencial do Corpo está sendo descartada.

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De acordo com os críticos, a frota reduzida de navios de guerra anfíbios do Corpo, combinada com outras restrições do Force Design, significa que o Corpo não pode ser o que tem sido: uma força de resposta rápida para crises em qualquer lugar. Nem pode estar pronto para atender às várias necessidades dos comandantes combatentes e aliados dos EUA.

O atual comandante, general Eric M. Smith, está correto em sua orientação de planejamento, divulgada em agosto, segundo a qual “Como a guerra na Ucrânia continua a demonstrar, o ciclo do desenvolvimento à aquisição e à obsolescência do hardware e do software é rápido como um relâmpago em um campo de batalha moderno”. Mas isso também está correto: a luta da Ucrânia pela sobrevivência demonstra, assim como a de Israel, a relevância contínua de guerreiros empunhando armas.

E com duas guerras regionais em andamento, os Estados Unidos, enquanto planejam para enfrentar o desafio da China, não podem descartar a possibilidade de uma guerra em múltiplas frentes. Então, os fuzileiros navais centrados na China, “leves, letais e austeros” (palavras de Smith) da Force Design — moldados para vigilância, reconhecimento e interdição de navios — estariam longe de ser o ideal.

Gary Anderson, ex-chefe de gabinete do Marine Corps Warfighting Lab, escrevendo para o RealClearDefense em agosto, disse que o Corpo está se transformando “de uma robusta equipe de armas combinadas em uma combinação de infantaria leve e artilharia costeira”. Não é isso que será mais urgentemente necessário se houver dois grandes conflitos regionais.

Anderson disse que o Force Design Corps não será capaz de implantar rapidamente “uma potente equipe de armas combinadas repleta de blindados, artilharia, aviação e engenheiros de assalto”. Em vez disso, o Force Design “faz o Corpo comprar mísseis antinavio para uso em uma luta em alto mar que provavelmente nunca acontecerá”. E o general da reserva Paul K. Van Riper, um crítico severo do Force Design, questionou se os fuzileiros navais que disparam um míssil antinavio podem escapar rapidamente nos breves minutos antes do contra-ataque de um inimigo.

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Escrevendo no National Interest, Jim Webb, ex-senador democrata dos EUA pela Virgínia, que recebeu as estrelas de Prata e Bronze e a Cruz da Marinha por heroísmo em combate no Vietnã, disse que o Force Design desmontará o valor dos fuzileiros navais “como garantia única de uma prontidão tática homogênea que pode ‘ir a qualquer lugar, lutar contra qualquer um e vencer’”. Os fuzileiros do Force Design serão, escreveu ele, especializados em “ataques de curto prazo e alta tecnologia contra postos militares chineses em pequenas ilhas fortificadas no Mar da China Meridional”. Isso vai desqualificar o Corpo para o tipo de desafios que ele frequentemente enfrenta e está “ignorando a imprevisibilidade da guerra”. Webb também escreveu: “A guerra que acabamos travando raramente é a mesma dos jogos de guerra”.

O Corpo, que produz pessoas duronas em tempos fáceis e promete estar “mais pronto quando a nação estiver menos pronta”, muitas vezes teve sua natureza e função questionadas. O presidente Harry S. Truman, um oficial de artilharia do Exército da Primeira Guerra Mundial, chamou o Corpo de “força policial da Marinha” com “uma máquina de propaganda quase igual à de Stalin”.

Ele disse isso em agosto de 1950. Um mês depois, ele descobriria a utilidade do Corpo em Inchon./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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