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Como vivem os filipinos em uma ilha assombrada pelo poderio militar da China

Mais de 200 colonos civis em uma ilha disputada no Mar da China Meridional se encontram na fronteira de um possível conflito com a China

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Por Camille Baker (The New York Times) e Jes Aznar

Para os viajantes que voam para a pequena ilha de Thitu, a realidade das ambições territoriais da China se torna imediatamente clara. Lá estão eles: dezenas de navios chineses cercando um pedaço de terra que algumas centenas de filipinos chamam de lar.

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Por enquanto, porém, a vida é geralmente pacífica e lenta na ilha. Pequenos barcos de pesca de madeira flutuam diante de uma praia de areia branca na costa leste. Casas rústicas feitas de compensado, restos de madeira e lonas são a principal forma de abrigo. Em uma noite recente, algumas pessoas se reuniram perto da praia para limpar peixes, enquanto outras entraram em poças formadas pela maré baixa empunhando arpões.

Mas a calma disfarça o fato de que Thitu é um território em disputa. Perto dali, a China estacionou uma flotilha de navios da guarda costeira e embarcações da milícia marítima. Em um recife vizinho, construiu uma base militar cujas luzes brilham à noite como uma cidade. A presença chinesa cada vez mais intensa assustou as Filipinas, que ocupam Thitu há quase meio século. Assim, o país está modernizando suas instalações militares em ruínas que ficam no extremo sul da ilha.

Imagem mostra pista de pouso de Thitu, ilha ocupada pelas Filipinas. Navios chineses rondam no horizonte Foto: Jes Aznar/NYT

E está encorajando mais filipinos a se mudarem para lá, apostando que mais moradores fortalecerão sua reivindicação de Thitu, que os filipinos chamam de Pag-asa, ou esperança, e reduzirão as hostilidades com a China.

Esses civis são os únicos nas Ilhas Spratly, um conjunto de cerca de 100 atóis, recifes e ilhotas no Mar da China Meridional que podem ter reservas significativas de petróleo e são reivindicadas por seis países. E eles se encontram no meio de uma tensa disputa geopolítica.

Marjorie Ganizo e o marido, Junie Antonio Ganizo, se mudaram para cá com os oito filhos em novembro, apesar do que viam como o risco de uma invasão chinesa.

“No fim, tivemos que nos perguntar: fome ou medo?”, disse Marjorie, 36 anos. “Não importa onde você esteja, quando chega sua hora de morrer, é hora de morrer.”

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As tensões aumentaram entre Pequim e Manila, que tem um tratado de defesa mútua com os Estados Unidos.

Imagem mostra soldados filipinos nas Ilhas Spratly, no Mar do Sul da China, em 10 de junho. Mais de 200 civis que vivem em ilha disputada no Mar do Sul da China se encontram no meio de um possível conflito Foto: Jes Aznar/NYT
Imagem do dia 10 de junho mostra soldados filipinos em Thithu, nas Ilhas Spratly, no Mar da China Meridional Foto: Jes Aznar/NYT

Dois anos atrás, os moradores ouviram várias explosões que sacudiram a ilha e temeram que uma guerra estivesse acontecendo. Mas a altercação — entre marinheiros filipinos e chineses, envolvendo os destroços de um foguete espacial chinês — logo se encerrou.

Em junho, em outra seção das Spratlys, um navio da Guarda Costeira chinesa se chocou contra alguns barcos militares filipinos e chegou a perfurá-los, ferindo gravemente um soldado. As tensões diminuíram nas últimas semanas, mas mesmo um pequeno erro de cálculo de qualquer lado pode desencadear um conflito com ramificações globais, já que o Mar da China Meridional é uma hidrovia crucial para o comércio internacional.

Para os moradores de Thitu, um trecho de cerca de 35 hectares de terra, o bloqueio chinês estreitou sua área de pesca, restringindo uma fonte importante de alimento.

Mas, para alguns, a vida é melhor aqui. Antonio Ganizo agora ganha até US$ 350 por mês como soldador, em comparação com os US$ 80 que ganhava em Palawan, a província filipina a cerca de 480 quilômetros de distância, a mais próxima de Thitu. A China continental fica a noroeste, mais de duas vezes mais longe.

Imagem do dia 11 mostra construção de um edifício em Thitu, ocupada pelas Filipinas, nas Ilhas Spratly, no Mar da China Meridional Foto: Jes Aznar/NYT
Moradores e soldados carregam suprimentos no aeroporto de Thitu, ocupado pelas Filipinas, nas Ilhas Spratly, em 14 de junho. Local é ocupado por mais de 200 civis  Foto: Jes Aznar/NYT

Ele é um dos muitos civis trabalhando nas instalações militares de Thitu. Pega de surpresa pelo reforço de Pequim na região, Manila começou a modernizar as instalações da ilha em 2018. Agora, há um porto protegido, anos depois que as autoridades da cidade o solicitaram. Sua pista de pouso, antes lamacenta, geralmente inutilizável após chuvas leves, foi modernizada e concretada. Um hangar para aeronaves, uma torre de controle, quartéis militares, um centro de saúde e um prédio escolar estão em construção.

Todos os suprimentos na ilha — arroz, farinha, ovos, carne, animais e remédios — precisam ser transportados do continente. Muita comida é dada de graça para civis, parte do atrativo da ilha. Mas o mau tempo pode atrapalhar essas viagens de suprimentos e causar escassez de alimentos.

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Até este ano, não havia médico na ilha, e as mulheres grávidas ainda são obrigadas a se mudar para o continente no último trimestre de gestação. A eletricidade está disponível a um custo, a partir de uma usina a diesel, mas as casas não têm água encanada.

Às vezes, é preciso um certo tipo de desespero para se mudar para Thitu. Emmanuel Greganda veio de Luzon, a principal ilha do país, em 2016, disse ele, para escapar da brutal guerra contra as drogas do ex-presidente Rodrigo Duterte, que matou dezenas de milhares de pessoas.

Imagem de 11 de junho mostra trabalhadores em obra de ampliação de pista em Thitu, nas Ilhas Spratly, no Mar da China Meridional Foto: Jes Aznar/NYT
Emmanuel Greganda cria souvenir de barcos de madeira para vender a visitantes em Thitu, nas Ilhas Spratly, em 13 de junho Foto: Jes Aznar/NYT

“Eu ainda queria viver e mudar”, disse Greganda, 43 anos, ex-usuário de drogas, enquanto fazia souvenirs de barcos de madeira do lado de fora de sua casa. “Minha família e eu ficamos muito assustados porque alguns dos meus amigos já tinham morrido.”

Assim como outros homens moradores de Thitu, Greganda aprendeu a atirar, para se preparar contra uma eventual incursão chinesa.

Em 2021, Larry Hugo, presidente de um grupo de pescadores, estava navegando rumo a um banco de areia perto de Thitu para pescar quando um grande navio da Guarda Costeira da China o bloqueou, chegando a apenas 100 metros. Os navios chineses regularmente perseguem, seguem e afastam pescadores filipinos perto de Thitu e outras partes do Mar da China Meridional.

Em junho deste ano, um colega e eu passamos cinco dias em Thitu, após obter a aprovação do governo filipino. Voamos em um avião militar e nos hospedamos com uma família em sua casa de frente para a costa leste, comendo principalmente peixe fresco e outros frutos do mar. No ano passado, o governo abriu Thitu e outros recifes e atóis ocupados pelas Filipinas nas Ilhas Spratly para turistas. Alguns moradores transformaram suas casas em pensões para visitantes.

Mais de 200 colonos, compreendendo cerca de 65 famílias, vivem na ilha. Há também cerca de 150 trabalhadores trazidos para cá para modernizar as instalações militares. Autoridades dizem que cerca de 100 soldados, membros da guarda costeira e bombeiros estão lotados aqui.

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Moradores se preparam para um karaokê em Thitu, ocupada pelas Filipinas, nas Ilhas Spratly, no Mar da China Meridional, em 12 de junho Foto: Jes Aznar/NYT
Moradores usam Wi-Fi para se comunicar com parentes em outros lugares, em Thithu, nas Ilhas Spratly Foto: Jes Aznar/NYT

Enquanto alguns especialistas dizem que a presença de filipinos em Thitu fortalece a reivindicação do país à ilha, seu prefeito, Roberto del Mundo, disse que estava preocupado com os colonos aproveitadores.

“Muitos deles estão abusando da generosidade do governo”, disse Del Mundo, um ex-soldado da força aérea que esteve destacado na ilha nas décadas de 1980 e 1990. Ele recentemente cortou o subsídio mensal de alimentos para apenas alguns quilos de arroz por pessoa.

Ainda assim, muitos como Marjorie Ganizo, a recém-chegada que estava ansiosa quanto à mudança para a ilha, estão felizes por estarem aqui. Os filhos dela, incluindo Jessa Mae, 13 anos, frequentam uma escola aqui, que agora tem 14 professores atendendo cerca de 80 alunos. Enquanto alguns professores estão preocupados por não terem recursos para preparar as crianças adequadamente, outros são gratos pelos empregos.

Em uma noite recente, os moradores cantaram empolgados em uma máquina de karaokê, jogaram bilhar ou basquete e beberam álcool. Muitos adolescentes, grudados em seus smartphones assistindo a vídeos do TikTok e do Facebook, ficavam perto da escola para ter Wi-Fi gratuito.

Larry Hugo, líder do grupo de pescadores, mudou-se para a ilha em 2011. Ele disse que o ritmo de vida era perfeito. “Este é meu lar”, disse ele. “Só vou deixar esta ilha quando estiver morto.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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