Como viver com fantasmas? Cada vez mais pessoas nos EUA buscam ‘casas mal-assombradas’

Pesquisadores americanos atribuem a crescente crença no sobrenatural ao aumento da mídia relacionada ao paranormal, ao declínio da filiação religiosa e à pandemia

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Por Anna Kodé

Benson, EUA ― Em uma tarde rotineira, Shane Booth, um professor de fotografia de 45 anos que mora em Benson, Carolina do Norte, nos EUA, estava dobrando a roupa suja em seu quarto quando foi surpreendido por um barulho alto. Ele saiu e encontrou uma janela da frente quebrada e seu cachorro sentado do lado de fora.

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Ficou confuso: como seu cachorro poderia ter saltado pela janela com força suficiente para quebrá-la? Depois de limpar o vidro, Booth voltou para seu quarto, onde todas as roupas que ele havia dobrado estavam espalhadas, contou ele.

Assim como Booth, muitos americanos acreditam que sua casa é habitada por alguém ou algo que não é um ser vivo.

Um estudo de outubro da empresa de segurança residencial Vivint, com sede em Utah, descobriu que quase metade dos mil proprietários pesquisados acreditava que sua casa era assombrada.

Shane Booth, morador de Benson, na Carolina do Norte, acredita que sua casa é habitada por alguma entidade paranormal. Foto: Eamon Queeney/The New York Times

Outra pesquisa com mil pessoas da Real Estate Witch, uma plataforma para compradores e vendedores de casas, encontrou resultados semelhantes, com 44% dos entrevistados dizendo que moraram em uma casa mal-assombrada.

Os pesquisadores atribuem a crescente crença no sobrenatural ao aumento da mídia relacionada ao paranormal, ao declínio da filiação religiosa e à pandemia.

Com tantas pessoas acreditando que vivem com fantasmas, surge uma nova pergunta: como se vive com fantasmas? Existem maneiras de se sentir confortável com isso, ou certas ações para evitar perturbá-los?

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A casa de Booth foi originalmente construída como uma igreja batista em 1891, segundo ele descobriu após algumas pesquisas on-line. Os laços religiosos o fizeram pensar que talvez os acontecimentos sobrenaturais pudessem ser porque ele é gay, e os espíritos não estavam lhe dando boas-vindas por isso.

Booth mostra foto de antiga Igreja Batista sobre a qual sua casa foi construída.  Foto: Eamon Queeney/ The New York Times

“Eu amo esta casa. Eu fiz dela o meu espaço e não quero deixar nada me expulsar”, disse Booth. “Quando as coisas acontecem, eu falo com eles e digo: “Ei, acalmem-se”'.

Companheiros inesperados

Embora coabitar com espíritos possa ser uma experiência assustadora, algumas pessoas gostam disso ou, pelo menos, aprenderam a viver com eles.

“Não me oponho a coisas estranhas”, diz Brandy Fleischer, 28 anos, que mora em uma casa originalmente construída em 1800 na cidade de Genoa, Wisconsin.

Brandy disse que acredita que a casa é mal-assombrada e que um dos fantasmas se chama Henry. Isso ela descobriu colocando um pêndulo acima de uma placa com letras e pedindo ao espírito para soletrar seu nome, segundo explicou. Mas ela nem sempre esteve tão confortável com os fantasmas.

Cruzamento de ruas na cidade de Benson, onde fica a casa de Booth.  Foto: Eamon Queeney/ The New York Times

“A primeira vez que entrei pela porta, parecia que estava entrando em uma festa para a qual não fui convidada. Parecia que todos estavam olhando para mim”, disse Brandy, afirmando, no entanto, que “não conseguia vê-los”. Já algumas pessoas acreditam que os fantasmas podem segui-los de uma casa para outra.

Lisa Asbury mora em sua casa em Dunlap, Illinois, há três anos. Contudo, a atividade paranormal que ela observou começou em sua antiga casa em 2018, após a morte do avô de seu marido, e é idêntica ao que ela está experimentando agora, conta.

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A mulher de 43 anos relata que já viu objetos voarem das prateleiras, luzes piscarem em várias salas e as pás do ventilador começarem a girar de repente. “Eu ouço meu nome sendo chamado quando estou sozinha, passos fantasmas, nossos cachorros latindo enquanto olham para o nada”, acrescentou.

Porém, nada parece agressivo para Asbury. É tudo “uma busca por atenção”. “Acredito que nossos espíritos sejam família”, disse ela. “Tenho a sensação de que temos diferentes membros da família visitando em momentos diferentes.”

Venda de casas assombradas

Para os vendedores, murmúrios paranormais também podem ser um bom instrumento de marketing. No início deste ano, a casa de três quartos em Rhode Island que inspirou o filme de terror “Invocação do mal” (2013) foi vendida acima do preço pedido, por US$ 1,5 milhão (em torno de R$ 8 milhões no câmbio atual).

Em 2021, uma propriedade de Massachusetts que foi o local de infames assassinatos foi vendida por US$ 1,8 milhão (R$ 9,6 milhões).

Além disso, dezenas de anúncios do AirBnb (plataforma on-line de hospedagens) também prometem experiências fantasmagóricas, como um “oásis assombrado no segundo andar” ou um “covil fantasma”.

Casa que inspirou filme Invocação do Mal (2013), do diretor James Wan, foi vendida por mais de US$ 1,5 milhão. Foto: Michael Tackett/ Divulgação

“Abraçar a história assombrada de uma casa pode ser uma estratégia assustadora de bom vendedor na corrida para se tornar viral”, disse Amanda Pendleton, especialista em tendências domésticas da Zillow, empresa americana de mercado imobiliário de tecnologia. — Quanto mais incomum um anúncio, mais visualizações de página ele pode gerar.

Sharon Hill, autora do livro de 2017 “Americanos científicos: a cultura dos pesquisadores paranormais amadores”, acrescentou que “muitos não têm mais medo de fantasmas porque fomos habituados a eles pela mídia”.

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“Temos a sensação de querer descobrir por nós mesmos e sentir que podemos ir além da morte. Saber que fantasmas existem seria muito reconfortante para algumas pessoas”, acrescenta.

Ainda assim, a maioria dos vendedores e agentes tem medo de adotar essa estratégia. Das mais de 760 mil propriedades da Zillow nas últimas duas semanas, apenas duas tinham descrições que sugeriam que a casa poderia ser assombrada, de acordo com dados fornecidos pela empresa.

Shane Booth posa para foto em frente a sua casa; alguns vendedores utilizam histórias sobrenaturais para aumentar interesses por imóveis.  Foto: Eamon Queeney/The New York Times

A maioria dos Estados não menciona atividade paranormal nas leis de divulgação de imóveis, mas Nova York e New Jersey têm requisitos explícitos sobre isso.

Em Nova Jersey, os vendedores, se solicitados, devem divulgar informações conhecidas sobre possíveis “poltergeists”. Em Nova York, um tribunal pode rescindir uma venda se o vendedor souber da reputação de uma casa assombrada e se aproveitar da ignorância do comprador sobre esse fato.

“Em busca de significado”

Existem diferenças geracionais entre os que acreditam em fantasmas. Na pesquisa da Vivint, 65% das pessoas da chamada geração Z (geralmente definidos como aqueles nascidos entre 1997 e 2012) que participaram da pesquisa achavam que sua casa era assombrada, enquanto 35% dos “baby boomers” (nascidos entre 1946 e 1964) pensavam o mesmo.

“Com tanta conversa no TikTok sobre crimes reais, podcasts sobre coisas assombradas e documentários sobre crimes, pensamos que isso poderia estar espalhando essa tendência entre os mais jovens”, disse Maddie Weirman, uma das pesquisadoras.

Para Hill, a geração Z “pode estar procurando significado em novos lugares”. “Se o mundo moderno em que vivem não está fornecendo alimento para a alma, se o capitalismo é um sistema que nos drena de iluminação pessoal, não é difícil imaginar que os jovens procurarão em outro lugar e encontrarão a ideia de uma alternativa de mundo com fantasmas, alienígenas etc, para ser atraente para explorar”, diz a autora.

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A pandemia também desempenhou um papel na relação da sociedade com casas e fantasmas. A importância da morte em nossa cultura aumentou, acendendo um desejo de evidência de vida após a morte para algumas pessoas.

Estados como Nova York e New Jersey tem leis específicas que protegem compradores e punem vendedores em caso de não informação sobre fenômenos paranormais na venda de um imóvel. Foto: Eamon Queeney/The New York Times

“Pense em todas as mortes repentinas e muitas vezes não suficientemente lamentadas durante a covid. Muitas vezes as pessoas perderam entes queridos sem último contato, sem funeral”, disse Tok Thompson, folclorista e professor de Antropologia da Universidade do Sul da Califórnia.

Além disso, quarentena e trabalho remoto significavam mais tempo em casa, o que representava mais tempo para perceber sons ou movimentos estranhos. Alguns investigadores paranormais relataram um aumento nas ligações sobre assombrações.

“As pessoas normalmente não estavam por perto o tempo todo para perceber os ruídos normais de uma casa, pois ela esquenta com o sol durante o dia e depois esfria à tarde. Com todos dentro, havia ainda menos barulho do lado de fora para abafar os sons típicos”, disse Hill.

Muitos especialistas também atribuem um declínio na crença religiosa à promoção de uma crença no paranormal. Uma pesquisa do centro de pesquisas Pew, de 2021, descobriu que quase 30% dos americanos não eram religiosos, 10 pontos percentuais a mais do que há uma década.

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