A condenação da vice-presidente Cristina Kirchner na Argentina a seis anos de prisão e inabilitação política para o resto da vida não tem efeito jurídico imediato, já que só pode ser cumprida após a tramitação em julgado de todas as apelações. Mas o efeito político já começou. A própria Cristina afirmou que não vai se candidatar a nenhum cargo no ano que vem e o peronismo se vê diante de um impasse político para as eleições de 2023.
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“A pergunta chave é: o que fará o resto do peronismo após esse julgamento? Continuará encolhido atrás dela (Cristina)? Vai desafiá-la?”, diz o analista político argentino Hugo Alconada, especialista em temas jurídicos e de corrupção. Em entrevista ao Estadão, ele explicou também os impactos que a sentença pode ter no governo do presidente Alberto Fernández.
Qual é o impacto dessa condenação para o cenário político um ano antes das eleições?
Ainda é difícil saber. Entre outros motivos, porque faltam nove meses para as primárias e onze para o primeiro turno. E isso é muito tempo para o redemoinho que vive a Argentina, onde em apenas um dia presenciamos a condenação de uma ex-presidente por corrupção e seu anúncio de que não será “candidata a nada” no ano que vem. Mesmo assim, posso afirmar que a condenação não deve ter impacto entre os seguidores de Cristina Fernández de Kirchner, que já deram provas no passado de que as más notícias, sejam políticas, eleitorais ou jurídicas, não abalam a devoção que sentem. A pergunta chave é: o que fará o resto do peronismo após esse julgamento e o anúncio (de Cristina) de que não será candidata “nem à presidência e nem ao Senado”? Continuará encolhido atrás dela? Vai desafiá-la? Há algum príncipe em condição de disputar o trono da rainha?
Como a decisão afeta o governo de Alberto Fernández?
Em certos aspectos, lhe traz uma dor de cabeça, mas em outros o beneficia. A condenação de Cristina oferece uma oportunidade para Alberto Fernández se reposicionar como presidente, se afastar da tutela que Cristina sempre exerceu como líder máxima do Frente de Todos e pode até dar novos ares às suas aspirações de reeleição em 2023, ainda mais depois do anúncio (de Cristina) de que não concorrerá no ano que vem. Por outro lado, pode ser uma dor de cabeça porque tanto Cristina quanto seus principais colaboradores podem agora se concentrar em sua agenda mais dura de objetivos, como a reforma judicial, sem dar importância à gestão do dia a dia ou ao rumo da economia.
Qual é a força política e de mobilização social do kirchnerismo hoje?
Segundo pesquisadores, entre ¼ e ⅓ do eleitorado argentino fala em votar em Cristina ou em quem ela apoiar. Esse número permite à atual vice-presidente se manter como a líder máxima do peronismo, sem que nenhum outro peronista considerado referência lhe faça sombra, mas, ao mesmo tempo, não permite que o kirchnerismo sonhe com a presidência em 2023. É preciso lembrar que o sistema eleitoral impõe que uma pessoa tenha 45% dos votos para chegar à Casa Rosada, ou ao menos 40% dos votos e 10 pontos percentuais de diferença para o segundo colocado mais votado.
Entenda o caso
Existe uma discussão na América Latina sobre a judicialização da política. O senhor acredita que isso esteja presente no caso Cristina?
Acredito que alguns excessos foram cometidos durante a investigação. Por exemplo, quando ela foi citada a depor em oito investigações em um mesmo dia. Do mesmo modo, me parece que algumas investigações foram muito frágeis, como as acusações conhecidas como “dólar futuro”, ou questões políticas e não jurídicas, como a conhecida como “pacto com o Irã”. Mas, outras (investigações) têm sustentação, como essa “Causa Vialidad” (julgada nesta terça), na qual acabam de condenar Cristina, e, mais ainda, no caso “Hotesur - Los Sauces”, que agora deve ser analisado e pode ir a juízo. Neste caso, sim, acredito que Cristina teria de dar explicações, muitas explicações.
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