WASHINGTON - Pela primeira vez na longa campanha primária democrata, o senador Bernie Sanders, de Vermont, e o ex-vice-presidente Joe Biden se reunirão em um debate frente a frente, neste domingo, dia 15, com Sanders lutando pelo futuro de sua candidatura contra um rival que assumiu uma posição de comando na corrida pela indicação de quem será o candidato que disputará a eleição com Donald Trump, em novembro.
No entanto, não é por isso que esse debate é diferente da maioria dos outros na política moderna. Os dois candidatos farão um teste para a presidência em meio a uma emergência nacional, que se desenrola por causa do coronavírus.
Os últimos candidatos a debater em circunstâncias tão urgentes foram Barack Obama e John McCain, durante a crise financeira de 2008. Sanders estará sob pressão adicional para mostrar por que ele ainda está no páreo, no momento em que as pessoas estão preocupadas como a política deve ser conduzida em momentos como esse, enquanto Biden - muitas vezes irregular em debates - deve tentar mostrar ser capaz de unir o país e conduzi-lo durante uma grave crise.
Raramente, um debate foi moldado por uma ansiedade tão palpável: o evento foi transferido de um teatro de Phoenix para um estúdio de televisão em Washington D.C., para limitar qualquer viagem desnecessária. Não haverá plateia nem sala para assessores. Esses encontros costumam ser imprevisíveis, mas é especialmente difícil adivinhar como esse se desenrolará opondo um candidato moderado e um desafiante liberal. E mais: como essa discussão vai ser processada pelo eleitorado.
Milhares de telespectadores estarão na frente da TV, à medida que os espaços públicos para reuniões estão fechados. "Será um tipo diferente de debate", disse o senador Chris Coons, de Delaware, um dos aliados de primeira hora de Biden.
A situação extraordinária oferece um desafio e uma oportunidade incomuns. O evento daráuma plataforma e audiência nacional para que Biden e Sanders mostrem suas próprias marcas de liderança, especialmente em contraste com a do presidente Trump, que passou semanas minimizando a ameaça que o coronavírus apresentava.
"Você precisa jogar o manual de como se comportar em um debate pela janela e se concentrar no que as pessoas estão preocupadas, porque a agenda mudou dramaticamente desde a última vez que eles estiveram no palco juntos", disse Jared Leopold, estrategista de comunicação democrata que trabalhou para o governador Jay Inslee, de Washington. "A dinâmica mudou totalmente."
Stephanie Cutter, estrategista democrata que trabalhou nas campanhas de Obama, disse que, em momentos como esse, "os eleitores querem ver líderes, não políticos", e nada pode, diz ele, parecer com uma "política mesquinha".
"Esse é um momento de liderança e demonstração de que você tem o julgamento e a visão para consertar a incompetência que estamos vendo na Casa Branca", disse Cutter. "Esse é o objetivo número 1 nesse debate."
Há ainda outras questões laterais:Biden, de 77 anos, e Sanders,de 78 anos, apertarão as mãos? E, em um novo momento de "distanciamento social", esses dois homens septuagenários, que estão em uma faixa etária de risco, devem dar o exemplo e se cumprimentarem com o cotovelo?
Primárias democratas mudaram o rumo da disputa
Há ainda outra questão. A corrida pela indicação democrata foi fundamentalmente alterada desde o último debate. Há três semanas, Sanders havia conquistado o maior número de votos em três primárias e ameaçava assumir o controle da disputa. Agora, Biden acumula seguidos triunfos, tanto que a campanha de Sanders está enfrentando o que os especialistas estão vendo como uma queda irreversível.
O senador, por enquanto, está atrás de Biden por mais de 150 delegados, depois de perder quatro estados na última terça-feira e dez na semana anterior. Suas derrotas foramprofundas no Mississippi, Missouri e Michigan - um Estado que Sanders venceu há quatro anos). Os Estados que votam na próxima semana - Ohio, Flórida, Illinois e Arizona - também são desafiadores para ele.
Essa matemática difícil normalmente sugere uma nova postura agressiva para o senador, que precisa de uma reestruturação na sua estratégia para reverter o quadro. No entanto, há quem aposte em um consenso.
"Suspeito que veremos Joe dizer que quer trabalhar com Bernie em algumas de suas propostas políticas", disse o senador Coons. Mas, afirma ele, "se Bernie insistir em simplesmente atacar Joe o tempo todo, acho que será mais difícil fazer isso".
"Eles têm um objetivo fundamental compartilhado de impedir a eleição de Donald Trump, e quanto mais tempo Bernie Sanders passar atacando Joe Biden, maior a probabilidade de ele minar a força de sua candidatura contra Trump", acrescentou Coons.
Ainda assim, para Sanders, a rápida disseminação do coronavírus e as deficiências previstas do sistema médico dos Estados Unidos fortalecem uma bandeira de sua campanha: um sistema de saúde universal e administrado pelo governo.
"É obviamente uma crise no setor de saúde e, portanto, o apoio de longa data de Bernie à prestação de serviços de saúde acessíveis a todos, por meio do 'Medicare for All', é particularmente relevante hoje", disse Ben Tulchin, assessor de Sanders. "E ele é constantemente visto como o candidato mais confiável em cuidados de saúde."
Tulchin disse que as consequências econômicas do coronavírus também moldarão o debate em benefício de Sanders. "Bernie tem muita credibilidade falando sobre questões econômicas, especialmente para aqueles que são deixados para trás na economia de hoje e em breve haverá milhões de pessoas enfrentando desafios financeiros", afirmou Tulchin.
"Existem milhões de trabalhadores que não têm licença médica, milhões de trabalhadores que vivem de salário e, se você ficar sem trabalho por algumas semanas, isso é potencialmente catastrófico."
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.