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Opinião|Conflito entre ativismo de Elon Musk no Twitter e seus contratos com governo é um problema para EUA

Com dinheiro e influência, Musk pratica sua própria política externa - e isso preocupa bastante em Washington

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Por Max Boot (Washington Post)

Como muitas outras pessoas, eu deixei de usar tanto meu perfil no X. Eu prefiro postar no Threads, porque minha conta no X (anteriormente Twitter) virou uma enorme cloaca repleta de discursos de ódio e resmungos conspiratórios. O problema agravou-se especialmente após o ataque de 7 de outubro do Hamas contra Israel, quando a plataforma foi inundada de desinformação antissemita e islamofóbica. É como assistir a um bairro tranquilo, de casas bem cuidadas no passado, transformar-se em uma favela repleta de bocas de droga.

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O que me irrita é que, ao pagar meus impostos, eu acabo subsidiando o megalomaníaco e extravagante dono do X, Elon Musk; pois a SpaceX, sua empresa particular, é uma grande fornecedora de equipamentos e prestadora de serviços — em contratos de muitos bilhões de dólares — do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, da NASA e da comunidade de inteligência americana. Musk também é diretor-executivo da Tesla, que se beneficia dos generosos subsídios e créditos fiscais do governo americano à indústria de veículos elétricos.

Mas Musk precisa decidir se quer ser o próximo Donald Trump Jr. (por exemplo, um grande influenciador trumpista) ou o próximo James Taiclet (o pouco conhecido CEO da Lockheed Martin, a maior fornecedora particular do Departamento de Defesa dos EUA). Atualmente, ele tenta ser ambos, e isso é insustentável. Musk está regendo uma torrente de falsidades e mentiras no X sobre alvos familiares à direita: de imigrantes indocumentados ao “vírus da mente lacradora”, passando pelo presidente Joe Biden… ao mesmo tempo que ganha bilhões do governo Biden!

Elon Musk em 22 de janeiro de 2024.  Foto: Sergei Gapon / AFP

Aumento do extremismo no X

O Centro de Combate ao Ódio Digital detectou um aumento nos conteúdos extremistas no X desde que Musk assumiu a rede social, em 2022, e despediu a maioria de seus moderadores de conteúdo. A entidade encontrou tuítes denunciando “mistura racial”, negando o Holocausto e glorificando Adolf Hitler. O tecnológico magnata de pele suave responde na Justiça; e indicações preliminares dão conta de que a corte federal que trata do caso anda cética em relação às alegações do X.

Musk dificilmente terá qualquer outro sucesso em seu processo contra a ONG Media Matters for America, que documentou posts nazistas no X aparecendo juntamente com anúncios de grandes empresas, o que ocasionou um êxodo dos anunciantes. Nas realidade, Musk, que se define como um “absolutista da livre expressão”, parece estar usando ações judiciais simplesmente para intimidar críticos e silenciá-los.

As alegações de Musk afirmando que sua plataforma não dissemina discursos de ódio e teorias conspiratórias são minadas pelo fato dele ser um dos principais disseminadores desse tipo de narrativa. Em seu perfil no X, que tem 176 milhões de seguidores, Musk impulsionou a teoria conspiratória do “Pizzagate”, que acusa proeminentes democratas de abusar sexualmente de crianças. Musk endossou um tuíte sugerindo que indivíduos formados em faculdades historicamente negras têm QI baixo e, portanto, as empresas aéreas americanas se arriscam a provocar desastres por contratá-los como pilotos. (“Será necessário que um avião caia e centenas de pessoas morram para eles mudarem essa política maluca de morrer primeiro e agir depois?”, escreveu Musk usando a palavra “DIE” (morrer) para definir a política à que se refere, ironizando a sigla DEI, que define políticas e programas que promovem diversidade, equidade e inclusão.)

Musk ecoou as afirmações infundadas de Donald Trump de que o sistema eleitoral é corroído por fraude; por exemplo, afirmou que “imigrantes ilegais podem votar em eleições federais”. Mas na verdade somente cidadãos americanos podem votar em eleições federais e não existe nenhuma evidência de fraude generalizada.

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Insultando os críticos

O modus operandi de Musk, da mesma forma que o de Trump, não é se retratar nem se desculpar por declarações falsas, mas, em vez disso, insultar seus críticos; Musk disse memoravelmente para os seus anunciantes irem “se f…”. Uma das poucas vezes que Musk expressou algum remorso foi depois de endossar uma narrativa antissemita, em novembro. Um usuário do X acusou “comunidades judaicas” de promover “ódio contra os brancos” e acrescentou alegremente que “populações judaicas no Ocidente” estavam “chegando à perturbadora conclusão de que essas hordas de minorias (…) inundam seus países de pessoas que não gostam muito delas”.

Elon Musk em 22 de janeiro de 2024.  Foto: Czarek Sokolowski / AP

A resposta de Musk: “Vocês disseram a verdade verdadeira”. Depois que anunciantes fugiram e a Casa Branca condenou “essa abominável promoção de ódio antissemita e racista”, Musk disse que entregou “uma pistola carregada para aqueles que me odeiam e para os antissemitas; e lamento muito por isso”.

Mas semanas após seu pedido de desculpas, Musk voltou a promover a “teoria da grande substituição”, segundo a qual elites progressistas conspiram para mudar o caráter dos EUA inundando o país de imigrantes não brancos do Sul Global. Em 5 de março, Musk, ele próprio um imigrante, tuitou: “Este governo está importando eleitores e criando uma ameaça de segurança nacional ao aceitar imigrantes ilegais descontroladamente. É altamente provável que as bases de algo pior que o 11 de Setembro estejam sendo formadas”. Em outro post tresloucado, naquele mesmo dia, ele acusou Biden de traição por supostamente “importar eleitores”.

Política externa

Musk também expressa livremente opiniões sobre política externa. Ecoando o padrão da linha trumpista, argumentou recentemente contra mandar mais ajuda americana à Ucrânia porque “não existe nenhuma maneira possível” da Rússia perder, e “prolongar a guerra não ajuda a Ucrânia”. (E permitir à Rússia a vencer ajuda a Ucrânia?) Em 2022, Musk lançou um “plano de paz” pró-Putin para pôr fim à guerra na Ucrânia que pretendia deixar a Crimeia com a Rússia e organizar referendos sobre o futuro das províncias ocupadas pelos russos.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Naquele mesmo ano, ele sugeriu transformar Taiwan em uma “zona administrativa especial” da China — um movimento que ocasionaria a destruição da democracia taiwanesa. Ainda que critique de maneira virulenta a censura “lacradora” dentro dos EUA, Musk silencia em relação à censura muito mais severa da China, assim como sobre outras violações de direitos humanos. Será sem dúvida apenas mera coincidência que a Tesla tem uma fábrica gigantesca em Xangai produzindo cerca da metade dos veículos que a empresa vende globalmente.

Musk certamente tem direito à liberdade de expressão, e muitas outras pessoas também promovem teorias conspiratórias racistas ou apoiam satisfazer ditadores. Mas Musk não é como a maioria das pessoas. Ele ocupa uma posição singular de influência sobre a geopolítica porque a SpaceX controla a maior constelação de satélites no mundo e uma rede internet de banda larga transmitida do espaço, a Starlink, que se tornou vital para operações militares e comerciais.

Musk pratica sua própria política externa: ele desligou a conexão via Starlink em torno da Crimeia porque quis dificultar para as forças ucranianas levar os combates até os ocupantes russos. E escreveu no X que não quis ser “cúmplice de um grande ato de guerra”. Recentemente, congressistas acusaram a SpaceX de desligar seu serviço Starshield — uma versão criptografada do Starlink usada por militares americanos — dentro e no entorno de Taiwan. A SpaceX nega a acusação.

Um problema para o governo

A função de Musk como fornecedor de equipamentos e serviços de defesa também torna seu comportamento pessoal um problema. O Wall Street Journal noticiou que ele usa LSD, cocaína, ecstasy, cogumelos e ketamina. Em resposta, Musk insistiu que nada foi detectado seus testes antidrogas e acrescentou, desafiadoramente: “Seja o que for que eu estiver fazendo, obviamente devo continuar a fazer!”.

Ucranianos próximos a uma antena de satélite da Starlink buscam conexão a internet em Kherson, Ucrânia, 13 de novembro de 2022.  Foto: Lynsey Addario / NYT

O tenente-coronel aposentado da Força Aérea James Clapper Jr, ex-diretor de inteligência nacional, disse-me que, “dadas suas relações com os chineses e o uso de drogas noticiado, eu consideraria conceder a Musk acesso a informações sigilosas arriscado e inconsistente com os padrões aplicados às pessoas ‘normais’”. Mas, apesar de tudo, Musk não só mantém seu acesso privilegiado, mas também controla duas capacidades vitais de segurança nacional: lançamentos espaciais e internet via satélite. No terceiro trimestre de 2023 a SpaceX lançou 519 espaçonaves, enquanto o restante do mundo lançou apenas 86.

Não há nenhuma alternativa viável à SpaceX neste momento; portanto agora as autoridades não têm escolha a não ser fazer vistas grossas ao comportamento errático e detestável de Musk. Mas existem muitos competidores no horizonte. A Amazon e a OneWeb estão lançando redes de internet de banda larga via satélite, e rivais da SpaceX no ramo dos lançamentos espaciais incluem United Launch Alliance, Arianespace, RocketLab, Firefly Aerospace, Relativity Space, Astra, ABL Space Systems e Blue Origin. (A Blue Origin e a Amazon foram fundadas pelo proprietário do Post, Jeff Bezos.) É imperativo que o governo estimule competição à SpaceX, mesmo que custe mais caro no curto prazo — para que a segurança nacional não siga refém das extravagâncias de Musk.

Há uma boa razão para donos de empresas contratadas pelo governo raramente se envolverem em controvérsias políticas: eles sabem que seus empreendimentos dependem deles manterem apoio tanto de democratas quanto de republicanos. Musk acha que as regras não se aplicam a ele. Até aqui não se aplicaram. Mas eventualmente ele aprenderá que pode ou aderir a visões que muitos americanos consideram abomináveis ou se beneficiar da generosidade pública. As duas coisas, não — pelo menos não indefinidamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Max Boot
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