REGIÃO DE DONETSK, UCRÂNIA — A posição de artilharia ucraniana mais próxima da batalha por Bakhmut está estacionada em uma linha de árvores sem folhas a cerca de 4 km do inimigo. Os combatentes têm aguentado semanas a fio disparando projéteis de 122 milímetros contra os russos, que pressionam para cercar a cidade. Se as forças avançarem mesmo apenas um pouco mais, os ucranianos terão de recuar suas armas simplesmente para que seus disparos não passem por cima da cabeça do inimigo, afirmou o comandante do batalhão de Kiev na terça-feira, 14.
“Se eles se aproximarem um pouco mais, nossas armas deixam de ser eficazes”, disse o comandante Oleksander, enquanto obuses ucranianos e sistemas de foguetes russos trocavam fogo sobre sua cabeça. A peça de artilharia que ele operava explodiu na neve, arremessando estilhaços contra o bunker coberto com troncos de árvores em que seus soldados vivem desde dezembro enquanto fumaça subia do invólucro de projétil que eles usam como chaminé.
“Hoje ainda estamos segurando eles, mas a coisa é muito dinâmica”, afirmou Oleksander, que é oficial da 128.ª Brigada de Assalto de Montanha. O Washington Post identificará o militar apenas pelo primeiro nome para proteger sua segurança. “Tudo pode mudar em um dia.”
Mas mesmo se os russos avançarem, eles não vão longe, afirmou Oleksander. Escavadeiras militares estão cavando novas linhas de trincheiras em uma colina a poucas centenas de metros de lá, mais a oeste.
Em todo o entorno dessa linha de frente os ucranianos se preparam para a possibilidade de a Rússia seguir com seu avanço gradual. É uma guerra medida em metros, não quilômetros — e em nenhum outro lugar isso fica mais aparente do que nos campos de inverno em volta de Bakhmut, que se tornou epicentro do esforço russo para recuperar ímpeto nesta invasão de quase um ano.
Qualquer recuo ucraniano tende a ser limitado, afirmam comandantes na região. Mesmo se as tropas ucranianas desistirem de sua feroz defesa de Bakhmut — um combate que tem assumido um valor mais simbólico do que estratégico, de acordo com especialistas militares — falta à Rússia soldados treinados e armamentos para avançar mais amplamente sobre a região de Donetsk.
Em vez disso, os russos provavelmente farão os ucranianos recuar para posições entrincheiradas que eles estão preparando em comunidades próximas, incluindo Chasiv Yar, Kramatorsk e Kostiantinivka, onde a briga por território continuará.
Isso já aconteceu antes. No meio do ano passado, forças russas tomaram nas imediações a cidade de Lisichansk, pouco depois da fronteira, na região de Luhansk, depois de castigá-la por semanas e chegaram até Liman, 58 quilômetros a oeste, em Donetsk. Mas os russos perderam Liman na contraofensiva da Ucrânia alguns meses depois. Bakhmut, o próximo grande alvo no plano de Moscou de conquistar todo o sudeste ucraniano, fica 60 km a oeste de Lisichansk e ainda não está firmemente sob controle russo após meses de combates.
Os soldados ali esperam que a mesma dinâmica excruciante continue, com a Rússia acionando principalmente conscritos sem treinamento contra as novas posições defensivas da Ucrânia, como faz nas ruas sangrentas de Bakhmut.
“Eles mandam 20 indivíduos por vez, e nós os impedimos”, afirmou Rostislav, comandante de duas posições de artilharia na área. “Depois vêm os soldados (do batalhão) Wagner, mais profissionais”, afirmou ele, referindo-se aos mercenários que têm liderado muitos dos ataques.
Atrás dele, duas de suas armas da era soviética, tanques 2S1 Gvozdika (o nome significa “cravo”), avançavam em uma colina, sempre em par, caso um dos veículos quebre e precise ser rebocado. Essas armas nasceram muito antes da maioria dos homens que as operam — 20 anos antes”, disse Rostislav, de 24 anos.
A guerra de Putin
A 128.ª foi trazida de Zaporizhzhia em dezembro para ajudar a compor a linha em Bakhmut por causa de sua taxa de precisão, de 70%, que a coloca entre as tropas de artilharia mais letais na Ucrânia.
As unidades estão concentrando fogo nas linhas em torno de Bakhmut e na crucial rodovia M03, uma das principais estradas na região. A 128.ª proveria cobertura para qualquer recuo ao longo da rodovia, uma possibilidade sobre a qual os soldados não gostam de conversar. Eles começaram a poupar os projéteis que ainda possuem conforme esperam a chegada de mais munição.
“Eles nos mandaram porque nós somos os melhores”, afirmou um sargento conhecido por seu codinome de comunicação por rádio, “Al-Kut”. “Nós conseguimos segurá-los, mas precisamos de munição e armas.”
A batalha por Bakhmut tem se tornado um grito de união entre os ucranianos, assim como um imperativo russo, à medida que ambos os lados se preparam para grandes ofensivas previstas para o segundo ano da guerra.
Azovstal
A Rússia está desesperada por uma vitória simbólica para reverter meses de derrotas humilhantes durante as contraofensivas ucranianas em Kharkiv e Kherson. Depois de atacar Bakhmut frontalmente por meses, as tropas russas conquistaram um a um pequenos vilarejos no norte, em uma tentativa de cercar a cidade.
Combatentes Wagner tomaram nas proximidades a cidade de mineração de sal Soledar em janeiro, obrigando a 128.ª a “fazer um pequeno desvio para o lado”, reconheceu Rostislav.
Os ucranianos, enquanto isso, louvam a defesa aguerrida de seus combatentes em Bakhmut como uma outra Batalha de Termópilas moderna, parecida com o episódio dos últimos soldados que se recusaram a entregar a siderúrgica de Azovstal, em Mariupol, por semanas antes dos russos tomarem a cidade, em maio.
Os combates mais recentes inspiraram memes, um grito de torcida (“Bakhmut resiste!”) e um hino pop que viralizou (“Fortaleza de Bakhmut; todas as nossas orações estão aqui”). O presidente Volodmir Zelenski, que fez uma visita surpresa à cidade em dezembro, assegurou que Bahkmut não cairá.
Apesar do fervor, soldados e civis por toda a linha de frente preparam-se para uma nova mudança.
Em um hospital de campanha a oeste da cidade, os médicos afirmaram que já consideram planos de contingência para se mudar, mesmo enquanto lidam com um aumento nas baixas dos combates em Bakhmut.
“A perna dele está dilacerada”, gritou um enfermeiro enquanto soldados entravam carregando uma maca pela porta da frente do que costumava ser a clínica do vilarejo. “Por aqui”, disse o médico Oleg Tokarchik, entrando de costas em uma pequena sala de cirurgia.
Enquanto a equipe de médicos e enfermeiros se apressava para estabilizar o enorme ferimento provocado por estilhaços que partiu o fêmur do soldado e destruiu a maior parte do tecido da coxa, um outro militar com ferimentos nos ombros recebia tratamento.
“Estávamos batendo em retirada quando eles nos atingiram”, afirmou o combatente, Oleksi, de 40 anos, relatando um ataque de artilharia próximo a Bakhmut. Ele digitou uma mensagem de texto para seus pais: “Tudo está bem aqui. Estava nevando, mas parou”.
Muitos dos que mandam mensagens para suas famílias nesta zona quentíssima de guerra mentem. Tokarchik, que é ortopedista pediátrico em sua vida civil, diz à sua mulher que está trabalhando em um hospital distante do front. “Se ficar mais perigoso aqui, teremos de nos mudar”, afirmou ele.
Eles já identificaram uma locação um pouco mais recuada, com bom acesso à estrada. Levará dois ou três dias para estabelecer a nova instalação médica.
Ao longo da mesma estrada, algumas das grandes operações comerciais do setor agrícola se movimentam. A Siversk Agro retirou equipamentos de processamento de grãos no domingo, de acordo com um funcionário solitário que guardava o armazém agora vazio.
E mais próximo do front em avanço, quatro combinações massivas de colheitadeiras se afastavam vagarosamente do pátio de maquinário da Bakhmut Agro, conforme o ruído dos bombardeiros ressoava sobre as colinas onduladas. Um foguete que não explodiu estava metido entre caules de girassol em um campo exaurido nas imediações.
A empresa, que cultiva mais de 5,7 mil hectares de milho, trigo e girassol, não comentou o que a fez deixar a região neste momento, nem seus planos para o futuro. “Estivemos retirando equipamento de nossos negócios agrícolas”, afirmou uma funcionária que não preferiu não se identificar.
O padre Marko Fedak, que permanece na região após testemunhar os vidros de sua igreja serem estilhaçados por bombas e a retirada de todos os seus paroquianos, exceto cinco, de seu vilarejo, Zvanivka, finalmente também decidiu fugir, pelo menos neste momento.
“Espero estar de volta para celebrar a missa da Páscoa aqui”, afirmou Fedak, que recolhia pedaços de madeira da cruz que tinha composto a representação da Décima Estação da Via Sacra antes de ser despedaçada por uma explosão, no dia anterior. “Se aqui ainda não estiver seguro, eu já preparei a papelada para me tornar capelão do Exército”, afirmou ele.
Os moradores daqui sabem que a linha de frente é fluida. Ganhos de ambos os lados podem não durar. Por meses, Fedak foi impedido pelos russos de viajar de carro para o norte, mas essa rota abriu depois que a Ucrânia retomou algumas regiões, em outubro.
Kostiantinivka, uma das cidades sob bombardeio mais intenso conforme os russos avançam para o oeste, perdeu uma de suas três linhas de abastecimento de água quando a Rússia tomou território próximo a Bila Hora. Mas a cidade recuperou uma fonte que após o Exército ucraniano libertar áreas ao norte de Sloviansk.
Essas idas e vindas dificultam a vida dos cidadãos que tentam se proteger sob a atual onda de bombardeios, mas ficam, na esperança de que as coisas melhorem. “Eles se preocupam com o que os russos podem fazer, mas também têm medo de deixar suas casas para trás”, afirmou Fedak sobre uma família em sua paróquia. Agora pode ser o momento de decidir. Os russos estão a pouco mais de 1 quilômetro de sua casa, afirmou ele, e se aproximam gradualmente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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