Confrontada por Trump, Dinamarca procura apoio dos vizinhos europeus

Primeira-ministra dinamarquesa encontra aliados para encontrar saídas a ameaças dos Estados Unidos de possuir a Groenlândia

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Por Steven Erlanger (The New York Times) e Lynsey Chutel (The New York Times)

Profundamente abalada pela insistência do presidente Trump de que ele quer adquirir a Groenlândia, a primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, se reuniu com lideranças europeias e da Otan em uma excursão relâmpago na terça feira, viajando para Berlim, Paris e Bruxelas para obter apoio público e discutir a melhor forma de responder às demandas repentinas de um dos aliados mais próximos da Dinamarca.

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Os dinamarqueses estão buscando solidariedade aliada enquanto, ao mesmo tempo, pedem a seus parceiros europeus na União Europeia e na Otan que não inflamem a situação e piorem as coisas antes que a estratégia de Trump fique clara, se ele tiver formulado uma.

“Frederiksen não quer entrar em uma luta individual com Donald Trump, porque ela perderá”, disse Ulrik Pram Grad, do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais. “Ela está tentando fazer com que os colegas se comprometam com o fato de que este não é apenas um problema dela, mas um problema para a Europa, caso tarifas sejam impostas” — referindo-se à ameaça de Trump de aplicar tarifas se não conseguir o que quer — “e um problema para a Otan, se um aliado ameaçar o território soberano de outro”.

Imagem do dia 28 mostra primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, ao lado do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, após encontro em Bruxelas. Frederiksen fez uma viagem pela Europa para se encontrar com aliados ante ameaças de Trump Foto: Mads Claus Rasmussen/AFP

Na segunda feira, pouco antes de Frederiksen partir em sua jornada, o governo dela anunciou que aumentaria os gastos militares no Atlântico Norte no equivalente a US$ 2 bilhões. Os novos gastos foram planejados há algum tempo, mas seu anúncio parece ter sido antecipado em resposta a Trump, disse Grad.

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Em apenas alguns dias desde o início do seu segundo mandato, Trump disse querer que os Estados Unidos assumissem o controle da Groenlândia como “uma necessidade absoluta” para a segurança ocidental e se recusou a descartar o uso de força militar ou econômica para tal fim.

Se Trump usar tarifas para pressionar a Dinamarca, a União Europeia poderia responder com suas próprias tarifas ou até mesmo usar um “instrumento anti-coerção” especial adotado em 2023, que oferece uma série de contramedidas. Mas essas foram pensadas como fator de dissuasão, e a Dinamarca e os europeus prefeririam muito mais algum tipo de acordo com Trump — embora um que não seja a entrega da sua soberania. Muitas autoridades europeias já estão comparando as exigências de Trump com a forma como o presidente Vladimir Putin, da Rússia, insistiu que a Ucrânia entregasse a Crimeia e outras quatro regiões.

A União Europeia está dividida, disse Fabian Zuleeg, presidente-executivo do Centro de Política Europeia em Bruxelas. “Haverá alguns países que apoiarão Trump não importa o que aconteça, dadas suas ideologias e um pouco de satisfação ao ver como as democracias liberais estão sob pressão”, disse ele. A viagem da primeira-ministra dinamarquesa foi mais uma questão de “fortalecer o apoio entre países com ideias semelhantes” e dentro da própria Otan.

Até agora, as ameaças de Trump são apenas verbais, observou Zuleeg. “Mas a Europa é vulnerável, porque a ameaça final sobre nossas cabeças é a retirada da garantia de segurança dos EUA”, o que é mais importante do que os interesses de um país, disse ele. “Então, suspeito que terá que haver um esforço para dar algo aos EUA, satisfazendo alguns dos interesses econômicos por trás desse pedido extremo, mas não a ponto de entregar a Groenlândia para os americanos.”

Quanto à Otan, ele disse, “isso vai minar a aliança, porque simplesmente não é uma maneira aceitável de interagir com aliados, e vai envenenar o poço em outros assuntos.”

Mas Washington continua sendo um ator dominante. “Como podemos dissuadir os Estados Unidos, o principal provedor de segurança?”, perguntou Leslie Vinjamuri, que lidera o Programa EUA e Américas na Chatham House, em Londres.

Devemos encarar o fato de que há sérios desafios em relação à segurança e defesa no Ártico e no Atlântico Norte

Troels Lund Poulsen, ministro da defesa da Dinamarca

Frederiksen e seu governo já ofereceram aos Estados Unidos a chance de trabalhar juntos para aumentar a segurança em torno da Groenlândia. Os novos gastos anunciados na segunda feira incluem três novos navios da marinha do Ártico para patrulhar as águas ao redor da Groenlândia e das Ilhas Faroé, e mais dois drones de longo alcance e satélites para melhorar a vigilância da área, de acordo com a declaração do governo anunciando os gastos. Também haverá treinamento para jovens groenlandeses “para assumir a responsabilidade pela prontidão”, disse a declaração.

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“Devemos encarar o fato de que há sérios desafios em relação à segurança e defesa no Ártico e no Atlântico Norte”, disse Troels Lund Poulsen, ministro da defesa da Dinamarca, na declaração.

Mas, como apontou Grad, do Instituto Dinamarquês, sob os acordos existentes de 1951, os Estados Unidos têm “soberania militar quase total sobre a Groenlândia”, onde já têm uma grande base militar. Tudo o que Washington precisa fazer para tomar algum tipo de ação é consultar a Dinamarca e a Groenlândia, que não teriam motivos para se opor, disse ele.

No sábado, o presidente do Comitê Militar da União Europeia, general Robert Brieger, disse ao jornal alemão Welt am Sonntag que “faria todo o sentido não apenas mobilizar forças dos EUA na Groenlândia, como é o caso atualmente, mas também considerar a mobilização de soldados da UE lá”.

Para a Otan, há uma questão estratégica legítima a ser discutida pelos aliados em relação à Groenlândia, disse Camille Grand, ex-oficial do alto escalão da Otan agora no Conselho Europeu de Relações Exteriores.

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Imagem do dia 13 mostra navios pesqueiros em um porto de Nuuk, capital da Groenlândia. Território é cobiçado pelos Estados Unidos Foto: Ivor Prickett/NYT

“Mas os dinamarqueses são os melhores aliados dos EUA, e sofreram sérias baixas no Iraque e no Afeganistão lutando ao lado dos Estados Unidos, e eles compram dos americanos”, disse ele. “É difícil encontrar um país mais transatlântico na Europa. Então, por que intimidar os dinamarqueses? Parece a Crimeia. Diremos que o comportamento de Putin é inaceitável e as pessoas responderão: “Mas e a Groenlândia?”

A Groenlândia, uma ilha gigantesca no Atlântico Norte e um território semiautônomo da Dinamarca, assumiu importância estratégica nos anos mais recentes conforme o gelo do Ártico derrete, abrindo rotas de navegação para negócios internacionais, navios de guerra e submarinos. Com cerca de 60.000 habitantes, a Groenlândia tem autonomia, mas a Dinamarca é responsável por sua política externa e de defesa.

A Groenlândia tem um forte movimento de independência que provavelmente se animará com o desafio de Trump à Dinamarca, mas não há indicação de que os groenlandeses desejariam entregar sua independência a Washington. Mas uma Groenlândia independente provavelmente desejaria uma forte relação econômica e de defesa com os Estados Unidos.

“Como governo, nosso trabalho não é entrar em pânico, e sim descobrir quais são as demandas reais”, disse Naaja Nathanielsen, ministra do comércio e da justiça da Groenlândia, à Agence France-Presse. “Se for uma questão de presença militar, os EUA estão aqui há 80 anos; não nos opomos a isso. Se for questão dos minerais, é um mercado aberto”, ela disse, referindo-se aos abundantes recursos naturais na Groenlândia.

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Mas “se for uma questão de expansionismo”, ela disse, “somos uma democracia, somos aliados e pedimos aos nossos aliados que respeitem nossas instituições”.

No fim de semana, Frederiksen se reuniu com seus aliados nórdicos — as lideranças da Finlândia, Suécia e Noruega. Todos, ela disse, “compartilharam a gravidade da situação”.

Em Berlim, na terça feira, após seu encontro com Frederiksen, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, falou da invasão da Ucrânia pela Rússia e disse em alemão que “as fronteiras não devem ser movidas à força”, acrescentando em inglês: “A quem possa interessar”. Ele enfatizou que “a Dinamarca e a Alemanha são amigas próximas”.

Em Paris, Frederiksen se reuniu com o presidente da França, Emmanuel Macron, e depois foi a Bruxelas para se encontrar com Mark Rutte, o secretário-geral da Otan.

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“A mensagem clara dos amigos nos países nórdicos e na Europa, e também fora da Europa, é que deve haver, é claro, respeito aos territórios e à soberania dos estados”, disse Frederiksen à emissora dinamarquesa TV2. “Isso é crucial para a comunidade internacional que construímos juntos desde a 2.ª Guerra.”

Seu ministro das Relações Exteriores, Lars Lokke Rasmussen, teve palavras mais duras na terça feira.

“Trump não terá a Groenlândia”, disse ele. “A Groenlândia é a Groenlândia. E o povo groenlandês é um povo, também no sentido do direito internacional.” Ele acrescentou: “É também por isso que dissemos repetidamente que, em última análise, é a Groenlândia que decide a situação da Groenlândia.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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