LIMA — O Congresso do Peru aprovou nesta quinta-feira, 4, um projeto de lei para prescrever os crimes contra a humanidade cometidos antes de 2002, o que beneficiará o ex-presidente Alberto Fujimori e 600 militares processados pelo período de maior violência política do país entre 1980 e 2000. O projeto vai à aprovação da presidência, apesar dos pedidos da Corte Interamericana de Direitos Humanos para paralisar o processo.
A iniciativa busca anular os processos por supostos crimes de guerra cometidos durante o conflito interno ou de “guerra contra o terrorismo”, segundo as autoridades, que deixou mais de 69 mil mortos e 21 mil desaparecidos entre 1980 e 2000.
A Comissão Permanente do Congresso, que substitui o plenário quando há recesso parlamentar, apoiou a proposta com 15 votos a favor e 12 contra. Agora, a presidente do Peru, Dina Boluarte, tem um prazo de até 10 dias para promulgar ou devolver ao Congresso o projeto de lei.
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O projeto provocou a condenação da Corte Interamericana diante do perigo de deixar impunes as execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados perpetrados pelas forças do Estado, que marcaram as décadas de 1980 e 1990. A norma permitirá a prescrição automática de cerca de 600 casos de supostos crimes de guerra investigados há mais de três décadas, segundo o Ministério Público.
O Peru reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI), que foi autorizado a intervir nos crimes mais graves de guerra e de lesa-humanidade cometidos depois de 2002, quando entrou em vigor no país o Estatuto de Roma.
Essa semana, a Corte Interamericana pediu ao governo peruano que não promulgassem “projeto de lei que dispõe a prescrição dos crimes de lesa-humanidade perpetrados no Peru”. Ao rejeitar essa afirmação, o govero de Boluarte disse que não se pode “impedir que os poderes do Estado peruano exerçam suas funções constitucionais”.
Fujimori, potencial beneficiado
A lei foi impulsionada com os votos do partido Fuerza Popular, liderado por Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que esteve preso entre 2007 e 2023 após ser condenado por crimes contra a humanidade e por ser o autor intelectual do assassinato de 25 peruanos em 1991 e 1992.
“O objetivo da lei é cortar os julgamentos e liberar quem foi sentenciado”, disse o congressista Fernando Rospigliosi, um dos promotores e membro do partido Fuerza Popular.
Segundo os promotores da lei, 36 militares presos recuperariam sua libertade sei a lei for promulgada. No entanto, a última palavra recairá aos juízes.
A Corte Interamericana solicitou ao Peru um relatório antes de 9 de agosto sobre os casos de crimes contra a humanidade julgados por esse tribunal, como o de Barrios Altos e La Cantuta. Neste caso, que se remonta a 1991 e a 1992, está envolvido o ex-presidente Fujimori, que poderia se beneficiar com o projeto em trâmite.
O ex-presidente, de 85 anos, cumpria pena de 25 anos de prisão por dois massacres de civis perpetrados pelo exército, quando foi libertado em 7 de dezembro de 2023 sob a proteção de um perdão humanitário, apesar da objeção da justiça interamericana. Ele esteve preso por 16 anos.
O seu advogado, Elio Riera, já anunciou que o seu cliente aproveitará a lei pendente do “caso Pativilca”, no qual está a ser processado como autor indireto pela morte, em 1992, às mãos dos militares, de seis camponeses suspeitos de ligações com a guerrilha.
Uma lei semelhante aprovada durante o governo do presidente Alan García (2006-2011) foi declarada inconstitucional um ano depois, em 2011, pelo Tribunal Constitucional.
‘Cortar julgamentos, libertar os sentenciados’
Os promotores da lei estimam que irão prescrever os crimes atribuídos a militares aposentados, como tortura, homicídio, desaparecimento forçado ocorridos durante a guerra contra as guerrilhas de Sendero e Luminoso e o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA).
“Há casos em que (o sistema de justiça) aplicou ilegalmente o crime contra a humanidade para justificar a pena com base em crimes prescritos, como desaparecimentos”, disse Rospigliosi, do Fuerza Popular.
O julgamento mais recente foi em agosto, quando a justiça peruana impôs a 18 militares aposentados entre 8 e 15 anos a prisão pela matança de 39 camponeses em Cayara, Ayacucho.
Segundo a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR), no conflito armado que viveu o Peru entre 1980 e 2000, morreram cerca de 69 mil pessoas, a maioria camponeses pobres da região dos Andes.
A Comissão responsabilizou a Sendero Luminoso de ser o principal perpetrador de violações aos direitos humanos, mas também acusou as forças de segurança que combateram a essa organização, de cometer crimes de lesa-humanidade.
Relatórios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o Ministério Público estimam 21 mil desaparecidos nesse período da guerra no Peru./AFP e AP.
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