CHRISTCHURCH, NOVA ZELÂNDIA - Ex-preparador físico em uma área rural da Austrália, Brenton Tarrant se apresenta como um homem branco comum da classe trabalhadora e parece ter mergulhado na ideologia neofascista durante suas viagens pela Europa. O australiano de 28 anos foi acusado neste sábado, 16, por um dos piores crimes já registrados na Nova Zelândia: o massacre de 49 pessoas em duas mesquitas de Christchurch.
Em sua breve aparição perante a corte desta cidade de South Island, ele fez um sinal com a mão reconhecido como um símbolo da supremacia branca. Aparentemente, ele não estava nos radares do serviço de inteligência da Nova Zelândia.
Brenton Tarrant cresceu na pequena cidade de Grafton, no norte do Estado australiano de New South Wales, onde se formou como preparador físico. A partir de 2009, ele trabalhou por um tempo em uma academia na cidade. O proprietário desse centro, Tracey Gray, se lembra dele como um funcionário dedicado que teria sido transformado após suas viagens pela Europa e Ásia.
As mensagens nas redes sociais sugerem que ele teria ido ao Paquistão e à Coreia do Norte.
Juventude sem escola
O próprio Tarrant admite que viajou para a França, Espanha e Portugal. O governo búlgaro também disse que estava investigando sua visita ao país em novembro. Não foi a primeira vez que o australiano viajou para o sudeste da Europa: em dezembro de 2016 esteve nos Balcãs, percorrendo de carro a Sérvia, a Croácia, Montenegro e a Bósnia-Herzegovina.
As autoridades turcas alegaram, por sua vez, que ele esteve várias vezes na Turquia. "Eu acho que ele mudou durante os anos em que viajou para o exterior", declarou Gray à emissora pública australiana ABC. "As experiências vividas, ou o encontro com algum grupo, o transformaram em um dado momento." Essa hipótese parece ser apoiada pelo manifesto de 74 páginas cheio de referências a personagens da história militar publicado pelo agressor antes do início do massacre.
No texto, ele explica que planejava cometer um primeiro ataque em abril ou maio de 2017, durante uma viagem à França e à Europa Ocidental. Tarrant diz estar chocado com a "invasão" de imigrantes nas cidades francesas e fala sobre "desespero" que sentiu após a vitória nas eleições presidenciais francesas de Emmanuel Macron contra a candidata da direita Marine Le Pen. O documento, intitulado "A Grande Substituição", afirma que Tarrant queria atacar os muçulmanos.
O título parece se referir a uma tese do escritor francês Renaud Camus sobre o desaparecimento dos "povos europeus", "substituídos", de acordo com ele, por populações imigrantes não europeias. Esta teoria está ganhando terreno entre os círculos da extrema direita.
Em um pequeno texto autobiográfico lançado ao lado do manifesto, Brenton Tarrant apresenta-se como "um homem branco comum nascido na Austrália em uma família de classe trabalhadora de baixa renda", e descreve sua juventude como "normal". Foi aprovado com dificuldade no instituto em que se formou, mas alega não ter vontade de continuar estudando.
Breivik e Mosley
Vários meios de comunicação informaram que seu pai morreu de câncer em 2010, e Tracey Gray acredita que sua mãe e irmã ainda estão vivendo em Grafton. Tarrant parou de trabalhar na academia em 2011. Segundo ele, financiou suas viagens investindo na Bitconnect, uma criptomoeda que entrou em colapso no início de 2018, supostamente com base em um esquema de pirâmide.
Em seu massacre de sexta-feira, usou cinco armas, duas delas semiautomáticas modificadas - aparentemente um AR-15 - e dois rifles. Nas fotos deste arsenal espalhadas nas redes sociais, é possível ver claramente inscrições feitas nas armas, em inglês e em outras línguas da Europa Oriental. São referências a grandes figuras históricas militares, incluindo muitos europeus que lutaram contra os otomanos nos séculos 15 e 16.
Em seu manifesto, Tarrant cita vários autores de ataques racistas ou de extrema direita, especialmente o norueguês Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em julho de 2011. Ele diz que manteve um "breve contato" com Breivik.
Ao longo do documento, se proclama "racista" e "fascista". Ele também afirma que Oswald Mosley, fundador em 1932 da União Britânica de Fascistas, é "a pessoa mais próxima" de suas crenças. / AFP
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