Quando o vice-presidente americano J.D. Vance criticou seus anfitriões alemães na semana passada por marginalizar partidos de extrema direita, ele não mencionou o nome da Alternativa para a Alemanha, conhecida como AfD.
Mas, logo após seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, na qual ele surpreendeu a sala ao comparar a democracia na Europa de hoje ao totalitarismo da era soviética, Vance se encontrou com Alice Weidel, a líder da AfD.
Uma ex-analista de investimentos que está criando na Suíça dois filhos com sua mulher nascida no Sri Lanka, Weidel, 46 anos, se tornou o rosto improvável da AfD. Seu partido nacionalista faz campanha em uma plataforma que é anti-imigrante e define a família como um pai e uma mãe criando filhos.

Uma favorita do novo governo americano, recebendo um endosso de Elon Musk, ela tem sido essencial para o esforço da AfD para entrar no mainstream, ajudando a impulsionar o partido para um confortável segundo lugar antes da eleição nacional de domingo.
Weidel, cujos suéteres de gola alta ou camisas de colarinho aberto e colares de pérolas se tornaram sua marca, emprestou uma imagem mais cosmopolita a um partido que foi ligado a neonazistas e conspirações para derrubar o estado.
Mas a AfD dela não é menos extrema. “Com Alice Weidel no comando, a AfD se tornou cada vez mais radical”, disse Ann-Katrin Müller, especialista na AfD que escreve para o Der Spiegel, um dos veículos de notícias mais importantes da Alemanha.
A AfD está bem à frente dos social-democratas de centro-esquerda do atual chanceler, Olaf Scholz, e atrás dos democratas-cristãos conservadores de Friedrich Merz, o favorito para ser o próximo chanceler. Na pesquisas de boca de urna após a votação deste domingo, 23, o CDU de Friedrich Merz aparece em primeiro lugar, com 29% dos votos; e em segundo lugar está o AfD e Alice Weidel, com 19,5%. É o melhor resultado para a extrema direita alemã desde a Segunda Guerra Mundial.
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Esses partidos insistem que nunca fariam parceria com o partido de Weidel para formar um governo. Mas o mais recente sucesso de Weidel em apresentar a AfD como apenas mais um partido veio no domingo, quando ela se juntou a um debate televisionado com seus rivais tradicionais, que também incluíam Robert Habeck, concorrendo pelos Verdes.
O desempenho de Weidel foi amplamente considerado irregular, mas, mesmo assim, ela saiu do evento como vencedora — foi a primeira vez que a AfD foi convidada para um debate como esse, assistido por milhões de eleitores. Em um ponto da campanha, as pesquisas a classificaram como a candidata a chanceler mais popular, entre todos os partidos.
Mas, se o ar professoral e a história pessoal de Weidel sugerem um abrandamento da linha do partido, sua linguagem não sugere isso. Ela prometeu derrubar turbinas eólicas e demitir professores de estudos de gênero. Ela falou sobre “remigração”, um termo usado pela extrema direita que é amplamente interpretado como código para deportações.
“Deixe absolutamente claro para o mundo inteiro: as fronteiras alemãs estão fechadas”, ela disse a uma multidão animada quando a AfD a nomeou oficialmente como sua candidata no mês passado.

Weidel se recusou a falar com a reportagem para este artigo. Em entrevistas com a mídia alemã, ela tem sido alternadamente charmosa e mordaz.
Ela tem se recusado consistentemente a se distanciar dos membros mais extremistas de seu partido, alguns dos quais minimizaram o Holocausto e o passado nazista da Alemanha.
“Ela e as pessoas por trás dela agora dominam o partido, e são ideologicamente muito próximas de Björn Höcke”, disse Müller, referindo-se a um líder estadual da AfD que foi multado por um tribunal por usar linguagem nazista.
No domingo, Weidel disse ao Bild, o maior tabloide da Alemanha, que colocaria Höcke em seu gabinete se ela se tornasse chanceler.
Weidel cresceu em uma família católica de classe média em Harsewinkel, uma cidade na Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país, com dois irmãos e um dachshund. O pai era vendedor e a mãe, dona de casa.
Seu avô era membro do partido nazista e foi nomeado juiz militar na Varsóvia ocupada, informou o Die Welt, um diário conservador. Weidel respondeu que não conhecia seu avô, que morreu quando ela tinha 6 anos, e que o passado nazista nunca foi um tópico de discussão em sua família.

Enquanto terminava um doutorado em economia na Baviera, ela passou um tempo na China. Segundo seu próprio relato, ela aprendeu mandarim. Mais tarde, trabalhou no Credit Suisse e no Goldman Sachs como analista. Em entrevistas com a mídia alemã, ela falou sobre seu amor pelo feng shui, natação e tênis quando era menina.
Oficialmente, ela divide o tempo entre sua casa em uma pequena cidade no centro da Suíça e uma casa em seu distrito eleitoral no Lago Constança, no sul da Alemanha. Mas Weidel admitiu que não passa muito tempo no endereço alemão.
Ela diz que isso ocorre por questões de segurança. Apesar dos ganhos de seu partido, ela continua sendo um para-raios de indignação pública em um país onde a maioria dos alemães acredita que a AfD deve ser evitada.
Sua ausência da Alemanha se tornou um assunto delicado para a líder de um partido nacionalista. Ela abandonou uma entrevista transmitida esta semana por uma emissora pública quando perguntaram a ela quantas noites havia dormido em seu endereço alemão. Na mesma entrevista, ela admitiu que não sabia quantas pessoas viviam no distrito que ela representa como membro do Parlamento.

Em novembro, Weidel disse a um grupo de líderes empresariais em Zurique que sua situação de segurança havia se tornado tão difícil que era difícil até mesmo sair espontaneamente para dançar ou jantar com sua mulher, a cineasta Sarah Bossard.
“Sou incrivelmente grata à minha mulher por aguentar isso”, disse ela. Apesar de ter sido questionada muitas vezes, Weidel se recusa a explicar como ela concilia a aparente contradição entre sua vida pessoal e a visão de sociedade que seu partido representa.
“Eu não sou queer”, Weidel disse a um entrevistador neste verão, usando a palavra em inglês, “mas sou casada com uma mulher que conheço há 20 anos”, ela disse.
Especialistas dizem que o fato de a vida pessoal de Weidel desafiar a ortodoxia do partido na verdade aumenta sua reivindicação de carregar a bandeira da AfD, e faz o partido parecer mais popular.
“Weidel se tornou o rosto do partido por causa de sua biografia e sua formação, e também por causa de sua capacidade de falar claramente, mesmo que sem muita empatia”, disse Werner Patzelt, um cientista político que estuda a AfD há muito tempo.
Weidel se juntou à AfD em 2013, quando era praticamente um partido de uma única questão, construído em oposição à moeda europeia comum, antes de trabalhar até se tornar sua candidata a chanceler — a primeira do partido.
Parcialmente porque ninguém trabalha com seu partido, ela nunca ocupou um cargo governamental antes. Foi eleita para o Parlamento pela primeira vez em 2017.
Mesmo antes de seu novo papel de destaque, ela era uma presença constante em programas de debate político na televisão alemã. Ela argumenta que seu partido é libertário, não nacionalista de direita, uma posição que a coloca em desacordo com alguns dos membros mais fervorosos da AfD.
Seu inglês fluente a ajudou a construir um relacionamento com Musk, o conselheiro bilionário do presidente americano Donald Trump, que entrevistou Weidel em sua plataforma de mídia social X.
Musk surpreendeu o partido em dezembro quando foi transmitido para uma tela grande, em um evento de campanha em Halle, onde endossou a AfD e disse aos membros reunidos que os alemães tinham “muito foco na culpa pelo passado”.
O próprio Musk gerou polêmica ao fazer o que foi amplamente interpretado como uma saudação nazista a um comício de apoiadores após a posse de Trump.
Ao longo da entrevista X, Musk retratou Weidel como “uma pessoa muito razoável” e distanciou ela e a AfD dos nazistas.
Apesar dos esforços para minimizar as associações com o passado nazista, parece que alguns fiéis do partido não captaram a mensagem.
Quando Weidel subiu ao palco em Halle, a multidão começou um canto que era uma brincadeira não muito sutil com um slogan nazista, “Tudo para a Alemanha”, uma frase que já foi esculpida nas facas dos soldados. É proibida na Alemanha.
A multidão o alterou levemente. “Alice para a Alemanha!”, eles gritavam. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL