Às 5 da manhã de 24 de fevereiro de 2022, Sunday Adelaja acordou com o som de explosões. O nigeriano de 57 anos estava morando em Irpin, nos arredores de Kiev, perto de um aeroporto militar. A invasão brutal da Ucrânia pela Rússia estava começando. Adelaja reuniu rapidamente sua mulher, quatro estudantes que estavam com eles e uma mochila. Eles pegaram um carro e seguiram o mais rápido que puderam para a fronteira polonesa.
O fundador de uma das maiores igrejas evangélicas da Europa, a Embaixada do Reino Abençoado de Deus para Todas as Nações (“Embaixada de Deus”), diz que tinha um bom motivo para correr. Sua rede pentecostal tinha sua sede na Ucrânia, por mais improvável que isso fosse. Seria de se imaginar que um nigeriano exuberante, policromático e dado a transes de fervor religioso teria dificuldade para atrair um rebanho em um país com uma tradição ortodoxa de mais de 1.000 anos. No entanto, com seu entusiasmo evangélico e espírito pró-ocidental e positivo, a igreja de Adelaja tinha 100.000 fiéis na Ucrânia e talvez milhões a mais no mundo todo.
Ele se tornou uma celebridade local, mas também irritou reacionários na Ucrânia e na Rússia. No dia da invasão, ele disse que foi avisado pelo governo em Kiev de que estava em uma lista russa de perseguidos. “[A luta contra] Putin era minha luta pessoal”, ele diz. “Tornou-se a luta do mundo.”
Mas os críticos alegam que Adelaja estava escapando da justiça. Mais de uma década atrás, ele foi acusado pelas autoridades ucranianas de envolvimento em um esquema de pirâmide que roubou seu rebanho. As vítimas do esquema dizem que ele usou sua influência para convencê-las a investir e usou o caos da guerra para escapar. Adelaja, que nunca foi considerado culpado de nenhum crime e cujos casos já perscreveram, diz que não fez nada de errado. Ele acredita que as alegações eram parte de uma vingança contra ele orquestrada por poderosos inimigos políticos.
É coisa de Hollywood — ou Nollywood, como a indústria cinematográfica da Nigéria é conhecida. A história de Adelaja, da miséria à riqueza, é surpreendente. Mas sua vida também é emblemática de tendências mais amplas: a ascensão global do pentecostalismo e sua potente vertente nigeriana; o papel da religião em países que emergem de traumas; a maneira como os políticos usam a fé para seus próprios fins; e o imenso poder que os pregadores carismáticos têm sobre suas congregações, especialmente em tempos turbulentos.
O evangelho da prosperidade encontra o vazio espiritual
Idomila, a vila onde Adelaja cresceu, era “pobre até mesmo para os padrões nigerianos”, relembra Tai Adelaja, um de seus tios. Para sobreviver, o jovem Sunday vendia lenha. Ainda hoje ele arregaça as pernas das calças para revelar cicatrizes de quando procurava gravetos.
Mas ele ganhou uma bolsa para cursar uma universidade na União Soviética, como mais de 50.000 outros africanos durante a Guerra Fria. Antes de partir, ele teve uma “experiência sobrenatural” ao assistir a um pregador evangélico na TV. Em uma entrevista recente em Bruxelas, capital da Bélgica, onde recebeu refúgio, Adelaja fechou os olhos e lembrou com entusiasmo como ele “sentiu como se houvesse uma grande luz chegando, e essa luz... vinha de dentro de mim”.
Quando chegou a Moscou, ele ficou animado ao ver “igrejas grandes, bonitas e douradas”, mas lhe disseram que, sob o comunismo ateu, esses edifícios eram apenas museus. Ele ficou chocado com a tristeza econômica. A Nigéria teve carros Lada nas décadas de 1960 e 1970, ele observa, mas, na década de 1980, tinha “Mercedes e Volkswagen”.
Adelaja foi enviado para Minsk, onde estudou jornalismo. Na capital de Belarus, havia uma “mini-África” de estudantes, lembra Martin Ocholi, um contemporâneo queniano. Adelaja dirigia grupos clandestinos de estudo da Bíblia. Ele era “disciplinado”, “inteligente” e “extremamente determinado”. Ele também festejava menos do que alguns.
Ser africano ajudou: muitos veem a África como o último bastião da espiritualidade
Em 1993, Adelaja mudou-se para a Ucrânia, que havia votado esmagadoramente pela independência dois anos antes. Ele conseguiu um emprego em uma estação de TV, tornando-se possivelmente o primeiro correspondente negro nas telas ucranianas. Logo ele estava apresentando um programa de religião. Ele misturou o proselitismo no ar com trabalho de base, construindo uma nova igreja. Catherine Wanner, da Universidade Penn State, especialista em religião na Ucrânia, viu Adelaja pela primeira vez em uma estação de metrô em Kiev, onde ele estava pregando o Evangelho literalmente no subsolo. Na década de 2000, Adelaja tinha uma das maiores redes de igrejas da Europa, incluindo uma megaigreja em Kiev que às vezes atraía 25.000 fiéis em um domingo.
Adelaja estava na confluência de duas tendências. A primeira foi a ascensão global do pentecostalismo, uma forma de evangelicismo que enfatiza as conexões pessoais com Deus. O número de evangélicos pentecostais aumentou 12 vezes desde 1970, de 58 milhões para 683 milhões, entre uma população cristã total de 2,5 bilhões, de acordo com o banco de dados Status of Global Christianity. Em países em desenvolvimento como Brasil e Nigéria, sua ênfase no “evangelho da prosperidade”, a ideia de que Deus quer que você seja rico, tornou-a uma alternativa atraente às igrejas que prometem recompensas apenas na vida após a morte.
O pentecostalismo explodiu na Nigéria na década de 1980 “em um momento de profunda crise social” após a guerra civil do país, diz Ebenezer Obadare, autor de “Pentecostal Republic”. Então, quando uma queda no preço do petróleo levou muitos nigerianos a imigrar, eles levaram sua fé com eles.
No entanto, a congregação de Adelaja era composta por ucranianos e russos, e não nigerianos da diáspora. E esse cenário improvável dependia da segunda tendência, as consequências do colapso da União Soviética. Na Ucrânia, na década de 1990, “Houve muito choque, mas não muita terapia”, diz Wanner. Aviões cheios de missionários americanos chegaram para preencher o vazio espiritual. A igreja de Adelaja ofereceu uma “instituição total” em um momento de hiperinflação, colapso do estado e abuso desenfreado de substâncias. A Embaixada de Deus administrava cozinhas comunitárias e pregava a viciados em drogas e prostitutas. Natasha Potopaeva, uma das primeiras integrantes, diz que se juntou à igreja para obter ajuda com seu alcoolismo. “Era um tabu. Não se podia procurar a igreja ortodoxa.”
Sua igreja administrava cozinhas comunitárias e pregava a viciados. Além disso, era tudo divertido
Yuriy Demidenko, outro membro da congregação, diz que seus amigos racistas perguntaram o que Adelaja poderia ensinar a eles “Se ele estava apenas... comendo bananas ontem.” Mas ser africano deu a Adelaja uma vantagem única. “Ele foi bem-sucedido... precisamente porque é negro”, argumenta Obadare. “Pode haver uma sensação de que a África é o último bastião do espiritual, enquanto o resto do mundo está sucumbindo à decadência.”
E sua igreja era divertida. Adelaja gritava ao entoar as escrituras e realizava “milagres” com uma trilha sonora gospel-rock. Outra integrante da congregação diz que estava congelando quando foi à igreja pela primeira vez. “Mas o pastor Sunday entrou e tirou o casaco... correndo de uma ponta a outra do corredor... quando ele tirou o terno, percebi que ele estava... encharcado de suor.”
Conforme crescia, a igreja se tornou influente. Políticos como Yulia Tymoshenko, duas vezes primeira-ministra do país, compareciam aos cultos. Em 2004, a igreja teve um papel na Revolução Laranja, os protestos que anularam uma eleição fraudada e ajudaram a levar Viktor Yushchenko, um candidato pró-Ocidente, à presidência em 2005. Yushchenko enviou uma fotografia emoldurada de si mesmo para Adelaja como forma de agradecimento.
Em 2006, Leonid Chernovetsky, um oligarca e um dos membros do rebanho de Adelaja, tornou-se prefeito de Kiev. Adelaja afirma que a maioria do conselho municipal e 50 parlamentares também estavam associados à igreja. “Eles estavam começando a mudar o tecido social da cidade”, diz Wanner. O individualismo de botas da igreja e a aceitação de todos os tipos, incluindo criminosos e minorias étnicas, ofereciam um contraste ao conservadorismo à luz de velas de seus rivais ortodoxos.
O sucesso trouxe inimigos. “Ontem ele estava balançando nas árvores, e agora ele está aqui ensinando pessoas com mil anos de cultura cristã”, reclamou um patriarca ortodoxo. No final da década de 1990, o departamento de saúde investigou se a igreja estava abusando psicologicamente de sua congregação (não encontrou evidências). No parlamento, os parlamentares fulminaram sobre a influência de Adelaja.
Na Rússia, a reação foi ainda mais feroz. “Não há dúvida de que eles são uma ferramenta dos Estados Unidos”, disse um parlamentar russo ao Wall Street Journal. Em 2006, Adelaja foi impedido de entrar no aeroporto de Moscou, apesar de ter sido convidado para um programa de bate-papo chamado “Deixa falar”. O programa foi ao ar de qualquer maneira, e insinuou que Adelaja era satanista. A maioria de suas filiais russas foi fechada.
Adelaja diz que foi a maior proeminência política da igreja e seus vínculos com Chernovetsky que levaram às suas subsequentes dificuldades jurídicas. Em 2008, investigadores ucranianos o acusaram de envolvimento em um suposto esquema de pirâmide chamado King’s Capital, que foi fundado por membros de sua igreja. Segundo a polícia, o esquema fraudou mais de 600 pessoas. A polícia alegou que Adelaja organizou fraudes para “se apropriar ilegalmente de fundos de cidadãos em quantias particularmente altas”.
“Ele era incrivelmente carismático; nunca pensamos que o pastor poderia nos trair”, diz Nadia Zaniuk, uma vítima do esquema. Os serviços de Adelaja incluíam promoções para a King’s Capital, ela diz. “Sunday colocou as coisas desta forma: quem fizesse parte da King’s Capital era bem-sucedido; se não, você era um perdedor”, lembra Nadia.
Em 2008, Zaniuk usou seu apartamento como garantia para obter um empréstimo, que ela investiu na King’s Capital. Ela diz que lhe foi prometido que seus reembolsos ao banco seriam cobertos. Quando a empresa faliu, ela ficou com uma dívida paralisante. Ela tentou processar o banco alegando que foi fraudada, mas não teve sucesso. “Apenas cerca de sete de nós ainda estamos lutando; o resto desistiu”, diz ela.
Saiba mais
Nataliya Bogutska, outra vítima, diz que na igreja Adelaja convidava aqueles que tinham investido na King’s Capital para o palco. Ele desafiava aqueles que não tinham investido a se levantarem e enfatizava que eles precisavam investir para prosperar. Ela se arriscou, investindo o equivalente a US$ 75.000 na King’s Capital e outros esquemas promovidos pela igreja. “Lembro-me de como Sunday nos disse para não nos preocuparmos, pois ele era um milionário e poderia resolver todas as nossas dificuldades.”
No entanto, Adelaja insiste que não fez nada de errado. Ele diz que as acusações foram motivadas por rivais de Chernovetsky tentando atingir o prefeito por meio dele. Ele argumenta que, se tivesse promovido a King’s Capital, toda a sua igreja de 25.000 pessoas teria se inscrito. Ele diz que sabia muito pouco sobre o esquema. Quanto às vítimas, ele diz que para cada pessoa que diz que ele estava envolvido, há 100 que dirão o oposto. “Se eu tivesse feito isso, não estaria vivendo como um refugiado aqui [em Bruxelas]. Estaria vivendo como alguém que tem dinheiro.” Ele alega que sua mulher investiu e perdeu dinheiro na King’s Capital.
Legalmente, um tribunal considerou em 2023 que o caso prescreveu (embora um advogado próximo ao caso diga que as autoridades estão tentando recorrer dessa decisão). O pastor nunca foi condenado por qualquer crime.
Ainda assim, as alegações cobraram seu preço. A filiação à igreja caiu, filiais foram fechadas e planos ambiciosos de expansão para o exterior foram cancelados. Durante a década de 2010, Adelaja era uma figura menor. Ele concordou em não deixar a Ucrânia, permanecendo lá durante todo o período de 2008-19. Ele passou menos tempo pregando e mais escrevendo livros (publicou dezenas, incluindo “Crie seu próprio patrimônio” e “Onde há problema, há dinheiro”) e fazendo vídeos no YouTube.
De volta à África
Quando este correspondente o localizou, Adelaja estava morando na úmida, pacífica e séria Bruxelas. Ele diz que ele e sua mulher viveram em mais de uma dezena de apartamentos desde que chegaram em 2022.
Se ele quer voltar para a Ucrânia? Uma vez, para entregar a igreja a outros pastores, diz. Mas não para ficar. Sua casa foi saqueada e destruída por tropas russas. Para Adelaja, isso é prova de que eles estavam procurando por ele (o serviço de inteligência da Ucrânia não respondeu aos pedidos de comentário). Para Wanner, a acadêmica, a ideia de que um pastor nigeriano estaria em uma lista russa de perseguidos não é ridícula. “Ele estava no topo da lista? Duvido. Mas ele poderia estar na lista.”
A igreja, como a maioria das coisas na Ucrânia, foi abalada pela guerra. “Muitos de nosso povo foram mortos”, diz um membro da congregação. Mas as filiais ainda funcionam. Todas as noites há orações online.
Os pensamentos de Adelaja se voltaram para o continente onde nasceu. Ele disse à Economist que quer voltar e “dar minha vida para garantir que possamos dar a cada criança africana uma chance na vida”. Ele enviou um vídeo de si mesmo falando para um grande grupo de crianças em uma escola na República do Congo, onde ele lhes diz, por meio de um tradutor francês usando um megafone, que “Antes de ser europeu, eu era africano. Eu vivia como vocês.”
Adelaja pode querer educar os africanos a respeito da Rússia, que espalha desinformação antiocidental por todo o continente? Sim, ele diz. Eles precisam saber do “espírito imperialista” de Putin. Mas sua principal razão para querer retornar é porque ele sente que outros pentecostais estão decepcionando a África. No início deste ano, a BBC revelou que T.B. Joshua, um megapastor nigeriano morto em 2021, estuprou, torturou e abusou de seguidores ao longo de duas décadas. “Quando vi o que eles estão fazendo na África, tive vontade de chorar.”
Adelaja certamente se destacará menos na Nigéria do que na Ucrânia. Mas ele não tem falta de fé em Deus — ou em si mesmo. O Senhor lhe deu “a audácia [de] imaginar coisas inimagináveis”, ele reflete. E tendo desafiado grandes probabilidades para ascender da pobreza rural na Nigéria à fama (e notoriedade) na Ucrânia, retornar à África é provavelmente mais fácil do que a jornada que ele começou há quase 40 anos. Mesmo que, como ele diz, “eu seja mais ucraniano do que africano agora”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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