NOVA YORK - O Conselho de Segurança da ONU votou nesta segunda-feira, 2, por enviar uma missão internacional para o Haiti, mais de seis anos depois do fim da Minustah, missão de paz que era comanda pelo Brasil e terminou com escândalos de abuso sexual e introdução da cólera no país. Desta vez, as forças multinacionais serão lideradas pelo Quênia e era solicitada desde o ano passado pelo país caribenho, que enfrenta uma violência crescente.
A resolução elaborada pelos Estados Unidos foi aprovada com 13 votos a favor e duas abstenções, sendo da Rússia e da China. A decisão autoriza o destacamento da missão por um ano, com revisão após nove meses.
A missão de segurança deve proteger infraestruturas críticas, como aeroportos, portos, escolas, hospitais e principais cruzamentos de tráfego no país, e realizar “operações direcionadas” juntamente com a Polícia Nacional Haitiana.
A data de envio não foi definida, embora o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, tenha dito recentemente que uma missão de segurança ao Haiti poderia ser enviada “dentro de meses”. Por outro lado, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Quênia, Alfred Mutua, disse à BBC que a missão deve estar no Haiti até 1 de Janeiro de 2024, “se não antes disso”.
Não ficou imediatamente claro quão grande seria a força. O governo do Quénia propôs anteriormente o envio de 1.000 agentes policiais. Além disso, a Jamaica, as Bahamas e Antígua e Barbuda também se comprometeram a enviar pessoal.
No mês passado, a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu fornecer logística e US$ 100 milhões (R$ 506 milhões) para apoiar a força liderada pelo Quênia.
Abstenções de Rússia e China
A aprovação da resolução marcou um momento cada vez mais raro em que o Conselho conseguiu agir. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, as divisões entre os seus cinco membros permanentes, cada um com poder de veto, impediram o Conselho de aprovar resoluções e tomar medidas.
A Rússia e a China abstiveram-se, o que sugeriu que nenhum dos países endossou a resolução, mas não iria bloquear a sua aprovação. Diplomatas disseram que as negociações com os dois países foram tensas durante várias semanas, com o texto sendo reescrito várias vezes, mas que finalmente foi alcançado um consenso.
O representante da Federação Russa, Vassili Nebenzia, disse não ter quaisquer objeções de princípio à resolução, mas disse que enviar uma força armada a um país mesmo a seu pedido “é uma medida extrema que deve ser pensada”. Segundo ele, vários dos pedidos por mais detalhes, incluindo o uso da força e quando ela seria retirada, ficaram sem resposta e criticou o que disse ter sido uma decisão precipitada. “Autorizar outro uso da força no Haiti é míope sem os detalhes solicitados pela Federação Russa”, disse ele.
O representante da China, Zhang Jun, disse esperar que os países que lideram a missão realizem consultas aprofundadas com as autoridades haitianas sobre o envio da missão de segurança, acrescentando que um “governo legítimo, eficaz e responsável” precisa estar em vigor no Haiti para qualquer resolução tenha efeito. Ele também disse que a resolução não contém um cronograma viável ou confiável para o envio da força.
A ideia de o Conselho de Segurança enviar uma força multinacional para o Haiti foi proposta por António Guterres, secretário-geral da ONU, na sequência do colapso da ordem no país e de gangues tomarem portos e depósitos de combustível, disse o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.
Ecos da Minustah
A intervenção internacional no Haiti tem uma história complicada. Uma missão de estabilização ao Haiti aprovada pela ONU, iniciada em junho de 2004, foi marcada por um escândalo de abuso sexual e pela introdução da cólera. A Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, na sigla em francês) foi liderada pelo Brasil e terminou em outubro de 2017.
Desde o início de seu novo mandato, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se mostrava resistente a uma nova missão no país. O Brasil ocupa um dos assentos rotativos do Conselho de Segurança até o fim deste ano, e este mês preside o órgão.
Após a aprovação da resolução, o porta-voz da ONU acrescentou que os países que enviarem polícias ou outras forças de segurança para o Haiti serão responsabilizados pelas ações das suas tropas e devem garantir que cumprem os mais elevados padrões de direitos humanos e conduta.
Os críticos da missão liderada pelo Quênia notaram que a polícia do país da África Oriental é há muito acusada de usar tortura, força letal e outros abusos. Altos funcionários quenianos visitaram o Haiti em agosto, no âmbito de uma missão de reconhecimento, enquanto os EUA trabalhavam num projeto de resolução.
Violência no Haiti
A votação ocorre quase um ano depois de o primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, e 18 altos funcionários do governo terem solicitado o envio imediato de uma força armada estrangeira, enquanto o governo lutava para controlar gangues em meio a um aumento de assassinatos, estupros e sequestros.
Quase 3.000 pessoas foram mortas no Haiti entre outubro do ano passado e junho, quando gangues tomaram conta de grandes áreas do país, especialmente Porto Príncipe, a capital, segundo as Nações Unidas. Muitos bairros foram esvaziados à medida que as pessoas fugiam de assassinatos, sequestros e extorsões generalizados. Mais de 950 pessoas foram sequestradas e outras 902 feridas, de acordo com as estatísticas mais recentes da ONU.
As gangues alinhadas com os partidos políticos reforçaram o seu controle sobre o país desde o assassinato do Presidente Jovenel Moïse em 2021. Há anos que não se realizam eleições municipais, legislativas ou parlamentares no país, criando um vazio de poder./AP e NYT
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