Controles da covid na China podem durar mais que vírus

Tecnologia criada para controlar vacinação e casos da doença é usada contra dissidência

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Por Chris Buckley, Vivian Wang e Keith Bradsher

A polícia alertara Xie Yang, advogado de direitos humanos, para não ir a Xangai visitar a mãe de um dissidente. Mas, mesmo assim, ele seguiu para o aeroporto. O aplicativo de código de saúde de seu celular – um passaporte digital que indica possível exposição ao coronavírus – estava verde, o que significava que ele podia viajar. Sua cidade natal, Changsha, não tinha casos de covid-19 e ele não saía de casa havia semanas. Mas então seu aplicativo ficou vermelho, sinalizando-o como pessoa de alto risco. A segurança do aeroporto tentou colocá-lo em quarentena, mas ele resistiu. Xie acusou as autoridades de interferirem em seu código de saúde para impedi-lo de viajar. “O Partido Comunista Chinês encontrou o melhor modelo para controlar as pessoas”, disse. Este mês, a polícia prendeu Xie, crítico do governo, acusando-o de incitar a subversão e causar problemas.

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A pandemia deu a Xi Jinping, presidente da China, um argumento poderoso para aprofundar o controle do Partido Comunista sobre a vida de 1,4 bilhão de cidadãos, impulsionando sua visão do país como um modelo de ordem segura, em contraste com o “caos do mundo ocidental”. Nos dois anos desde que as autoridades isolaram a cidade de Wuhan, no primeiro lockdown da pandemia, o governo chinês aprimorou seus poderes para rastrear e encurralar pessoas, apoiado por tecnologia atualizada, exércitos de trabalhadores locais e amplo apoio público.

Encorajadas por seus sucessos na erradicação da covid-19, as autoridades chinesas estão voltando sua vigilância aguçada contra outros riscos, como crime, poluição e forças políticas “hostis”. Isso equivale a uma potente ferramenta tecno-autoritária para Xi intensificar sua campanha contra a corrupção e a dissidência.

Festa do ano-novo lunar chinês em Xangai; alta taxa de vacinação e rastreamento de infectados Foto: Aly Song/REUTERS

Perfil

O alicerce dos controles é o código de saúde. Trabalhando com empresas de tecnologia, as autoridades locais geram um perfil de usuário com base na localização, histórico de viagens, resultados de testes e outros dados de saúde. A cor do código – verde, amarelo ou vermelho – determina se o titular pode entrar em prédios ou espaços públicos. Seu uso é imposto por legiões de funcionários locais, que têm o poder de colocar os cidadãos em quarentena ou restringir seus movimentos.

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Esses controles são fundamentais para o objetivo da China de erradicar o vírus inteiramente dentro de suas fronteiras – uma estratégia na qual o partido apostou sua credibilidade, apesar do surgimento de variantes altamente contagiosas. Após os erros iniciais, que permitiram que o coronavírus se espalhasse, sua abordagem de “covid zero” ajudou a manter as infecções baixas, enquanto o número de mortos continua a crescer nos EUA e em outros países. Mas as autoridades chinesas por vezes foram severas, isolando crianças pequenas de seus pais ou prendendo pessoas que teriam violado as regras de contenção.

As autoridades da cidade não responderam a perguntas sobre as afirmações de Xie. Embora seja difícil saber o que acontece em casos individuais, o próprio governo sinalizou que deseja usar essas tecnologias de outras maneiras.

As autoridades usaram sistemas de monitoramento de saúde pandêmica para expulsar fugitivos. Alguns foragidos foram rastreados por seus códigos de saúde. Outros, que evitavam usar os aplicativos, ficaram com a vida tão difícil que se renderam.

Apesar de toda a sua sofisticação externa, porém, o sistema de vigilância da China continua sendo intensivo em mão de obra. E, embora a população em geral tenha apoiado as intrusões de Pequim durante a pandemia, as preocupações com a privacidade estão crescendo.

Rastreamento

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Um foco de covid-19 começou em um funeral e se espalhou pela Província de Zhejiang, no leste da China, no final do ano passado. Quando um dos presentes, um profissional de saúde, teve resultado positivo em um teste de rotina, cem rastreadores de contato entraram em ação. Em poucas horas, os rastreadores alertaram as autoridades em Hangzhou, a 70 quilômetros de distância, que um potencial portador do coronavírus estava à solta na região: um homem que havia comparecido ao funeral dias antes. Funcionários do governo o encontraram e o testaram – resultado também positivo.

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Usando registros de códigos de saúde digitais, equipes de rastreadores traçaram uma rede de pessoas para testar com base nos locais por onde o homem passara: um restaurante, um salão do jogo Mahjong, salas de jogo de cartas. Dentro de algumas semanas, eles interromperam a cadeia de infecções em Hangzhou – ao todo, 29 pessoas foram infectadas.

A capacidade chinesa de rastrear esses surtos dependeu muito do código de saúde. Os cidadãos se inscrevem no sistema inserindo suas informações pessoais em um dos vários aplicativos. O código de saúde é obrigatório, pois sem ele as pessoas não podem entrar em prédios, restaurantes ou mesmo parques. Antes da pandemia, a China já tinha uma vasta capacidade de rastrear pessoas usando dados de localização de celulares. Agora, esse monitoramento está muito mais abrangente.

Nos últimos meses, autoridades de várias cidades expandiram sua definição de contato próximo para incluir pessoas cujos sinais de celular foram registrados a até 800 metros de uma pessoa infectada.

O experimento do partido em usar dados para controlar o fluxo de pessoas ajudou a dominar a covid-19. Agora, essas mesmas ferramentas dão às autoridades maior poder para gerenciar outros desafios. Xi elogiou o centro “Cérebro da Cidade” de Hangzhou – que reúne dados sobre tráfego, atividade econômica, uso de hospitais e reclamações públicas – como um modelo de como a China pode usar a tecnologia para resolver problemas sociais.

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Vigilância

Desde 2020, Hangzhou também utiliza câmeras de vídeo nas ruas para verificar se os moradores estão usando máscaras. Um distrito monitorou o consumo de energia doméstica para verificar se os moradores estavam cumprindo as ordens de quarentena. A cidade de Luoyang instalou sensores nas portas dos moradores em quarentena, para notificar as autoridades se fossem abertas.

“Ao se concentrarem em tecnologia e vigilância, as autoridades chinesas podem estar negligenciando outras formas de proteger vidas, como expandir a participação em programas de saúde pública”, escreveu Chen Yun, acadêmica da Universidade Fudan, em Xangai, em uma recente avaliação da resposta da China à covid.

O risco, ela escreveu, é que “surge um ciclo vicioso: as pessoas ficam cada vez mais marginalizadas, enquanto a tecnologia e o poder invadem cada vez mais todos os lugares”.

Há mais de uma década o Partido Comunista vem fortalecendo seus exércitos de funcionários de base, que fazem vigilância porta a porta. O novo aparato digital do partido potencializou essa forma mais antiga de controle.

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A China mobilizou 4,5 milhões dos chamados trabalhadores da rede para combater o surto, segundo a mídia estatal – cerca de 1 em cada 250 adultos. Sob o sistema de gerenciamento de rede, cidades, vilas e vilarejos são divididos em seções, às vezes de apenas alguns quarteirões, que são atribuídas a determinados trabalhadores.

Em tempos normais, seus deveres incluíam arrancar ervas daninhas, mediar disputas e ficar de olho em possíveis encrenqueiros. Em meio à pandemia, esses deveres se multiplicaram. Os trabalhadores receberam a tarefa de vigiar complexos residenciais e registrar as identidades de todos os que entravam. Eles também passaram a ligar para os moradores para certificar se eles haviam sido testados e vacinados, além de ajudá-los a tirar o lixo durante os lockdowns. Eles também receberam novas ferramentas poderosas.

Pressão

O governo central orientou a polícia, assim como empresas de internet e telefonia, a compartilhar informações sobre o histórico de viagens dos moradores com os trabalhadores comunitários, para que eles possam decidir se os moradores são de alto risco.

“Em um condado no sudoeste da Província de Sichuan, o número de trabalhadores da rede triplicou para mais de 300 ao longo da pandemia”, disse Pan Xiyu, de 26 anos, uma das novas contratações. Pan, que é responsável por cerca de 2 mil moradores, diz que passa grande parte do tempo distribuindo panfletos e montando alto-falantes para explicar novas medidas e incentivar a vacinação. O trabalho é exaustivo. “Tenho de ficar vigilante o tempo todo”, disse.

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E a pressão para reprimir os surtos pode deixar as autoridades excessivamente zelosas, priorizando a adesão às regras, não importando a que custo. Durante o lockdown de Xi’an, os funcionários do hospital recusaram atendimento médico a uma mulher grávida de 8 meses, pois seu resultado de teste de covid-19 havia expirado horas antes. Ela perdeu o bebê, um episódio que incitou fúria na população. Mas alguns culparam o pesado fardo colocado sobre os trabalhadores para acabar com as infecções.

“Na opinião deles, é sempre preferível ir longe demais do que ser muito brando. Essa é a pressão criada pelo ambiente dos dias de hoje”, disse Li Naitang, trabalhador aposentado em Xi’an, sobre as autoridades locais.

Ainda assim, para os defensores das medidas rigorosas da China, os resultados são inegáveis. O país registrou apenas 3,3 mortes por coronavírus por 1 milhão de habitantes, em comparação com cerca de 2.600 por 1 milhão nos EUA. Em meados de janeiro, as autoridades de Xi’an anunciaram zero novas infecções; na semana passada, o lockdown foi totalmente suspenso.

O sucesso do governo em limitar as infecções significa que sua estratégia ganhou algo que se mostrou quase impossível em muitos outros países: apoio generalizado. Pan disse que seu trabalho está mais fácil agora do que no início da pandemia. Na época, os moradores muitas vezes reclamavam quando solicitados a escanear seus códigos de saúde ou usar máscaras. Agora, ela disse, as pessoas passaram a aceitar as medidas de saúde.

As autoridades promoveram abertamente o uso de medidas de controle do vírus para fins que não têm a ver com a pandemia. Na região de Guangxi, no sul da China, um juiz notou que a contagem dos trabalhadores da rede era “mais completa do que o censo”. Isso lhe deu uma ideia.

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“Por que não aproveitar esta oportunidade para que os trabalhadores da rede epidêmica encontrem pessoas que não conseguimos encontrar antes, ou entreguem convocações em lugares que antes eram difíceis de alcançar?”, disse. Como resultado, 18 intimações foram entregues com sucesso.

Privacidade

Os governos locais de toda a China vêm procurando garantir às pessoas que seus dados de código de saúde não serão usados de maneira abusiva. O governo central também emitiu regulamentos prometendo privacidade de dados. Mas muitos chineses supõem que as autoridades podem obter qualquer informação que quiserem.

Zan Aizong, ex-jornalista em Hangzhou, diz que a expansão da vigilância pode deixar ainda mais fácil para as autoridades acabarem com as atividades dos dissidentes. Ele se recusou a usar o código de saúde e tem dificuldade de explicar seu raciocínio aos trabalhadores nos postos de controle. “Não posso dizer a verdade – que estou resistindo ao código de saúde por causa da vigilância”, disse. “Porque, se eu mencionasse resistência, eles achariam ridículo.” /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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