Corte de ajuda internacional feito por Trump apenas prejudicará os EUA

Programas de assistência criam um mundo mais estável e atendem a interesse maior dos americanos

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Por The Economist

É fácil censurar ajudas a outros países. O dinheiro é frequentemente desperdiçado ou roubado. É difícil ver seus benefícios. E domesticamente elas não agradam tanto assim aos eleitores. O que as tornam um alvo ideal para o presidente dos Estados Unidos em Primeiro Lugar, Donald Trump.

Mas quando tantas assistências a tantos necessitados no mundo desaparecem da noite para o dia, como ocorreu quando o Departamento de Estado ordenou que quase todas as ajudas fossem cortadas, em 24 de janeiro, o dano foi visível por toda parte. Clínicas fecharam as portas; medicamentos antirretrovirais para tratar os infectados com HIV desapareceram; ações de controle de outros vírus cessaram; iniciativas de desminagem pararam; apoios a refugiados se esvaíram. Instalações apoiadas pelos americanos que mantinham combatentes do Estado Islâmico presos na Síria obtiveram uma prorrogação de duas semanas para continuar recebendo recursos, o que não chega a ser reconfortante.

Haitianos em fila para receber ajuda da USAID em Porto Príncipe após terremoto devastador de 2010. Agência entrou na mira dos cortes promovidos por Donald Trump e Elon Musk.  Foto: Jewel Samad/AFP

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Isso veio como um presente para a China, que compete com os EUA por supremacia em poder brando. Por que um presidente americano, mesmo tão imprudente quanto Trump, prejudicaria de maneira tão desenfreada os interesses de seu país? Um dos motivos é a opinião pública. Os americanos acham que as ajudas externas consomem 25% do orçamento federal, afirmam as pesquisas. O número real é mais próximo a 1% (US$ 68 bilhões em 2023, sem contar a maior parte da ajuda à Ucrânia). O que equivale a um modesto 0,25% do PIB.

Um novo governo age corretamente ao rever os gastos, mas um governo responsável preferiria não causar danos no início. Dado que os EUA fornecem 40% de toda a ajuda humanitária, Washington deveria permitir que o trabalho continuasse enquanto suas autoridades avaliassem o que manter, mudar ou descartar. O governo Trump fez a coisa ao contrário: primeiramente interrompendo a assistência e depois decidindo caso a caso o que deverá ou não ser retomado após 90 dias. A confusão que se seguiu era previsível. Marco Rubio, o secretário de Estado, teve de voltar atrás após quatro dias. Ele anunciou uma ampla isenção para “assistências humanitárias que salvam vidas” — embora não tenha ficado claro o que isso signifique.

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O caos resultante pode ter várias explicações. Uma é que não foi intencional. Trump frequentemente nomeia autoridades por sua lealdade, não sua competência. Muitas funções permanecem vagas. Ou seu pessoal pode estar ansioso para demonstrar zelo. A ordem executiva de Trump determinou que os departamentos pausassem “novas obrigações e gastos de assistência ao desenvolvimento”. Rubio foi além, interrompendo também programas existentes, incluindo projetos humanitários, de segurança e de desenvolvimento econômico.

A ideologia também pode ter culpa. O governo está usando a tática de choque e pavor para erradicar o pensamento “lacrador” e esmagar o Estado profundo. Talvez queira mostrar que a política EUA em Primeiro Lugar quer dizer realmente o que afirma: que o restante do mundo vem em segundo lugar. E pode ser que Trump esteja se deleitando com a explosão de caos. Em um mundo anárquico, os fortes prevalecem, e nenhum país é mais forte do que os EUA.

A explicação verdadeira provavelmente envolve uma mescla de todos esses elementos. O que resulta numa formulação de políticas errática e impiedosa. Assim como a demonização dos imigrantes domesticamente, infligir crueldade no exterior pode ser um objetivo em si.

Donald Trump fala com a imprensa na Casa Branca após assinatura de decretos. Ordens do presidente incluíram pausa nos programas de assistência. Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Converso tardio à política EUA em Primeiro Lugar, Rubio quer vê-la moldando a política externa. O secretário de Estado afirma que os outros países abusaram da ordem construída pelos americanos “para servir aos seus interesses à custa dos nossos”. E insiste que cada dólar gasto deve tornar os EUA mais seguros, mais fortes ou mais prósperos.

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Nesta semana, Rubio aprendeu uma lição a respeito de consequências não pretendidas. Arriscar uma fuga em massa de jihadistas torna os EUA menos seguros. Ocasionar miséria afasta amigos e aliados em potencial, o que torna os EUA mais fracos. E um mundo mais pobre acabará tornando também os EUA mais pobres. A generosidade de Washington não é mera caridade. As ajudas externas que criam um mundo mais estável e mais rico atendem ao interesse maior dos EUA. Podem chamá-lo de EUA em Primeiro Lugar, se preferirem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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