Matteo Messina Denaro, chefe da máfia italiana que estava foragido há 30 anos, foi preso na Sicília, região autônoma da Itália.
Conhecido como Diabolik e “il boss Fantasma”, era procurado desde a série de atentados em Roma, Florença e Sicília em 1993, que levaram à prisão de Toto Riina, o poderoso chefão da Cosa Nostra.
O mafioso foi preso em uma clínica particular chamada Maddalena, em Palermo, na capital da Sicília. Messina Denaro é investigado como um dos chefes da máfia Cosa Nostra.
Nos últimos anos, a polícia da Itália prendeu uma série de chefes do crime organizado por uma extensa lista de crimes: tráfico de drogas e de armas, extorsão, suborno e roubos de obras de arte.
Mas quem são os atuais clãs da máfia italiana, e como agem?
Cosa Nostra, a máfia siciliana
A Cosa Nostra é o grupo mais identificado com o termo “máfia”, que vem do siciliano “mafiusu” (“arrogante”), especialmente por causa da espiral de violência que marcou a segunda metade do século 20 na Sicília e suas representações no cinema.
A Cosa Nostra - nome popularizado com suas ramificações nos Estados Unidos - é dividida em clãs e marcada por lideranças fortes, como Salvatore “Totò” Riina (1930-2017), o “poderoso chefão” que protagonizou a “Segunda Guerra da Máfia”, nos anos 1980, quando assumiu o comando da organização.
Em seu período na chefia da Cosa Nostra, Riina instaurou um período de terror na Sicília e ordenou os atentados que mataram os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992. Preso em 1993, ele foi considerado por muitos como o verdadeiro líder da máfia siciliana até sua morte.
Seu sucessor fora das cadeias, Bernardo Provenzano (1933-2016), iniciou um processo de “pacificação” entre as facções da Cosa Nostra e fez o possível para reduzir a atenção midiática que pairava sobre o grupo.
Em dezembro passado, a Polícia da Itália prendeu aquele que seria o novo líder da máfia, Settimino Mineo, no âmbito de um inquérito que descobriu que criminosos haviam reconstituído a “cúpula” da Cosa Nostra, inativa desde o início dos anos 1990, por causa da prisão de Riina.
O retorno desse colegiado é um indício de que os clãs decidiram recuperar a estrutura unitária que havia na Cosa Nostra.
Mais sobre a Cosa Nostra
Os sicilianos estabeleceram um modelo para outras máfias. Os membros do grupo começaram a transmitir seus preceitos no século 19 e, a partir daí, cresceram em poder e sofistificação.
A Cosa Nostra, que significa algo como “assunto nosso”, é considerada a primeira máfia baseada em clãs familiares. Ela é famosa pelo omertà, um código de silêncio que serve para demonstrar lealdade total ao grupo. Quem a descumpre é considerado traidor e pode ser torturado ou morto. Casos de descumprimento das punições podem levar a castigos a famílias inteiras.
Os membros da Cosa Nostra continuam resolvendo disputas de negócios dessa forma, desafiando a autoridade das cortes italianas. Muitos sicilianos odeiam a máfia por causa do pizzo, uma forma de extorsão de comerciantes locais.
A Cosa Nostra ganhou notoriedade nos Estados Unidos ao conquistar territórios. Ela acabou por se tornar uma força no crime organizado em Chicago e Nova York. Seus membros ganharam muito dinheiro vendendo bebida alcoólica durante os anos de Lei Seca, na década de 1920.
O principal negócio da Cosa Nostra atualmente é o tráfico de heroína. Segundo o FBI, a organização criminosa nos Estados Unidos hoje pouco tem a ver com os clãs da Itália.
Camorra, a máfia napolitana
A máfia napolitana ganhou fama mundial com o livro-filme “Gomorra”, de Roberto Saviano, que até hoje vive sob escolta policial, mas sua formação é até mais antiga que a da Cosa Nostra, provavelmente da primeira metade do século 19.
Assim como a ‘ndrangheta, não possui um comando unitário e centralizado, adotando uma estrutura horizontal que ignora a hierarquia característica da Cosa Nostra. Enquanto as máfias siciliana e calabresa utilizam a violência como meio de alcançar seus objetivos, para a Camorra ela é muitas vezes um fim, algo intrínseco à sua própria forma de organização.
Essas características criam um cenário de constantes conflitos entre os clãs. Nas décadas de 1970 e 1980, o mafioso Raffaele Cutolo deu forma à chamada “Nova Camorra Organizada” (NCO), que buscava unificar o controle da máfia napolitana sob seu poder.
Cutolo atraía presidiários e a juventude pobre da Campânia, e sua ascensão ocorreu em meio a guerras sangrentas com as outras facções napolitanas. A NCO acabou suplantada pela “Nova Família”, uma espécie de federação de clãs criada com o propósito de derrotar Cutolo, que hoje cumpre prisão perpétua em isolamento.
Sem a motivação de destronar a NCO, a Nova Família acabou se desfazendo e dando espaço para a antiga organização horizontal da Camorra. Além do tráfico de drogas, a máfia napolitana tem forte atuação na gestão de resíduos tóxicos e no mercado têxtil, como é fartamente documentado por Saviano em “Gomorra”.
Estima-se que 4,5 mil pessoas pertençam aos clãs da Camorra, baseada em Nápoles e Caserta, no sudoeste da Itália.
Seu principal negócio é o tráfico de drogas e seus métodos são extremamente brutais. A organização também consegue dinheiro extorquindo construtoras, empresas de descarte de resíduos tóxicos e a indústria têxtil. A Camorra produz ainda falsificações de artigos da moda italiana.
‘Ndrangheta, a máfia calabresa
A Calábria, na região sul da Itália e próxima da Sicília, hoje é polo de negócios da ‘Ndrangheta. Originalmente, era um dos redutos da Cosa Nostra. Seu nome vem do grego “andragathia”, que significa coragem e lealdade.
O FBI estima que a máfia calabresa tenha cerca de 6 mil membros, concentrados em uma das regiões mais pobres do país.
Assim como a Cosa Nostra, a ‘ndrangheta, da vizinha Calábria, é baseada em clãs, chamados de ‘ndrine (do singular ‘ndrina). A diferença é que essas facções são verdadeiros núcleos familiares (como mostra o caso de Nicola e Patrick Assisi), enquanto na máfia siciliana as ligações nem sempre são de sangue.
Em função disso, o fenômeno dos “arrependidos” é menos comum na ‘ndrangheta. Na Cosa Nostra, por outro lado, são célebres os delatores que abdicaram de seus laços mafiosos, como Tommaso Buscetta (1928-2000), rival de Riina e com passagens pelo Brasil.
Essa característica também faz com que a ‘ndrangheta não tenha um comando centralizado e consiga agir sem levantar o clamor da Cosa Nostra. O resultado é que seu combate pelo Estado se torna muito mais difícil. Não são poucos os que consideram a ‘ndrangheta a máfia mais poderosa da Itália - e até do mundo - na atualidade, e suas ramificações atingem a Europa, a América do Norte e a América Latina.
Em solo italiano, seu poder de influência chega até em torcidas organizadas do norte, como ficou demonstrado no processo que desvendou como um clã havia se infiltrado entre os “ultras” da Juventus para lucrar com a revenda de ingressos.
O grupo se especializou no tráfico de cocaína. Varese, da Universidade de Oxford, aponta que a quadrilha tem relação direta com organizações criminosas no México e na Colômbia.
Estima-se que a máfia, em comunhão com os cartéis mexicanos, controle boa parte do tráfico de cocaína na Europa./ AFP, ANSA e AP
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