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Cresce o isolamento de Putin à medida que aumentam seus reveses na Ucrânia; leia a análise

Guerra desgastou relação econômica da Rússia com o Ocidente e dificulta cooperação do país com a Índia e a China

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Por Catherine Belton

Quando Vladimir Putin visitou Minsk, na semana retrasada, para discutir um aprofundamento na relação entre Rússia e Belarus, uma piada sarcástica de seu anfitrião, o presidente belarusso, Alexander Lukashenko, pareceu soar verdadeira demais. “Ambos somos coagressores, as pessoas mais daninhas e tóxicas deste planeta. Temos apenas uma dúvida: Quem é o maior? Só isso”, afirmou

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À medida que Putin se aproximava do ano-novo, 23.º aniversário de sua ascensão ao poder, como presidente em exercício da Rússia, ele pareceu mais isolado do que jamais esteve.

Mais de 300 dias de guerra brutal contra a Ucrânia destruíram décadas de relações econômicas cuidadosamente cultivadas da Rússia com o Ocidente, transformando o país em pária, enquanto os esforços do Kremlin para substituir esses laços com uma cooperação mais próxima com Índia e China parecem enfrentar cada vez mais dificuldades à medida que a guerra se arrasta.

Morador de Zaoprizhzhia, na Ucrânia, carrega pertences após ter a casa destruída por um ataque de míssil da Rússia Foto: Andriy Andriyenko / AP - 01 de janeiro de 2023

Putin, que iniciou sua carreira como agente da KGB soviética, sempre teve relações restritas, confiando apenas em um círculo próximo de amigos antigos e confidentes ao mesmo tempo que dava a parecer que nunca confiava totalmente em ninguém e nem se confidenciava. Mas agora um novo dissenso surge entre Putin e grande parte da elite russa, afirmaram em entrevista líderes empresariais, autoridades e analistas russos.

Putin “sente que perdeu seus amigos”, afirmou uma autoridade de Estado da Rússia com laços próximos a círculos diplomáticos, que falou sob condição de anonimato por medo de retaliação. “Lukashenko é o único que ele pode visitar seriamente. Todos os outros o veem apenas quando necessário.”

Mesmo que Putin tenha reunido líderes de ex-repúblicas soviéticas em uma cúpula informal, em São Petersburgo, semana passada, a autoridade do Kremlin enfraquece em toda a região. Putin conversou com o presidente chinês, Xi Jinping, por meio de videoconferência, na manhã da sexta-feira, em um esforço de demonstrar os laços entre Rússia e China. Apesar de Xi ter afirmado que está pronto para melhorar a cooperação estratégica, ele reconheceu a “situação internacional complicada e bastante controvertida”. Em setembro, Xi tornou claras suas “preocupações” em relação à guerra.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, escreveu este mês um artigo para o influente jornal russo Kommersant pedindo o fim da “época de guerra”. “Lemos tudo isso e entendemos, e eu acho que ele (Putin) lê e compreende também”, afirmou a autoridade de Estado.

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Até o papa, que no início da guerra pareceu cuidadoso em conciliar visões do Kremlin, este mês comparou a guerra na Ucrânia ao genocídio nazista contra os judeus.

Entre as elites russas, aumentam dúvidas a respeito das táticas de Putin para 2023, após as humilhantes retiradas de militares russos deste outono. Emerge uma cisão entre aqueles na elite favoráveis a que Putin pare a investida militar e aqueles acreditando que ele deve escalar ainda mais o conflito, afirmam a autoridade de Estado e Tatiana Stanovaia, pesquisadora-sênior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

Apesar de um frenesi de propaganda no fim do ano, em que Putin apareceu na TV em reuniões cuidadosamente coreografadas, com militares de altas patentes e autoridades graduadas do complexo industrial militar, assim como em uma sessão de perguntas e respostas com um selecionado pool de jornalistas leais, membros da elite russa entrevistados pelo Washington Post afirmaram que não são capazes de prever o que poderá acontecer em 2023 e que duvidam que o próprio Putin saiba como deverá agir.

“Há uma enorme frustração entre as pessoas de seu entorno”, afirmou um bilionário russo que mantém contato com autoridades graduadas. “Claramente ele não sabe o que fazer.”

Presidente da China, Xi Jinping (dir.), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin (esq.), durante reunião virtual para discutir cooperação bilateral Foto: Yue Yuewei/Xinhua via AP - 30/12/2022

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A autoridade de Estado russa afirmou que o único plano de Putin parece se fiar em “tentativas constantes de forçar o Ocidente e a Ucrânia a iniciar negociações (de paz)” por meio de ataques aéreos contra infraestruturas críticas da Ucrânia e outras ameaças. Putin repetiu a tática no Dia de Natal, declarando que está aberto para negociações de paz mesmo que a Rússia tenha lançado outro ataque massivo de mísseis poucos dias depois, na quinta-feira, cortando a eletricidade de várias regiões. “Mas”, afirmou a autoridade, Putin está disposto a negociar “somente segundo seus termos”.

O bilionário, a autoridade de Estado e vários analistas apontaram para o adiamento do discurso anual do Estado da Nação de Putin, quando o presidente russo geralmente expõe seus planos para o ano, e para o cancelamento de sua maratona anual de coletiva de imprensa como sinais do isolamento de Putin e de um esforço para protegê-lo de questionamentos diretos, já que ele não tem nenhum mapa do caminho adiante.

A conferência de imprensa, em particular, poderia ter se provado arriscada, já que tipicamente centenas de jornalistas de regiões remotas da Rússia — que têm sido desproporcionalmente afetadas pelas baixas da guerra e pela recente mobilização parcial — vão a Moscou participar do evento.

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“No discurso deveria haver um plano. Mas não existe nenhum plano. Acho que eles simplesmente não sabem o que dizer”, afirmou o bilionário. “Ele está isolado, é claro. Mas, de qualquer maneira, ele não gosta mesmo de falar com as pessoas. Ele tem um círculo muito restrito, que agora ficou ainda menor.”

Na sessão de perguntas e respostas com poucos jornalistas, Putin rebateu essas alegações sobre o adiamento de seu discurso ao Parlamento. Ele afirmou que tratou de assuntos-chave em reuniões públicas recentes e que é “complicado para mim e para o governo resumir tudo novamente em um discurso formal sem me repetir”.

Mas seus comentários sobre a guerra foram pobres em detalhes. Putin não passou de afirmar que as condições nos quatro territórios ucranianos que ele alega diz ter anexado, ilegalmente, estão “extremamente difíceis” e que seu governo tentaria pôr fim ao conflito. “Quanto mais rápido, melhor.”

Putin buscou novamente culpar os Estados Unidos e a Otan por prolongar a guerra, no que pareceu quase uma admissão tácita de que ele perdeu o controle sobre o processo. “Como ele pode nos dizer que tudo vai de acordo com o plano quando já estamos no décimo mês de uma guerra que, nos foi dito, duraria poucos dias?”, disse a autoridade de Estado.

Putin pareceu exaurido em suas aparições recentes, afirmou Stanovaia. E mesmo se ele realmente tiver um plano secreto de ação, a maior parte da elite russa está perdendo a fé nele, afirmou a pesquisadora.

“Ele é uma figura que, sob os olhos da elite, parece incapaz de responder perguntas”, afirmou ela. “A elite não sabe no que acreditar e teme pensar sobre o amanhã.”

“Em grande medida, existe o sentimento de que não há nenhuma saída, de que a situação é irreparável”, continuou Stanovaia, “de que eles dependem totalmente de uma pessoa e que é impossível influenciar qualquer coisa”.

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Alexandra Prokopenko, ex-conselheira do Banco Central russo que pediu demissão e deixou a Rússia nas primeiras semanas após o início da invasão, afirmou em entrevista que seus ex-colegas “tentam não ver a guerra em termos de vencedores e perdedores. Mas eles sabem que não há nenhuma saída boa para a Rússia neste momento”.

“Há uma sensação de que não somos capazes de alcançar os objetivos políticos promovidos originalmente”, afirmou a autoridade de Estado. “Isso é claro para todos.” Mas ninguém sabe quanta derrota a Rússia é capaz de suportar antes que seus líderes acreditem que sua existência está em perigo, afirmou ele.

Sublinhando ainda mais a crescente distância entre o presidente e a elite empresarial, Putin também cancelou sua reunião anual na véspera do ano-novo com bilionários russos, citando oficialmente riscos de infecção.

Com tamanha interrogação marcando os desdobramentos deste ano, dois campos emergiram dentro da elite: “os pragmáticos, que consideram que a Rússia assumiu o fardo de uma guerra que não consegue sustentar e que precisa parar”; e os favoráveis à escalada, afirmou Stanovaia.

Os favoráveis à escalada incluem Yevgenii Prigozhin, o aliado de Putin que lidera o Wagner Group, de mercenários, e continua a criticar publicamente e duramente a liderança militar da Rússia.

A crescente divisão apresenta a Putin ainda outro risco este ano, o último antes das eleições presidenciais de 2024. Apesar de pesquisas recentes mostrarem que Putin retém o apoio da vasta maioria da população, que por enquanto continua a aceitar a propaganda do Kremlin, a percepção onipresente entre as elites é que neste ano as coisas podem piorar muito.

“Não sabemos o que vai acontecer no futuro”, afirmou um veterano dos círculos diplomáticos russos, que falou sob condição de anonimato por temer represália. “Poderá haver uma nova onda de mobilização. A situação econômica de 2023 começará a piorar mais seriamente.”

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Sergei Markov, um belicoso ex-conselheiro do Kremlin que segue em contato com a equipe de Putin, disse ser evidente que Putin ainda não tem resposta para a principal questão diante dele. “Há dois caminhos possíveis”, afirmou Markov. “Um é que o Exército continue a lutar enquanto o restante da sociedade vive uma vida normal — como em 2022. O segundo caminho é como quando a Rússia passou pela 2.ª Guerra e todos os recursos foram para o front e para a vitória; e houve uma grande mobilização da sociedade e da economia.”

Há também as inescapáveis dúvidas a respeito das gritantes deficiências das forças militares russas, que ficaram aparentes nos meses recentes, incluindo sua evidente incapacidade de treinar e equipar apropriadamente os 300 mil recrutas mobilizados no outono.

“A verdade é que esses 300 mil mobilizados não têm armas suficientes”, afirmou Markov. “Quando eles obterão a tecnologia militar? Putin também não tem resposta para esta pergunta.”

De acordo com Markov, que é favorável à escalada, as dúvidas de Índia e China emergiram porque Putin não venceu rápido o suficiente. “Eles dizem privadamente: ‘Vença rapidamente, mas se não puder vencer, não poderemos construir boas relações com você’”, afirmou ele. “Você deve vencer ou admitir sua derrota. Precisamos acima de tudo que a guerra acabe o mais rapidamente possível.”

Outros dizem que a razão para as relações mornas com os líderes de Índia e China é eles estarem claramente mais preocupados com uma escalada maior. “Ouvimos que existe preocupação a respeito do prospecto de escalada ao nível nuclear”, afirmou o veterano dos círculos diplomáticos russos. “E aqui, me parece, todos falaram muito claramente que isto é extremamente indesejável e perigoso.”

Dentro da Rússia, de vez em quando, membros da elite de inclinação liberal expressam sua crescente preocupação.

Em entrevista, na semana retrasada, ao jornal russo RBK, Mikhail Zadornov, presidente do banco Otkritie, um dos maiores da Rússia, que foi ministro das Finanças de 1997 a 1999, notou que a Rússia perdeu mercados no Ocidente que vinha construindo desde a era soviética. “Por 50 anos, um mercado e conexões econômicas mútuas foram sendo construídos. Agora, isso ficará destruído por décadas”, afirmou Zadornov.

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Em geral, membros das elites econômicas da Rússia “entendem que a coisa não vai acabar bem”, afirmou o bilionário russo. Prokopenko, a ex-autoridade do Banco Central, afirmou que membros da elite russa, incluindo muitos indivíduos sob sanções, estão assistindo a situação horrorizados: “Tudo que eles construíram ruiu por nada”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO