Cresce o temor do uso de armas táticas nucleares na guerra da Ucrânia; leia a análise

Hoje, tanto Rússia quanto Estados Unidos possuem armas nucleares menos destrutivas, talvez menos assustadoras e de uso menos improvável

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Por William J. Broad

NEW YORK TIMES - Durante a Guerra Fria, a maior parte do arsenal nuclear de Estados Unidos e União Soviética superava imensamente a bomba nuclear americana que destruiu Hiroshima. De ambos os lados, a ideia foi dissuadir ataques com ameaças de vasta retaliação. A barreira psicológica era tamanha que ataques nucleares passaram a ser considerados algo impensável.

Hoje, tanto Rússia quanto Estados Unidos possuem armas nucleares muito menos destrutivas — com poder equiparável a uma fração da bomba de Hiroshima; talvez menos assustadoras e de uso menos improvável.

Preocupações a respeito dessas armas menores dispararam à medida que o presidente russo, Vladimir Putin, alardeou para seu poderio nuclear militar durante a guerra na Ucrânia, colocou suas forças atômicas em alerta e ordenou que seu Exército realizasse arriscados ataques contra usinas nucleares.

Imagem de satélite mostra ataque russo à cidade de Irpin, nos arredores de Kiev  Foto: Maxar Tchenologies/AFP

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O temor é que, se Putin sentir-se encurralado durante o conflito, ele pode optar por detonar uma dessas armas nucleares menores — rompendo o tabu estabelecido 76 anos atrás em Hiroshima e Nagasaki.

Nesta terça-feira, 22, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse à CNN que seu país só usará armas nucleares na Ucrânia se enfrentar uma ameaça existencial. “Temos uma doutrina de segurança interna, e ela é pública, você pode ler nela todas as razões para o uso de armas nucleares”, disse. “Se for uma ameaça existencial ao nosso país, então podem ser usadas de acordo com nossa doutrina.”

Um ataque com armas táticas

Analistas notam que tropas russas treinam há muito tempo a transição da guerra convencional para a guerra nuclear, especialmente como maneira de obter vantagem após baixas no campo de batalha. E os militares russos, acrescentam eles, ostentando o maior arsenal nuclear do mundo, exploraram uma variedade de alternativas de escalada entre as quais Putin poderá escolher.

“As chances são baixas, mas estão crescendo”, afirmou Ulrich Kühn, especialista nuclear da Universidade de Hamburgo e do Fundo Carnegie para Paz Internacional. “A guerra não vai bem para os russos”, observou ele, “e a pressão do Ocidente está aumentando”.

Putin poderia disparar uma arma contra uma área desabitada em vez de mirar tropas, afirmou Kühn. Em um estudo de 2018, ele simulou um cenário de crise no qual Moscou detonava uma bomba em uma região remota do Mar do Norte como maneira de sinalizar que ataques mais mortíferos estavam a caminho.

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“Parece horrível falar dessas coisas”, afirmou Kühn. “Mas temos de considerar que isso está se tornando uma possibilidade.”

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, diz que a Rússia só usará armas nucleares caso sua existência esteja em risco  Foto: Natalia Kokesnikova/ AFP

Uma projeção de força

Washington prevê mais jogadas atômicas de Putin nos próximos dias. Moscou poderá “se fiar cada vez mais na dissuasão nuclear para sinalizar ao Ocidente e projetar força” à medida que a guerra e suas consequências enfraquecem a Rússia, afirmou à Comissão de Serviços Armados da Câmara dos Deputados dos EUA o tenente-general Scott Berrier, diretor da Agência de Inteligência do Departamento da Defesa, na quinta feira.

O presidente Joe Biden comparecerá a uma cúpula da Otan em Bruxelas nesta semana para discutir a invasão russa à Ucrânia. A agenda deverá incluir o debate sobre a maneira que a aliança responderá caso a Rússia use armas químicas, biológicas ou nucleares.

James Clapper Jr., general aposentado da Força Aérea que serviu como diretor de inteligência nacional do ex-presidente Barack Obama, afirmou que Moscou rebaixou os critérios para o uso de armas atômicas após a Guerra Fria, quando o Exército russo caiu em desgraça. Atualmente, acrescentou ele, a Rússia considera as armas nucleares uma ferramenta utilitária, em vez de algo impensável.

“Eles nem se importaram”, afirmou Clapper a respeito dos russos terem arriscado um vazamento nuclear este mês quando atacaram a usina nuclear de Zaporizhzhia — a maior não apenas da Ucrânia, mas de toda a Europa. “Eles dispararam contra a usina. Isso indica a atitude de vale-tudo dos russos. Eles não fazem as distinções que fazemos a respeito de armas nucleares.”

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Prontidão atômica

Putin anunciou no mês passado que colocou as forças nucleares da Rússia em “prontidão especial de combate”. Pavel Podvig, pesquisador veterano das forças nucleares russas, afirmou que o alerta provavelmente serviu para preparar o comando russo e seu sistema de controle para a possibilidade de uma ordem de acionamento nuclear.

“Putin está usando dissuasão nuclear para conseguir o que deseja na Ucrânia”, afirmou Nina Tannenwald, cientista política da Universidade Brown, que recentemente traçou o perfil desses armamentos nucleares menos potentes. “As armas nucleares dele evitam que o Ocidente intervenha.”

A corrida global pelos armamentos nucleares menores está se intensificando. Apesar dessas armas serem menos destrutivas do que os padrões da Guerra Fria, estimativas recentes mostram que uma ogiva de poder equivalente a metade da bomba de Hiroshima, se detonada no centro de Manhattan, mataria ou feriria meio milhão de pessoas.

O fim da dissuasão nuclear?

A crítica contra essas armas é que elas minam o tabu nuclear e tornam situações de crise ainda mais perigosas. Para os críticos, sua natureza menos destrutiva pode alimentar a ilusão da existência de um controle atômico, quando na verdade seu uso pode subitamente desencadear uma guerra nuclear total.

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Uma simulação realizada por especialistas da Universidade de Princeton começa com Moscou detonando uma bomba nuclear de alerta; a Otan responde com um pequeno ataque; e a guerra que se segue provoca mais de 90 milhões de mortes em suas primeiras horas.

Nenhum tratado de controle de armamento nuclear regula as ogivas menores, conhecidas como armas nucleares táticas ou não estratégicas, então as potências atômicas produzem e acionam quantas bombas desse tipo quiserem. A Rússia talvez possua 2 mil dessas ogivas, de acordo com Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos, um grupo privado em Washington. E os EUA possuem cerca de 100 armas desse tipo na Europa, um número limitado por disputas de política doméstica e complexidades políticas relativas a estacioná-las em países-membros da Otan, cujas populações com frequência resistem e protestam contra sua presença.

Ao longo dos anos, os EUA e seus aliados da Otan buscaram equiparar seus arsenais de armas nucleares menores aos da Rússia. Isso começou décadas atrás, quando os EUA começaram a enviar bombas para equipar caças em bases militares na Bélgica, na Alemanha, na Turquia e nos Países Baixos. Kühn notou que a aliança, em contraste com a Rússia, não conduz exercícios de campo que pratiquem a transição da guerra convencional para a guerra nuclear.

“Tudo não passa de psicologia — uma psicologia letal”, afirmou Franklin Miller, especialista em política nuclear que apoiou a nova ogiva e, antes de deixar a função pública, em 2005, ocupou cargos no Pentágono e na Casa Branca por três décadas. “Se seu inimigo acha que tem vantagem no campo de batalha, você tenta convencê-lo de que ele está enganado.”

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O que Biden faria?

Não está claro como Biden responderá caso Putin acione uma arma nuclear.

A resposta americana para uma pequena explosão russa, afirmam especialistas, poderia ser disparar uma das novas ogivas lançadas por submarinos contra alguma região remota da Sibéria ou alguma base militar dentro da Rússia. Miller, o ex-oficial atômico do governo e ex-chefe do comitê de política nuclear da Otan, afirmou que uma explosão desse tipo seria uma maneira de sinalizar para Moscou que “isso é sério, que as coisas estão passando dos limites”.

Estrategistas militares afirmam que uma resposta olho por olho, dente por dente jogaria para a Rússia a responsabilidade por uma escalada maior, fazendo Moscou sentir o peso dessa ameaça e idealmente evitando que a situação se descontrole, apesar dos perigos dos erros de cálculo e acidentes de guerra.

Num cenário mais sombrio, Putin poderia apelar para o uso de armas nucleares se a guerra na Ucrânia transbordasse para um conflito contra países da Otan. Todos os membros da Otan, incluindo os EUA, são obrigados a defender um ao outro — potencialmente com saraivadas de ogivas nucleares. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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