Crianças famintas e ferraris na rua: economia melhora, mas desigualdade castiga Venezuela

Economia da Venezuela se recupera e país vive nova normalidade com uma das desigualdades sociais mais altas do mundo

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Por Isayen Herrera e Frances Robles
Atualização:

CARACAS — Na capital, uma loja vende bolsas Prada e TVs de 110 polegadas por US$ 115 mil. Perto de lá abriu uma revendedora Ferrari, e um novo restaurante suspenso por um gigantesco guindaste permite jantares caros com vistas para a cidade. “Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?”, disse no microfone um apresentador do restaurante para clientes animados que cantavam uma canção do Coldplay que bombava nas caixas de som.

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Não estamos em Dubai nem Tóquio, estamos em Caracas, capital da Venezuela, onde uma revolução socialista no passado prometeu igualdade e o fim da burguesia.

A economia da Venezuela implodiu quase uma década atrás, o que ocasionou um enorme fluxo de emigrantes em uma das priores crises na história moderna da América Latina. Agora há sinais de que o país se assenta em uma nova normalidade, desorientadora, com produtos do cotidiano facilmente acessíveis e a pobreza começando a diminuir — e bolsões surpreendentes de riqueza emergindo.

Venezuelana Yrelys Jimenez segura o filho Yonder e a filha Clarelys Lopez-Jimenez em sua casa de somente um quarto em San Diego de Los Altos, na Venezuela, em imagem do dia 10 de janeiro Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

Isso deixou o governo socialista do presidente autoritário, Nicolás Maduro, governando uma economia que melhora, enquanto a oposição enfrenta dificuldades para se unir e os Estados Unidos retiraram sanções sobre o petróleo, que dizimaram as finanças do país.

As condições continuam difíceis para uma fatia enorme da população, e ainda que a hiperinflação que incapacitava a economia tenha arrefecido, os preços ainda triplicam anualmente entre as taxas inflacionárias mais acentuadas no planeta.

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Mas com o governo aliviando restrições sobre o uso de dólares americanos para tentar reverter o colapso econômico no país, a atividade comercial está voltando para a nação que já foi a mais rica da região.

Como resultado, a Venezuela torna-se cada vez mais um país de ricaços e despossuídos, uma das sociedades mais desiguais do mundo, de acordo com a respeitada pesquisa nacional Encovi, organizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Social da Faculdade Católica Andrés Bello, de Caracas.

Maduro gabou-se afirmando que a economia venezuelana cresceu 15% no ano passado e que a arrecadação com impostos e exportações também cresceu — mas alguns economistas enfatizam que esse crescimento econômico é ilusório, porque se segue a anos de enormes declínios.

Pela primeira vez em sete anos a pobreza está diminuindo: metade da população vive abaixo da linha da pobreza atualmente, contra 65% em 2021, de acordo com a pesquisa Encovi.

Mas a pesquisa também constatou que os venezuelanos mais abastados são 70 vezes mais ricos do que os mais pobres, o que equipara o país a algumas nações africanas com os maiores índices de desigualdade no planeta.

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O acesso a dólares americanos é com frequência limitado a pessoas ligadas ao governo ou envolvidas em negócios ilícitos. Um estudo publicado no ano passado pela ONG Transparência Internacional, de combate à corrupção, constatou que atividades ilegais como comércio clandestino de alimentos, diesel e gasolina, assim como tráfico humano, representaram mais de 20% da economia venezuelana.

Imagem mostra restaurante recém-aberto em Caracas, em 12 de janeiro deste ano. Luxuoso, restaurante reflete o surgimento de ricaços em meio a um país desigual  Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

Apesar de partes de Caracas fervilharem com moradores capazes de comprar cada vez mais itens importados, 1 a cada 3 crianças venezuelanas sofria de desnutrição em maio de 2022, de acordo com a Academia Nacional de Medicina.

Até 7 milhões de venezuelanos simplesmente desistiram e abandonaram seu país desde 2015, de acordo com as Nações Unidas.

E apesar do novo slogan do governo Maduro — “Venezuela renovada” — muitos venezuelanos lutam para sobreviver com o equivalente a poucos dólares por dia, enquanto funcionários públicos protestam nas ruas em razão de seus baixos salários.

“Eu tenho que me virar”, afirmou a laboratorista médica María Rodríguez, de 34 anos, em Cumaná, uma pequena cidade 400 quilômetros a oeste da capital, explicando que, para comprar alimentos e pagar a mensalidade da escola da filha, ela precisa de dois empregos, um negócio paralelo de venda de produtos de beleza e ajuda em dinheiro de sua família.

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Comércio de rua em Caracas, em imagem de 8 de janeiro. Após anos de colapso econômico, Venezuela começa a se recuperar Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

A professora de ensino pré-escolar Yrelys Jiménez, de San Diego de los Altos, que fica meia hora de carro ao sul de Caracas, brincou afirmando que seu salário mensal, de US$ 10, significa “comida hoje e fome amanhã” (o restaurante que permite aos frequentadores jantar a 45 metros de altura cobra US$ 140 pela refeição).

Apesar dessas dificuldades, Maduro, cujo governo não respondeu a pedidos de comentário, tem se dedicado a promover os crescentes indicadores econômicos do país.

“Parece que a pessoa doente se recupera, para, caminha e corre”, afirmou ele em um discurso recente, comparando a Venezuela a um paciente de hospital curado subitamente.

A mudança de estratégia dos EUA em relação à Venezuela beneficiou em certa medida o governo Maduro.

Em novembro, depois do governo Maduro concordar em retomar negociações com a oposição, o governo Biden concedeu à Chevron uma licença de seis meses renovável para a empresa extrair petróleo na Venezuela. O contrato estipula que os lucros serão usados para o pagamento de dívidas do governo venezuelano com a Chevron.

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E ainda que os EUA ainda proíbam compras da estatal petroleira, o país aumentou suas exportações clandestinas para a China por meio do Irã, afirmam analistas do setor de energia.

Maduro também emerge do isolamento na América Latina conforme a inclinação da região para a esquerda ocasiona um aquecimento nas relações. Colômbia e Brasil, ambos governados por líderes de esquerda recém-eleitos, restabeleceram relações diplomáticas. O novo presidente colombiano, Gustavo Petro, tem sido particularmente caloroso com Maduro, encontrando-se com ele repetidamente e concordando em estabelecer um contrato de importação de gás natural da Venezuela.

Esculturas flutuantes penduradas no teto de um shopping de luxo em Caracas, em 8 de janeiro Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

Com eleições presidenciais planejadas para o próximo ano e o governo paralelo da oposição recentemente dissolvido, Maduro parece cada vez mais confiante em relação ao seu futuro político.

O índice de inflação registrado na Venezuela no ano passado, de 234%, coloca a inflação venezuelana como a segunda mais alta no planeta, atrás do Sudão, mas é baixo em comparação à hiperinflação registrada em 2019, quando a taxa chegou a 300.000%, segundo o Banco Mundial.

Com produção e preços em alta, a Venezuela também começou a ver um aumento nos lucros com o petróleo, sua principal exportação. A atual produção do país, de aproximadamente 700 mil barris ao dia, é mais alta do que no ano passado, apesar de ter sido duas vezes maior em 2018 e quatro vezes maior em 2013, afirmou Francisco Monaldi, pesquisador especialista em política energética na América Latina da Universidade Rice.

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O abrandamento das restrições do governo venezuelano contra a circulação do dólar em sua economia facilitou para algumas pessoas usar dinheiro enviado de fora. Em muitos casos, nenhum dinheiro vivo chega a ser trocado efetivamente. Venezuelanos com mais recursos utilizam cada vez mais aplicativos digitais, como Zelle, para pagar por mercadorias e serviços com dólares depositados fora do país.

Ainda assim, autoridades americanas descrevem o panorama econômico da Venezuela como um tanto quanto ilusório.

Tráfego diário em um mercado ao ar livre em Caracas, em 10 de janeiro Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

“Eles conseguiram ajustar muitos dos seus problemas após as sanções serem implementadas por meio de dolarização”, afirmou o ex-subsecretário de Estado Mark Wells, “e portanto começa a parecer, com o tempo, que eles são capazes de alcançar um status que, basicamente, ajuda as elites do país, mas os pobres continuam muito, muito miseráveis.”

“Então não é verdade que a coisa por lá esteja mais estável e melhor”, acrescentou Wells.

Maduro assumiu a presidência da Venezuela quase dez anos atrás e foi reeleito mais recentemente em 2018, em uma votação amplamente considerada fraudulenta, que não foi reconhecida por grande parte da comunidade internacional.

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A convicção disseminada de que Maduro fraudou a eleição levou a Assembleia Nacional a determinar o cargo de presidente vago e usar uma provisão constitucional para nomear outro chefe de governo, Juan Guaidó, um ex-líder estudantil. Ele foi reconhecido por dezenas de países, incluindo os EUA, como governante legítimo da Venezuela.

Yrelys Jimenez caminha para casa com seus filhos no retorno do trabalho como professora, em San Diego De Los Altos, em imagem de 10 de janeiro Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

Mas como líder de um governo paralelo responsável por contas e ativos financeiros congelados no exterior, ele não obteve nenhum poder dentro do país.

Em dezembro, a Assembleia Nacional destituiu Guaidó e o governo interino, em um movimento que alguns observadores consideraram favorável a Maduro. Várias figuras da oposição anunciaram que concorrerão em primárias marcadas para outubro, apesar de muitos analistas políticos serem céticos em relação à disposição de Maduro em permitir eleições críveis e justas. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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