Crime organizado ameaça democracia e corrupção é veneno na sociedade, diz comissária europeia

Em entrevista ao ‘Estadão’, a responsável por Assuntos Internos da União Europeia revela também ter fechado novo acordo com Brasil para reagir à presença do PCC na Europa e comenta a novas regras e as restrições de migração no bloco

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Foto: Felipe Frazão/Estadão
Entrevista comYlva JohanssonComissária da União Europeia para Assuntos Internos

BRASÍLIA - A comissária para Assuntos Internos da União Europeia, Ylva Johansson, afirmou em entrevista ao Estadão que o bloco está muito preocupado com os casos de interferência estrangeira russa com redes de espionagem, que vêm sendo denunciados por agências de inteligência no continente europeu. Segundo ela, os serviços russos tentam influenciar o sistema político europeu e ameaçam a democracia.

“Estamos muito preocupados com isso. Vimos e há provas de muitos ataques realizados por russos e suspeitamos de vários outros”, disse a comissária, que reavalia agora um política ainda mais rigorosa na concessão de vistos a indivíduos de origem russa.

No ano passado, a França apontou a inteligência da Rússia como ator por trás de uma campanha antissemita que espalhou pichações de estrelas de Davi em prédios de Paris e teria atuado para amplificar a repercussão digital. Em outra suposta frente de desestabilização, a agência de inteligência do Reino Unido afirmou neste mês que os serviços russos tentam espalhar caos nas ruas europeias e britânicas. Vladimir Putin classificou a acusação como “bobagem absoluta”.

Ex-parlamentar e ex-ministra na Suécia, a comissária é a primeira autoridade a ocupar este cargo a visitar o Brasil. Sob sua responsabilidade, estão agências que trabalham na segurança pública, combate ao tráfico de drogas e humano, a crimes online e o controle da imigração.

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A comissária está prestes a concluir seu mandato no cargo (2019 a 2024) e teve como grande desafio rediscutir as regras migratórias, diante do avanço e a influência da extrema direita europeia. O bloco aprovou e agora vai implementar o Novo Pacto sobre Migração e Asilo, e pode sob a liderança renovada de Ursula von der Leyen facilitar a expulsão de quem estiver ilegal.

“A migração não vai parar e estamos colocando a casa em ordem”, afirmou a comissária, que negou ainda a possibilidade de a área de livre circulação entre países mais conhecida do mundo estar ameaçada pelos controles de fronteira. O espaço Schengen registrou 600 milhões de entradas no ano passado.

Aos 60 anos, Ylva Johansson foi três vezes membro do Parlamento Sueco, o Riksdag, ministra do Emprego, do Emprego e Integração, da Saúde e Cuidados com Idosos, Escolas, professora e atuou na iniciativa privada.

Acordo contra facções brasileiras e máfias europeias

Durante a passagem por Brasília e Natal, participou da reunião ministerial do G-20 Anti-corrupção e de audiências com os ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Levandowski; da Controladoria-Geral da União, Vinícius Marques de Carvalho; do Gabinete de Segurança Institucional, Marcos Amaro, e com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos.

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Ela afirmou ao Estadão que a União Europeia e o Brasil concluíram negociações para implementar, nos próximos meses, uma cooperação policial que permitirá a troca de informações pessoais detalhadas sobre suspeitos de envolvimento com o crime organizado, sobretudo membros das facções narcotraficantes brasileiras, que se estabeleceram em ao menos sete países europeus, entre eles Portugal.

Ela se refere ao Primeiro Comando da Capital (PCC), e sua equipe identificou que o rival Comando Vermelho (CV) já tem vínculos com parceiros das principais organizações como máfias da Europa, dos Bálcãs e do Oeste da África. Segundo a comissária, organizações criminosas têm atuado em ataques terroristas - também existe a suspeita de que sejam recrutados por serviços de inteligência hostis.

“É necessária uma rede (policial) para combater uma rede (criminosa). Esses grupos criminosos não veem fronteiras e é por isso que precisamos facilitar o trabalho das forças policiais sem fronteiras”, afirmou Johansson, segundo quem esse acordo será um divisor de águas nas investigações conjuntas. A minuta foi assinada durante encontro com o ministro Levandowski.

Ela classificou o crime organizado como uma “ameaça à democracia”, e a corrupção, como um “veneno para a confiança na sociedade”. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

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Qual a razão de sua visita ao Brasil? Há alguma nova cooperação a ser anunciada nesses dias?

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Estamos sofrendo na União Europeia com grupos criminosos organizados e isso tem sido a minha prioridade durante o meu mandato. Nós fortalecemos a Europol e criamos um novo plano de ação. Nós montamos juntos uma aliança de portos e cooperamos para deter especialmente o tráfico de cocaína em contêineres, mas também outras drogas. Fizemos um mapeamento dos grupos criminosos organizados na Europa e eles têm ligações claras através do Atlântico com os países latino-americanos, o Brasil e outros países. As redes criminosas brasileiras estabeleceram-se em vários países da UE.

Em quantos e quais países?

Nós temos indícios de pelo menos sete. É o PCC. Claro, é muito difícil dizer claramente porque você precisa de uma investigação ou processo. Mas nós temos indicações claras de redes criminosas brasileiras estabelecidas na União Europeia e também nos Bálcãs Ocidentais. E as redes criminosas ativas na UE e nos Bálcãs Ocidentais estabeleceram-se aqui.

Essas redes criminosas são um enorme desafio e ameaça à sociedade. Elas estão ameaçando a nossa segurança, mas também estão ameaçando nossa democracia. Elas estão infiltrando a economia, usando corrupção em grande escala. E são muito fortes, muito profissionais e têm muitas capacidades, capacidade financeira e também de violência. E eu penso que para combater essas redes, também precisamos de uma rede. Esses grupos criminosos não veem fronteiras e é por isso que precisamos facilitar o trabalho das forças policiais sem fronteiras.

Precisamos fortalecer nossa cooperação com o Brasil e também com outros países. Já temos uma excelente cooperação policial com o Brasil, em andamento há vários anos, com oficiais de ligação brasileiros na Europa. O Brasil está participando das diferentes operações policiais que fizemos, de dezenas delas.

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Mas até agora nós não conseguimos compartilhar dados pessoais, informações específicas sobre um suspeito específico, por exemplo. Para isso precisamos de um acordo de status especial. Quando o novo governo assumiu e vimos um novo apetite por trabalhar com a UE por parte do lado brasileiro, eu imediatamente me ofereci e disse ‘não deveríamos negociar para encontrar um bom acordo de cooperação policial, entre Brasil e UE, para a Europol e a polícia brasileira?’. Posso anunciar hoje que agora finalizamos as negociações.

Vai virar realidade, há um novo acordo de cooperação policial do Brasil com UE?

Sim. Vai demorar alguns meses antes de termos a formalização da entrada em vigor do acordo, mas já alcançamos. Isso significa que nossa já excelente cooperação policial pode ser fortalecida ainda mais. Então este é o assunto mais importante para minha visita aqui é fortalecer a cooperação policial e alcançar este novo acordo.

O novo acordo vai facilitar o compartilhamento de dados sobre indivíduos suspeitos de crime?

Sim, também indivíduos. A atual estrutura para cooperação que temos será incluída no novo acordo. Nós temos um regime de proteção de dados muito forte na UE. Então isso significa que para a Europol poder compartilhar dados pessoais com a polícia brasileira, precisávamos deste acordo e agora nós temos isso. E eu acho que isso será um divisor de águas na possibilidade de fazer investigações conjuntas para ir atrás do alto escalão nessas redes criminosas porque podemos ver claramente que elas são muito resilientes. Mesmo quando os líderes principais estão na prisão, eles continuam suas atividades. Então, se nós vamos realmente feri-los e se também teremos a possibilidade de seguir o dinheiro - isso é importante porque é para isso que eles vivem, é para ganhar dinheiro - agora teremos com este novo acordo muito melhores possibilidades para a cooperação.

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É importante para nós porque essas redes criminosas não estão apenas trabalhando através do Atlântico, elas estão realmente trabalhando através da região. O Brasil é um país de trânsito para a cocaína e também têm essas ligações com Peru e Bolívia e Equador, Colômbia. Sei que o governo brasileiro tem esse plano de estabelecer um centro (de cooperação policial internacional) em Manaus. Nós também gostaríamos de conhecer melhor como farão, quais são os planos. E também vimos que o Brasil intensificou seus esforços no Porto de Santos. Essa é a razão pela qual muito mais cocaína agora está saindo por Guaiaquil, no Equador. É um jogo de bate-e-volta.

Vemos o mesmo na Europa quando recebemos a cocaína. Por isso construímos essa aliança de portos. Agora somos 33 portos europeus para garantir que se um porto faz algo para prevenir que o tráfico emerja em outro porto diretamente. Gostaria também de aprender mais sobre como eles estão trabalhando com prevenção e triagem dos contêineres e assim por diante. E também claro de outras formas de contrabando. Essas redes criminosas são muito adaptáveis, então eles encontram novas maneiras.

Gostaria de ver o mesmo tipo de cooperação do lado judicial. Precisamos da cooperação policial, mas também precisamos da persecução penal e das condenações. É por isso que também gostaria de argumentar por uma cooperação mais próxima na questão judicial.

Você mencionou que essas organizações são uma ameaça à democracia. Nós temos evidências no Brasil que eles estão tentando penetrar no sistema político, financiam campanhas para eleger deputados, prefeitos... Algo similar acontece na Europa?

Nós vimos parte disso quando vem de interferência estrangeira, mas não quando se trata de grupos criminosos. Mas vemos grupos criminosos também envolvidos em ataques terroristas. E o que podemos ver que essas redes criminosas, 70% delas estão envolvidas em corrupção, e a corrupção é um veneno para a confiança na sociedade. Eles também tentam infiltrar a polícia alfandegária e isso é claro uma enorme ameaça à democracia e à confiança na sociedade.

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Ylva Johansson, comissária europeia para Assuntos Internos, em entrevista exclusiva ao Estadão: indícios da presença do PCC em sete países e de colaboração do Comando Vermelho com máfias europeias Foto: Felipe Frazão/Estadão

É uma preocupação na UE, como parceiro do Brasil, que essa facção, o PCC, poderia estar infiltrando o sistema político brasileiro?

Bem, sim. Isso também faz parte da corrupção e isso é claro que está no topo de nossa agenda e é uma preocupação. Mas não é nada que vai me impedir de ter relações mais próximas e cooperação mais estreita com o Brasil.

Espiões russos estão mais ativos do que nunca nos últimos anos na Europa. Chefes de agências de inteligência europeias e os britânicos já relataram casos recentes, pessoas de origem russa foram presas suspeitas de espionagem, sabotagem ou até mesmo de promover discursos de ódio, como acusa a França. Como você descreveria o nível de preocupação? São uma ameaça real à segurança da Europa?

Sim. É extremamente alto. Estamos muito preocupados com isso. Vimos e há provas de muitos ataques realizados por russos e suspeitamos de vários outros. Estamos vendo ucranianos sendo atacados em estados membros da UE e também vimos neste verão que houve uma troca de cidadãos onde podemos ver espiões russos que viveram disfarçados por mais ou menos uma vida inteira em um Estado membro da UE. Então, está claro que isso é uma preocupação.

É por isso que há dois anos suspendemos uma facilitação de visto, o que é chamado de mecanismo de facilitação de visto com a Rússia, e introduzimos um regime muito mais rigoroso quando se trata de vistos para nacionais russos. Os vistos russos em direção à UE caíram 90% desde então. Mas ainda muitos russos estão realmente entrando e é por isso que agora iniciei o que é chamado de avaliação ou análise dessas diretrizes quando se trata da política de vistos em direção à Rússia, se precisamos ser ainda mais rigorosos.

O nível de segurança para o terrorismo foi elevado por causa após a guerra em Gaza e no Oriente Médio. Qual o grau de atenção para o terrorismo agora na Europa?

Sim, primeiro o nível de ameaça subiu. Isso é claro. Vimos um aumento exponencial de ódio anti-semita e anti-muçulmano online. É importante dizer: o sofrimento dos cidadãos europeus não é nada comparado ao sofrimento das pessoas no Oriente Médio. Crianças sendo mortas todos os dias... Claro, eu foco na União Europeia porque essa é a minha ocupação, mas o grande sofrimento é no Oriente Médio.

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Vimos ataques terroristas realizados após o 7 de outubro e vimos o ódio online disparar e temos uma legislação bastante nova na UE chamada Conteúdo Terrorista Online onde o Estado membro pode exigir que empresas de Internet retirem conteúdo terrorista do ar dentro de uma hora. E realmente temos utilizado essa nova legislação em larga escala e funciona muito bem. As empresas estão cumprindo e retirando o conteúdo terrorista muito rapidamente. O encaminhamento voluntário de conteúdo terrorista online também aumentou algo em torno de 1.000%. Vemos uma cooperação muito melhor, devo dizer, graças à nossa nova legislação.

O Brasil assistiu a uma longa briga pública entre Elon Musk, o X (antigo Twitter), e o Supremo Tribunal Federal. Vimos há algumas semanas que o fundador do Telegram Pavel Durov foi preso na França durante investigações criminais. Ambas plataformas são acusadas de não cooperar com as autoridades legais, ignorar comunicações e ordens judiciais. Estamos vivendo uma era de embates entre os Estados nacionais e essas plataformas digitais? Como responsabilizá-los e fazê-los cooperar?

Tenho uma opinião clara. Precisamos fazer muito mais para regular as plataformas e fazê-las cumprir com a cooperação. Claro que devemos manter um diálogo, mas isso não será suficiente. Eles têm muito poder e não são transparentes sobre o que estão fazendo. Nós realmente não sabemos o que está acontecendo de fato.

Algo muito importante na minha agenda é a luta contra o abuso sexual infantil, violência sexual contra crianças. É uma pandemia online. Você pode ver crianças sendo abusadas em seus piores momentos, estamos falando sobre violência sexual severa contra bebês e crianças pequenas que são compartilhadas online com seus colegas. Nós temos visto transmissões ao vivo de violência sexual severa contra crianças. A extorsão sexual disparou. Vemos como eles agem e como esses algoritmos capturam as pessoas quando se trata de radicalização, por exemplo.

Eu diria que eles têm que ser responsáveis pelo que acontece em suas plataformas, como seus serviços são usados e eu acho que é realmente hora de agora termos alguma regulamentação. Temos na UE mas também precisamos de uma abordagem mais global para fazê-los cumprir com a decência online.

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Algumas dessas plataformas recebem apoio político de um espectro bem específico, ao menos no Brasil. Nos EUA estão tentando influenciar a eleição também. Imagino que aconteça na Europa. Os grupos de extrema direita conseguem manobrar a opinião pública por meio das plataformas?

Sim, nós vemos isso porque vemos extremistas usando-as e vemos agora um extremismo de direita bastante agressivo em ascensão. O que Elon Musk está fazendo agora com o X é realmente preocupante em relação à eleição nos EUA, mas eu diria que o maior problema não são suas preferências políticas. O grande problema é que não há um controle real sobre eles. Eles estão vivendo em seu próprio mundo e é muito difícil para um Estado nacional regular porque eles são globais. Por isso que também precisamos de uma cooperação global e para estabelecer alguns padrões para essas plataformas de Internet. Estamos em um momento crítico porque caso contrário, e eu estou bastante preocupada, eles têm que começar a cumprir com um comportamento decente e eles têm que ser responsáveis pelo que realmente está acontecendo em seus serviços.

A UE conseguiu aprovar sua legislação, mas o Brasil está há ao menos cinco anos tentando e fracassou. Quanto tempo vai levar para a comunidade internacional ter uma regulamentação comum?

É difícil de responder. Estou orgulhosa do que fizemos no âmbito da UE. Não tenho certeza se é suficiente, então talvez precisamos fazer mais. Talvez seja muito difícil ter uma legislação global, mas o que precisamos é mais de uma cooperação global entre democracias com o mesmo pensamento.

Como avalia a condução da presidência brasileira no grupo anticorrupção do G-20? Houve a ênfase necessária a um tema importante?

Estou confiante de que a presidência brasileira está fazendo isso da maneira certa e o G-20 é uma arena importante para isso.

O Brasil caiu algumas posições nos rankings de corrupção nos últimos anos. A Transparência Internacional virou alvo de investigação no País. A OCDE expressou preocupação sobre o nível de corrupção no Brasil recentemente, com suspensão de multas e anulação de condenações. Qual é a visão da UE?

Não estou aqui para fazer avaliação de qual é a situação no Brasil, mas a situação geral é que nós não estamos fazendo o suficiente quando se trata de corrupção. Podemos ver isso no nível da UE, não estamos fazendo o suficiente. É por isso que eu apresentei no ano passado um grande pacote anticorrupção com nova legislação que agora estamos trabalhando para aprovar e implementar. Globalmente isso é importante e acho que no Brasil é o mesmo. É importante fazer mais para combater a corrupção porque assim como nós fazemos também na UE, a luta contra a corrupção é realmente sobre a confiança na sociedade. É importante que as pessoas possam confiar na sociedade, que possam confiar na aplicação da lei, e se isso não acontecer, e às vezes não acontece, então é importante qual é a reação da sociedade. E o que vimos é também que é importante que não só a prevenção seja importante, mas também são importantes a acusação e condenações, também de alvos de alto escalão quando se trata de corrupção. Isso envia um sinal muito importante.

A imigração é um tema muito polarizador na Europa. O que vamos ver nos próximos anos quando o novo Pacto de Migração e Asilo aprovado recentemente se concretizar? Há muita preocupação de especialistas e também países voltando a impor controles internos de fronteira e a senhora pede que revertam essas políticas. Poderia ser o começo do fim do sonho de uma área de livre circulação?

Não, não, não. Isso não vai acontecer. Não estou com medo disso de forma alguma. Temos alguns estados membros com controles de fronteira internos, mas eles estão fazendo de forma muito seletiva, com base em inteligência. Nós não temos fronteiras fechadas. Não é isso que me assusta.

E sobre migração, quando eu assumi o cargo há cinco anos essa era uma das minhas maiores tarefas, desbloquear a situação bloqueada quando se trata de migração. A migração era um pouco tóxica. E os Estados membros não conseguiam encontrar uma abordagem comum. E essa tem sido a minha grande tarefa durante este mandato e eu consegui. Então agora temos um novo Pacto de Migração e Asilo que protegerá o direito de solicitar asilo, que protegerá os direitos dos solicitantes de asilo, que protegerá os mais vulneráveis.

Mas também protegerá melhor nossas fronteiras externas e terá retornos mais rápidos daqueles não elegíveis para permanecer na União Europeia e terá uma solidariedade obrigatória entre os Estados membros. Então estou muito orgulhosa de ter conseguido este pacto de migração e também muito feliz por ter o forte apoio do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).

É uma resposta para aqueles que dizem que não vamos respeitar os direitos fundamentais. Nós estamos realmente respeitando os direitos fundamentais, mas estamos colocando nossa própria casa em ordem. Havia muitas brechas em nossa política de migração e agora estamos fechando essas brechas e temos uma abordagem comum.

O foco nos próximos anos será a implementação. Ainda vamos ouvir, claro, algumas vozes que defendem algo diferente, mas não estou com medo de que algo diferente vai acontecer. Foi muito difícil fazer, mas agora está acordado com uma ampla maioria e isso será implementado e terá um grande impacto para gerir melhor a migração de uma forma mais ordenada. A migração sempre existiu e sempre existirá como parte da humanidade. Nós migramos. Nossa tarefa como políticos é gerir a migração de uma forma ordenada.

E a União Europeia agora está hospedando 20% da população global de refugiados. Não é tão ruim. E ainda estamos fazendo reassentamento de refugiados do ACNUR.

Precisamos de migração na União Europeia, mas eles têm que vir de uma forma legal. Portanto, também precisamos investir mais em migração legal para a UE. Sempre haverá debate, mas a situação geral agora está muito melhor do que há alguns anos. E você pode comparar, por exemplo, com os EUA onde acho que eles nunca conseguiram encontrar um acordo bipartidário sobre migração. Nós encontramos um, tanto com diferentes partidos políticos quanto com quase todos os 27 Estados membros.

Isso é algo para ter orgulho e também torna a Europa uma voz mais forte no gerenciamento global da migração. Porque quando eu viajei no início do meu mandato para outros países eles costumavam dizer, ‘então, você vem aqui para discutir migração. Que tal colocar sua própria casa em ordem?’ Agora estamos colocando nossa própria casa em ordem.

Então agora você pode viajar para falar sobre migração aqui no Brasil, por exemplo. Nós estamos na rota para os EUA, talvez um pouco menos para a Europa. Mas alguns de nossos países vizinhos, como Venezuela e Colômbia, sim. Sírios, afegãos, turcos, venezuelanos e colombianos foram os que mais buscaram asilo no ano passado.

A migração é um desafio global e a migração não vai parar. Então é importante gerenciarmos a migração de uma forma ordenada juntos.

Há cerca de 1 milhão de pedidos de asilo acumulados na Europa pendentes de decisão (959 mil). É o maior número em oito anos. Alguns especialistas sugerem que a UE deveria permitir o processamento dos pedidos fora de suas fronteiras.

Não é possível. Está claro no novo pacto de migração e asilo. Não é possível. Isso não vai acontecer. Temos um alto número de solicitações de asilo. Temos números de chegadas irregulares à União Europeia que diminuíram significativamente. Acho que terminaremos com menos de 200 mil este ano, quando o ano terminar. Então, o número de irregulares está diminuindo, mas a solicitação de asilo está aumentando. Isso significa que temos um número considerável de pessoas viajando para a UE por avião, sem necessidade de visto, desses países e solicitando asilo, sem que tenham necessidade de proteção internacional. Então, isso é um uso indevido do sistema de asilo.

Então a maioria desses pedidos será rejeitada?

Sim, a maioria deles. Eles não estão chegando de forma irregular. Eles estão vindo com seus vistos ou às vezes sem visto, viajando para a União Europeia e, eu devo dizer, abusando um pouco do sistema de asilo, porque eles não têm necessidade de proteção internacional. Eles estão vindo de países onde você não precisa de proteção internacional na maioria das vezes. E é por isso que também precisamos, e isso será para um trabalho da próxima Comissão Europeia, reavaliar nossa política de vistos.

Você acabou de mencionar que esses controles de fronteira e pontos de fiscalização na Europa não são uma ameaça à área de trânsito livre, a Schengen. É a maior do mundo, bastante reconhecida. Mas já somam 450 desde 2006.

Devemos ter uma proporção aqui porque os países que os realizam fazem isso seletivamente. Então, é importante entender que não é que todo mundo seja verificado na fronteira e eles precisam relatar à UE em situações específicas e explicar por que estão fazendo isso e agora temos uma nova legislação que entrará em vigor. Isso também vai tornar os requisitos ainda mais rigorosos sobre quanto tempo você pode ter os controles de fronteira interna e que tipo de medidas mitigadoras você deve tomar para poder suspendê-los.

Alguns vigentes se estendem para o ano seguinte.

É muito tempo. Não é um problema quando um país introduz controles de fronteira internos por um motivo específico. Eles terão uma cúpula política importante, eles terão Jogos Olímpicos, eles terão diferentes atividades que exigem medidas de segurança adicionais. Então, o número de introduções não é um problema. O problema é quando os estados membros os prolongam por tempo demais e agora com a nova legislação que agora se tornará o Código de Fronteiras Schengen tornará isso prazos mais restritos.