Barack Obama elegeu-se presidente dos EUA com uma plataforma ambiciosa: grandes mudanças na política energética, sistema de saúde e redução de impostos para a classe média. Mas com a economia vivendo sua maior crise desde a Grande Depressão, iniciada em 1929, a mudança vai ter de esperar. Obama deve passar seus primeiros 365 dias de governo tirando a economia do país da UTI. Ele mesmo já admitiu, em entrevista poucos dias antes da eleição, que sua prioridade será estabilizar o sistema financeiro. "Nenhuma das metas de saúde, corte de impostos e energia poderá ser alcançada se continuarmos com um derretimento do sistema bancário e financeiro. Precisamos garantir que o encanamento da economia esteja funcionando." Obama apresentou propostas detalhadas para expandir a assistência de saúde, criar empregos ecológicos com investimento público em energia alternativa e reduzir impostos para a classe média e idosos. A crise financeira, porém, vai obrigar o democrata a adiar algumas propostas e reduzir o escopo de outras. Alguns programas ganham urgência, como a regulamentação do sistema financeiro e o investimento em infra-estrutura, que estimula a atividade econômica. Outros terão de ser repensados, como a reforma do sistema de saúde, que exige um enorme capital político em um ano no qual o combate à crise vai consumir as atenções do Congresso. Iniciativas ambientais, que implicam custos para a economia, também podem ser adiadas. AGENDA MODESTA O déficit do orçamento deve chegar a US$ 1 trilhão em 2009 com o pacote de resgate do sistema financeiro e mais medidas de estímulo fiscal que o Congresso quer aprovar. A dívida dos EUA, no fim do governo Clinton, era de US$ 5,6 trilhões. Agora está em US$ 10,3 trilhões - o maior aumento já ocorrido na história. Pode chegar a US$ 11,8 trilhões até o fim do ano fiscal. "Com um déficit de US$ 1 trilhão, a agenda de qualquer um fica mais modesta", diz Tyler Cowen, professor de economia na George Mason University. "Acho que Obama poderá agir bastante na área de regulamentação do sistema financeiro, que não requer muitos recursos; mas seus planos ambiciosos em saúde e energia serão todos adiados." Depois de anos de desregulamentação que ajudaram a criar o atual caos financeiro, reformar a supervisão do mercado está no topo da agenda de Obama. Ele pretende endurecer a regulamentação de hedge funds (fundos de investimentos arriscados), da remuneração de executivos de bancos e de derivativos como os credit default swaps (seguro contra calote), que levaram à quebra da AIG. Obama também quer criar uma comissão de supervisão financeira e consolidar as agências regulatórias. O democrata também disse em sua primeira entrevista, na sexta-feira, que um segundo pacote de estímulo fiscal é sua prioridade, antes ou depois da posse, em 20 de janeiro. Esse pacote incluiria gastos em infra-estrutura, expansão de seguro-desemprego e ajuda a montadoras - como forma de injetar dinheiro e aquecer a atividade. A criação de um banco de investimento em infra-estrutura, proposta por Obama durante a campanha, ganhou impulso na crise. O banco teria US$ 60 bilhões para ajudar Estados e cidades a investir em obras como pontes e estradas. Agora, essa proposta pode crescer para US$ 150 bilhões, dentro do pacote de estímulo. INDEPENDÊNCIA ENERGÉTICA A equipe de Obama insiste que o momento também é ideal para implementar os planos de independência energética. "Precisamos aproveitar essa oportunidade, não é apenas uma questão de independência energética, mas também de segurança nacional e empregos - podemos criar 5 milhões de novos empregos", disse Obama. O democrata disse que seria necessário um investimento de US$ 150 bilhões para isso. No entanto, especialistas estimam que seriam gastos pelo menos US$ 500 bilhões, o que complicaria a implementação do plano em meio ao já crescente déficit. Iniciativas ambientais defendidas por Obama certamente terão de ser adiadas. "Não vamos implementar um sistema aperfeiçoado de créditos de carbono em meio a uma enorme recessão, isso tem custos e terá de ser adiado", diz Theodore Moran, professor de finanças da Universidade Georgetown. Um dos primeiros testes de Obama será a escolha do secretário do Tesouro, que deve ser anunciado no final de novembro, mas há expectativa de que aconteça ainda nesta semana. Os nomes mais cotados são o de Lawrence Summers, secretário do Tesouro no governo Clinton, e Timothy Geithner, diretor do Federal Reserve de Nova York. Essa escolha indica a forma como será conduzido o pacote de resgate financeiro no governo Obama. O pacote aprovado pelo Congresso prevê US$ 700 bilhões para compra de ativos podres de bancos e investimento no sistema bancário. Mas o próximo secretário do Tesouro terá decisões importantes para tomar, como, por exemplo, conduzir a compra dos ativos podres de bancos, se é que a iniciativa sairá do papel. A eventual compra de participação acionária em empresas, e não apenas bancos, como tem ocorrido até agora, é outra escolha que terá de ser feita. Obama também defende um programa mais ambicioso de renegociação de financiamentos imobiliários para reduzir a taxa de execução de hipotecas. Um programa como esse apresenta desafios, porque corre o risco de estimular pessoas que poderiam pagar suas prestações a ficarem inadimplentes e pedirem ajuda do governo. Os problemas domésticos vão consumir a maior parte do tempo do novo presidente, mas sua atuação econômica terá de ser global em meio a uma crise financeira internacional. No próximo fim de semana, representantes de Obama devem participar do encontro do G-20 sobre a crise. O presidente eleito também pode marcar encontros bilaterais com chefes de Estado que estarão presentes no encontro, como o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o premiê britânico, Gordon Brown.
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