MOSCOU - Um dia após o presidente americano, Joe Biden, alertar o presidente russo, Vladimir Putin, que os custos de um ataque à Ucrânia seriam graves, não há indicação de que as tensões estejam diminuindo. Embaixadas estrangeiras continuam a retirar funcionários não essenciais da Ucrânia, países pedem aos seus cidadãos que deixem o país e o acúmulo de militares russos na região não aponta para sinais de desaceleração.
Neste domingo, 13, a Rússia expressou preocupação com a decisão da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) de "realocar" alguns de seus funcionários na Ucrânia. "Essas decisões só podem nos causar uma grave preocupação", disse a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, observando que a OSCE informou seus membros, incluindo a Rússia, que alguns países "vão realocar seus cidadãos que participam da missão especial na Ucrânia, devido a uma 'deterioração das condições de segurança'".
Enquanto a Rússia continua a negar que planeja invadir seu vizinho e semanas de diplomacia frenética mostraram poucos sinais de progresso, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, pediu calma e tenta acalmar as tensões. Apesar das advertências americanas sobre a proximidade das tropas russas, o governo ucraniano prometeu, neste domingo, manter seu espaço aéreo aberto para viagens internacionais.
"O espaço aéreo ucraniano permanece aberto, e o Estado está trabalhando para prevenir os riscos para as companhias aéreas", disse o Ministério da Infraestrutura em um comunicado divulgado no Facebook.
Diante do aumento da tensão, a companhia aérea holandesa KLM anunciou, na véspera, que estava suspendendo todos os seus voos no espaço aéreo ucraniano até novo aviso. Um avião ucraniano SkyUP que voava da Ilha da Madeira para Kiev teve de aterrissar em Chinisau, na Moldávia, no sábado, depois que o proprietário do avião proibiu sua entrada no espaço aéreo ucraniano.
"O fechamento do espaço aéreo é um direito soberano da Ucrânia e nenhuma decisão foi tomada nesse sentido", completou o comunicado do Ministério, após uma reunião na presença de funcionários da Presidência, dos aeroportos e das companhias aéreas ucranianas.
A maioria das companhias aéreas continua operando, de acordo com o Ministério, acrescentando que, hoje, 29 companhias aéreas internacionais operam voos de 34 países.
Diplomacia ativa
Mesmo com a subida de tom dos últimos dias, esforços diplomáticos para neutralizar a crise continuam.
Líder de uma das principais nações europeias e membro do Formato da Normandia -- grupo de intervenção que participou da formulação dos acordos de Minsk, entre 2014 e 2015 --, o chanceler alemão, Olaf Scholz, planeja viajar para Kiev, capital da Ucrânia, nesta segunda-feira, 14, e Moscou na terça-feira, 15.
“É nosso trabalho garantir que evitemos uma guerra na Europa, na medida em que enviamos uma mensagem clara à Rússia de que qualquer agressão militar teria consequências muito altas para a Rússia e suas perspectivas, e que estamos unidos com nossos aliados. ”, disse Scholz à câmara alta do Bundestag, o Parlamento da Alemanha, na sexta-feira, 11.
Berlim é vista com ceticismo por muitos na Ucrânia por não fornecer armas militares para ajudar em sua defesa, como fizeram outros aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O embaixador da Ucrânia na Alemanha reclamou, neste domingo, sobre a "hipocrisia alemã" no Twitter, observando que Berlim vende materiais para a Rússia que podem aumentar a produção de armas.
Na semana passada, Scholz viajou para Washington, onde se encontrou com o presidente Biden em uma tentativa-chave de fortalecer a aliança entre os Estados Unidos e a economia mais poderosa da Europa.
Na ocasião, Biden prometeu que um lucrativo projeto de gasoduto conectando Rússia e Alemanha, Nord Stream 2, seria interrompido se Moscou invadisse a Ucrânia.
Scholz não disse explicitamente que o oleoduto será cancelado no caso de uma invasão, mas Biden disse que os dois países estão elaborando suas políticas "em passo de passo".
O Partido Social Democrata de Scholz tem historicamente favorecido fortes laços entre a Alemanha e a Rússia e tem lutado para desenvolver uma postura coerente ao lidar com Putin. Assim, a visita dele será observada de perto em busca de indicações sobre se Scholz está disposto a adotar uma linha mais dura com o Kremlin.
Em entrevista publicada no site do jornal Aftonbladet na noite de sábado, 12, o embaixador russo na Suécia, Viktor Tatarintsev, disse que a Rússia não demonstra preocupação com possíveis sanções de países ocidentais. "Desculpe minha linguagem, mas não damos a mínima para todas as suas sanções", disse. A declaração chega em um momento em que os países ocidentais temem que a Rússia esteja preparando uma invasão da Ucrânia.
Prelúdio de guerra
O secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, criticou os esforços ocidentais para chegar a uma solução diplomática com a Rússia como "apaziguamento" em entrevista ao Sunday Times no sábado.
Autoridades ocidentais estimam que a Rússia reuniu mais de 130 mil soldados nas fronteiras norte, sul e leste da Ucrânia, o que Wallace disse ser suficiente para "lançar uma ofensiva a qualquer momento", algo que ele disse ser "altamente provável".
Wallace comparou a situação com o prelúdio da Segunda Guerra, quando as potências ocidentais cederam território à Alemanha na esperança de evitar conflitos. Ele disse que, embora seja possível que Putin simplesmente “desligue seus tanques”, encerrando a crise, “há um cheiro de Munique no ar de alguns no Ocidente”.
Embora ele não tenha nomeado nenhum país em particular, era uma referência carregada à aceitação diplomática da tomada de território por Hitler fora da Alemanha antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Apoio de líderes autocráticos
O jornal americano The New York Times mencionou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, como um líder autocrático em quem Putin tenta encontrar apoio durante a escalada militar nos arredores da Ucrânia.
"Embora o ameaçador acúmulo militar em torno da Ucrânia tenha sido duramente criticado pela maioria dos governos ocidentais, Putin encontrou apoio em alguns outros líderes autocráticos. O presidente populista do Brasil, Jair Bolsonaro, deve chegar a Moscou na terça-feira, no mesmo dia que Scholz , para um encontro com Putin. A visita é vista como parte da tentativa de Putin de fortalecer suas alianças com países latino-americanos que tradicionalmente estiveram próximos dos Estados Unidos", diz a matéria do Times.
Bolsonaro deve embarcar para Moscou às 19 horas desta segunda-feira e chegar ao destino apenas na noite de terça-feira. Na reunião de quarta-feira, o presidente afirmou que o principal assunto a ser tratado é a preocupação do agronegócio brasileiro sobre a política protecionista russa em torno de fertilizantes essenciais para as lavouras.
"Fui convidado pelo presidente Putin. O Brasil depende de fertilizantes da Rússia e da Bielorrúsia. Levaremos um grupo de ministros também para tratarmos de outros assuntos que interessam ao nosso País, energia, defesa e agricultura", afirmou o presidente em transmissão ao vivo nas redes sociais, após conceder entrevista ao ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PROS), na Rádio Tupi, no sábado, 12.
O jornal The New York Times também citou uma fala do presidente brasileiro no sábado, quando afirmou que: "A gente pede a Deus que reine a paz no mundo para o bem de todos nós". / NYT e AFP
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