QUITO - As imagens chocaram o mundo: membros de gangues invadindo um estúdio de televisão, policiais sendo sequestrados, estudantes universitários correndo por sua segurança. Talvez desde os dias de Pablo Escobar, um país latino-americano não via um ataque tão audacioso aos símbolos centrais do poder.
Agora, o presidente Daniel Noboa enfrenta a difícil, mas não impossível, tarefa de restaurar o Estado de Direito. A rápida declaração de Noboa de um estado de “conflito armado interno” na terça-feira, 9, designando gangues como grupos terroristas, contrastou com respostas mais indulgentes de governos anteriores. As forças armadas do Equador receberão um aumento de recursos, embora estejam enfrentando adversários formidáveis e financeiramente poderosos.
Houve algumas notícias encorajadoras. Em um país normalmente polarizado, surgiu um raro consenso político em apoio à postura firme de Noboa. Endossos vieram de diversos grupos políticos e da sociedade civil, incluindo o ex-presidente Rafael Correa e o líder indígena Leonidas Iza. Esse consenso proporciona a Noboa uma oportunidade política para reformas de segurança agressivas e outras medidas, incluindo seus planos de realizar um referendo sobre a extradição e o confisco de bens de criminosos.
Mas os problemas não começaram ontem. A produção global de cocaína mais que dobrou na última década, de acordo com dados das Nações Unidas. O Equador, especialmente a cidade portuária de Guayaquil, onde grande parte da violência de terça-feira ocorreu, tornou-se um importante ponto de transbordo para a cocaína produzida nos vizinhos Colômbia e Peru. A taxa de homicídios do nosso país disparou quase 500% e agora é uma das mais altas da América Latina. A campanha presidencial do ano passado foi abalada pelo assassinato de um candidato que desafiou publicamente os cartéis cada vez mais poderosos.
A facilidade com que criminosos de alto perfil recentemente escaparam da prisão destaca uma profunda infiltração criminosa nas instituições estatais, especialmente em prisões que funcionam como quartéis-generais criminosos de fato. Esses acontecimentos provocaram um clima de medo sem precedentes, interrompendo gravemente os negócios e a vida cotidiana, e levando muitas empresas multinacionais a realocar seus funcionários estrangeiros.
Noboa, um líder de centro-direita de 36 anos que assumiu o cargo em novembro, enfrenta uma janela política limitada para agir. Ele pode tentar seguir alguns aspectos das polêmicas políticas de segurança do presidente salvadorenho Nayib Bukele e realizar uma grande operação de prisão de suspeitos de gangues. Os grupos criminosos podem intensificar o conflito com consequências imprevisíveis, potencialmente desestabilizando o governo. Por outro lado, sucessos rápidos na área de segurança podem fortalecer a administração de Noboa, levando a uma vitória no referendo e aumentando suas perspectivas de reeleição em 2025.
*Hurtado é fundador e presidente da PRóFITAS, uma consultoria líder em riscos políticos sediada em Quito.
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