A vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, acusou, nesta quinta-feira, 10, o deputado oposicionista Gerardo Milman de envolvimento com o atentado que sofreu, no dia 1° de setembro, quando o brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel tentou atirar contra ela a queima-roupa, em frente a sua casa no bairro da Recoleta, em Buenos Aires. Cristina também disse que vai pedir o afastamento da juíza María Eugenia Capuchetti, que conduz a investigação, a quem acusou de não investigar o que considera evidências sobre o envolvimento do adversário político no caso. Milman tem negado reiteradamente qualquer participação no atentado e acusa kirchneristas de uma “operação suja” contra ele.
Em um vídeo de aproximadamente três minutos publicado no Twitter na manhã desta quinta-feira, Cristina detalhou o suposto envolvimento de Milman no caso. De acordo com a narrativa apresentada pela peça audiovisual ― produzida com locução profissional em off e letreiros animados ― uma testemunha teria se apresentado à juíza Capuchetti dias após o atentado para dar informações sobre uma conversa que teria ouvido, entre o deputado argentino e duas assessoras, em um bar próximo ao Congresso.
“Declarou (a testemunha) que, dois dias antes do atentado, no bar Casablanca, na esquina do Congresso Nacional, escutou o deputado Gerardo Milman dizer a duas mulheres que o acompanhavam, o seguinte: ‘quando a matem, eu vou estar a caminho da Costa’”, diz o vídeo, acrescentando que teria se comprovado judicialmente que tanto a testemunha quanto Milman e as mulheres estariam no bar no dia e horário indicado e que o político teria viajado no dia seguinte para o litoral.
O vídeo continua afirmando que as duas assessoras mencionadas pela testemunha ― uma delas posteriormente identificadas como Carolina Gómez Mónaco, ex-miss Argentina nomeada por Milman como diretora da Escola de Inteligência Criminal da República Argentina em 2017 ― foram citadas, e inicialmente negaram qualquer reunião com o deputado no local e na data indicada, até serem apresentadas a vídeos que mostrariam todos entrando no local. Carolina também seria sócia da apresentadora de TV María Mroue, que trabalha na emissora onde Sabag Montiel e a namorada, Brenda Uliarte, apareceram em entrevistas antes do ataque.
“Embora tenham começado (as assessoras) suas declarações sob juramento mentindo, a juíza Capuchetti não tomou nenhuma medida para seguir investigando. Milman ainda não foi intimado para depor no caso”, afirma o vídeo.
Na mesma publicação em que compartilha o vídeo, Kirchner afirmou que instruiu seus advogados a pedirem o afastamento da juíza do caso. “Quero compartilhar com vocês o seguinte vídeo. Como resultado dos eventos que você vai ver e ouvir, instruí meus advogados a recusar a juíza María Eugenia Capuchetti.”
Atentado contra Cristina
Há semanas, Cristina e aliados próximos têm aumentado a intensidade das acusações contra Milman, tentando implicá-lo no caso. De acordo com o cientista político Facundo Galván, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA), a divulgação do vídeo não parece ser suficiente para mudar o cenário da investigação.
“Já se falava de um vínculo de Milman (com o atentado a Cristina) há umas semanas, mas nem sequer entre o oficialismo (essa versão) foi tomada como uma possibilidade séria. Creio que terminará não sendo relevante (a publicação do vídeo).”
Pouco depois da divulgação do vídeo, o deputado se pronunciou em uma entrevista à Rádio Mitre, registrada pelo jornal argentino La Nación, e disse que a sensação ao assistir às imagens como assistir a um “filme de ficção científica” e classificou as acusações como “delírio” e “loucura”, afirmando que os kirchneristas que reproduzem essa versão teriam uma “atitude fascista de perseguir opositores”. Ele também negou que tenha nomeado a ex-miss Argentina ao cargo apontado no vídeo, mas não detalhou a posição que Carolina ocupou, alegando não poder comentar “segredos de inteligência”.
“Neste caso, a falsa testemunha estava sentada com uma outra pessoa, que disse (à Justiça) não ter ouvido o que essa testemunha disse que ouviu”, afirmou Milman. E acrescentou: “Além disso, a testemunha disse ‘quando a matarem’ e não para quem. E, além disso, nunca disse essa frase (...) É verdade que outro dia viajei a Pinamar e no dia 1º de setembro ao meio-dia estava em Buenos Aires.”
Em uma publicação feita há seis dias em suas redes sociais, Milman já havia lamentado o que classificou como uma perseguição destinada a sujar sua imagem. “Quero que saibam que não tenho medo e que toda essa perseguição absurda não vai tirar um centímetro do meu compromisso de transformar a Argentina. Estou, como sempre, à disposição da Justiça para desarmar essa operação ridícula. Deixe-os investigar tudo o que quiserem”, escreveu.
Ao jornal argentino Clarín, em uma declaração de dias atrás, o deputado já havia confirmado a existência da reunião anteriormente, mas negou qualquer discussão sobre um atentado à vice-presidente. Ele justificou que realmente foi à cidade litorânea de Pinamar um dia antes do atentado, mas para participar de um ato de campanha de um político local, e que voltou à capital antes da tentativa de disparo contra a presidente.
Atentado contra Cristina Kirchner
O brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel, de 35 anos, apontou uma pistola semiautomática Bersa Thunder 380, de fabricação argentina, contra a vice-presidente Cristina Kirchner e puxou o gatilho na noite de 1° de setembro, quando a líder peronista participava de um ato com militantes de seu movimento político em frente à sua casa, no bairro da Recoleta, em Buenos Aires. A arma, que estava carregada, não disparou.
A investigação oficial apontou que Fernando Montiel teve cúmplices que o motivaram e ajudaram a planejar o atentado contra a vice-presidente, incluindo sua namorada, a argentina Brenda Uliarte, de 23 anos. Ao menos quatro suspeitos foram presos por suposto envolvimento no caso, e Montiel e Brenda já foram processados por tentativa de homicídio. Ele teria inclusive estudado o local do atentado antes de cometer o crime.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e outras autoridades do país classificaram a tentativa de homicídio contra Cristina como o mais grave atentado contra a democracia argentina desde a redemocratização.
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