A Suprema Corte da Venezuela afastou o presidente da Cruz Vermelha Mario Villarroel, que ocupou o cargo por quatro décadas. A restruturação “ampla” da direção foi ordenada depois que a ONG entrou na mira do Partido Socialista Unido da Venezuela, do presidente Nicolás Maduro, e preocupa ativistas.
A Cruz Vermelha afirmou que mantém o trabalho de ajuda humanitária sem interrupções em todo país. A declaração, no entanto, não afasta o temor do que a intervenção pode representar para o futuro das entidades na Venezuela em meio à crise política e econômica.
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“É um precedente perigoso para o direito de liberdade de associação e reunião”, alertou Rafael Uzcátegui, coordenador da ONG de diretos humanos Provea em entrevista à AFP. O ativista criticou a velocidade do julgamento “sem a possibilidade de exercer o direito de defesa” e expressou solidariedade ao então presidente da Cruz Vermelha. “Acreditamos na inocência de Villarroel”, ressaltou.
A ideia de que esse pode não ser um caso isolado também foi expressada pela ONG Acesso a Justiça. Em nota, a entidade disse temer que o caso da Cruz Vermelha possa “servir de roteiro” a ser aplicado a partir de agora.
A decisão da Suprema Corte venezuelana aponta acusações de maus-tratos e assédio contra voluntários e funcionários da ONG para justificar a intervenção.
Mario Villarroel, de 75 anos, presidia a Cruz Vermelha desde 1978. Ele passou a ser investigado pelo Ministério Público depois de virar alvo de governistas, acusado por Diosdado Cabello, número dois do Partido Socialista Unido da Venezuela, de “conspirar” contra o presidente Nicolás Maduro.
O governista insiste que a ONG trabalha em conjunto com atores interessados em “derrubar” o presidente. Uma referência aos Estados Unidos que, segundo Cabello, financiam as organizações por meio da agência de desenvolvimento internacional com a suposta intenção de intervir na Venezuela.
Para o cientista político Ricardo Sucre, o resultado do processo contra Cruz Vermelha mostra que o governo está disposto a agir se achar que qualquer organização pode ser voltar contra o poder de Nicolás Maduro.
O cerco pode se fechar ainda mais caso seja aprovada a lei em tramitação na Assembleia Nacional da Venezuela para aumentar a fiscalização sobre as ONGs. Centenas de organizações rechaçaram o texto e alertaram que sociedade venezuelana perderia a capacidade de “recorrer à solidariedade, proteção e cooperação internacional” se a medida entrar em vigor.
O projeto, que passou pela primeira votação no início do ano também foi criticado pela ONU. A missão que investiga violações de direitos humanos no país afirmou que a lei pode “representar um ponto sem volta no fechamento do espaço cívico e democrático” venezuelano.
No horizonte da preocupação crescente está a Nicarágua. Este ano, a ditadura de Daniel Ortega dissolveu a Cruz Vermelha e passou para o controle do governo a entidade criada para substituir o trabalho e administrar os recursos da ONG.
No caso da Venezuela, a Suprema Corte determinou que o empresário Ricardo Cusanno será interventor da Cruz Vermelha. Nas redes sociais, ele anunciou que daria início ao processo para o que chamou de “eleição transparente” da direção da ONG no país.
A promessa tem como plano de fundo as alegações de que Mario Villarroel teria se mantido no cargo por meio de votações “irregulares”, segundo descrito na ordem da Suprema Corte. A nova eleição, entretanto, deve demorar. Os interventores têm o prazo de um ano, que ainda pode ser prorrogado, para eleger um novo conselho diretor.
Antes da decisão ser anunciada, o vice-presidente da Federação Internacional da Cruz vermelha, Miguel Villarroel, filho de Mario, se manifestou contra a intervenção. “Peço da forma respeitosa que não permitam que uma ação arbitrária de um ente estatal manche os 128 anos de existência da nossa instituição”, apelou sem sucesso em vídeo publicado nas redes sociais./AFP
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