Cúpula das Américas demonstra dificuldades de Biden na América Latina

Casa Branca não consegue definir metas claras para a região além da questão migratória e continente não é prioridade, segundo analistas

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Foto do author Beatriz Bulla

O logo da Cúpula das Américas deste ano virou uma piada nos corredores do evento em Los Angeles. Na imagem, triângulos coloridos formam o mapa das Américas do Norte, Central e do Sul. Um embaixador brincou com colegas que aquele era o retrato perfeito do encontro: cada figura aponta para lados diferentes, sem unidade possível. Diplomatas, empresários e analistas comentam na Cúpula que a ausência de uma estratégia clara e concreta na reunião revela que, para o governo Biden, anfitrião do evento, a América Latina não é uma prioridade.

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A desorganização dos americanos em realizar o fórum é citada por representantes dos governos como uma demonstração de pouco engajamento com a região. A definição da agenda, diretrizes logísticas para circular no local e outros acertos considerados praxe no dia a dia desse tipo de evento foram articulados de última hora. Documentos de conteúdo dos assuntos tratados foram apresentados aos países participantes só nos dias que antecederam a reunião, segundo diplomatas. E, na véspera da chegada de Joe Biden, os presentes diziam não saber bem o que esperar dos dias em Los Angeles.

“A América Latina é a parte do mundo que tem recebido menos atenção e não é priorizada”, diz Ian Bremmer, fundador da consultoria política Eurasia Group.

Se do ponto de vista concreto não deve haver uma reorientação das relações na região a partir do encontro, a Cúpula também não servirá para dar sinal de unidade sob a ótica dos encontros diplomáticos. Dias antes da reunião, a Casa Branca ainda se recusava a confirmar a controversa lista de convidados. Ao excluir Cuba, Venezuela e Nicarágua, Biden gerou ausências marcantes como a do mexicano López Obrador. Não fossem as confirmações de última hora de Jair Bolsonaro (Brasil) e Alberto Fernández (Argentina), o democrata corria o risco de fazer um encontro esvaziado.

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Biden chega à Cúpula das Américas em Los Angeles, para reuniões com líderes das Américas do Sul e Central  Foto: Caroline Brehman/ EFE

Imigração nubla políticas de Biden

A política externa do atual governo americano está concentrada no hemisfério norte: a parceria europeia e com a Otan, a guerra na Ucrânia e a busca por uma estratégia na Ásia para ganhar força na disputa pelo posto de principal potência econômica com a China.

Um diplomata que circula em Washington, ouvido sob reserva, afirmou que o governo atual tem dificuldade de ver a América do Sul por trás do que chama de “nuvem” de fluxo de imigrantes que chegam pela América Central. Em casa, Biden ainda enfrenta inflação alta, queda nos índices de aprovação e mira uma eleição legislativa em novembro.

Os EUA sediam a reunião pela primeira vez desde o lançamento do fórum, em 1994. Na época, 34 chefes de Estado e governo se reuniram em Miami. A exceção foi apenas Cuba. De um lado, os EUA buscavam expandir comércio e investimentos na América Latina, sob a euforia do recém assinado Nafta. Do outro, uma onda de redemocratização e abertura comercial entre os latinos dava impulso a uma reunião que lançaria a ideia da criação da Alca, área de livre comércio das Américas, sepultada na Cúpula de Mar Del Plata, em 2005.

"Mentiroso na cidade": Protesto contra a visita do presidente Jair Bolsonaro a Los Angeles Foto: MARIO TAMA / AFP

Mudanças de paradigma

“Os Estados Unidos eram dominantes. A China não era uma questão e a Rússia estava enfraquecida. Era um período em que a OEA adotava medidas para combater ameaças à democracia”, diz Mark Feierstein, da consultoria Albright Stonebridge Group, ex-assessor especial da Casa Branca durante a presidência de Obama.

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Para a Cúpula deste ano, o governo Biden anunciou o lançamento do que chamou de “Parceria das Américas para Prosperidade Econômica”.  “Um novo acordo histórico para impulsionar nossa recuperação e o crescimento da economia do hemisferio”, descreveu a Casa Branca. A proposta é parecida com a apresentada por Washington para a região do Indopacífico e não inclui a previsão de uma expansão clara em fluxo de comércio e investimentos. A ideia é fortalecer cadeias de produção regional e incluir questões sociais e ambientais na pauta como a ideia de trabalhar para descarbonizar as economias.

“Não há vontade política de ampliar o acesso ao mercado americano. Se o governo Biden não puder prover isso, há pouco o que avançar em comércio, que é uma das duas questões prioritárias para a região. A outra é imigração.”, diz Bremmer. “Os americanos falam em construir infraestrutura resiliente, sustentabilidade, são todas coisas legais, mas não tem dinheiro nisso agora ou compromissos concretos. É o tipo de coisa que você anuncia quando não tem uma agenda”, afirma Bremmer.

A Casa Branca promete uma declaração, assinada à margem da Cúpula, sobre imigração, mas estão ausentes os líderes de Guatemala, Honduras, El Salvador, de onde sai a maior parte dos imigrantes que entram nos EUA ilegalmente. Ausente também o líder do México, por onde passam os imigrantes para entrar nos EUA. Internamente, democratas e republicanos fazem do tema uma guerra política que divide o eleitorado e emperra uma reforma imigratória como a prometida por Biden.

Biden conversa com a imprensa em Los Angeles  Foto: Samuel Corum/The New York Times

Clima democracia

O debate sobre questões climáticas e fortalecimento da democracia já vem sendo feito em outros fóruns, inclusive propostos por Biden. “Ninguém vai avançar além do que já vem fazendo na ONU. Daqui a alguns meses, papéis assinados em Los Angeles serão esquecidos”, afirma um diplomata brasileiro.

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Biden também pretende incentivar uma reforma no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O banco se vê em meio a uma turbulência interna, com o presidente Maurício Claver-Carone, aliado de Donald Trump, investigado por suposto relacionamento amoroso com uma subordinada.

Em entrevista à NPR, Dan Restreppo, que foi assessor de Obama para a região, disse que os EUA deveriam encontrar uma forma melhor para se engajar com a região que não seja um “concurso de personalidades”  em torno de temas secundários. Feierstein, que chegou a integrar brevemente o governo Biden, minimiza a ausência de propostas concretas por parte de Washington.  “A pergunta não é o que os EUA podem fazer para a região. É o que os EUA podem fazer com a região? É sobre o que a região quer discutir e há um reconhecimento de que há uma série de questões que precisam ser discutidas coletivamente. Não estamos em uma situação na qual os EUA impõem algo”, afirma.

Protesto por reforma nas leis migratórias americanas em Los Angeles às vésperas da Cúpula das Américas Foto: Mario Tama/Getty Images/AFP
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