A cúpula de líderes do G-20 começa nesta segunda-feira, 18, no Rio de Janeiro sob a sombra do retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, um líder avesso ao multilateralismo. Com o seu lema “America First” (América primeiro), o republicano tende a se focar ainda mais que no primeiro mandato nos assuntos internos de seu país do que no cenário internacional, além de ser abertamente contra os pautas centrais da cúpula no Brasil como mudanças climáticas, taxação de super-ricos e reforma dos organismos internacionais.
Embora a reunião ocorra ainda sob a presidência de Joe Biden, que confirmou a vinda ao país e adesão à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, o futuro dos acordos e decisões é incerto sob o segundo governo do republicano nacionalista.
“Biden está chegando ao G-20 como um super pato-manco, ou seja, um presidente que já não será mais presidente em janeiro. Portanto, não se pode esperar muito da visita ele”, observa Sarang Shidore, diretor do Programa Sul Global do Quincy Institute. “Vai ser mais um sinalização. Biden quer transmitir a mensagem de que a América ainda está interessada na mudança climática e questões como equidade. Mas, de fato, seus pontos mais altos no G-20 vão ser encontros bilaterais com líderes poderosos.”
Desde o início da preparação do G-20, a equipe diplomática do Palácio do Planalto tinha no horizonte que a eleição nos Estados Unidos seria decisiva para a cúpula. Não somente pela proximidade de datas, mas pelo impacto substantivo: o republicano é avesso a pautas que foram prioridade do Brasil ao presidir o grupo das 20 maiores economias do mundo ao longo de um ano, como a mudança climática e transição energética.
Os sinais dele também são negativos quanto à reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de entidades de governança financeira, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio - no último caso, Trump operou para paralisar seu funcionamento pleno, bloqueando indicações de membros.
Na visão de integrantes da assessoria especial de Lula, o retorno de Trump seria mais prejudicial aos planos do Brasil para o G-20 do que a vinda do presidente russo, Vladimir Putin, já descartada.
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Mudanças climáticas
O sherpa do Brasil no G-20, embaixador Mauricio Lyrio, minimizou o impacto da eleição de Trump e destacou que os principais resultados da reunião, ligados aos objetivos do Brasil, já estavam selados, a exemplo da mobilização contra a fome e a pobreza. A Casa Branca acaba de confirmar sua participação na iniciativa. O Itamaraty considera que para a cúpula do Rio, ao menos, a mudança não será tão grande, mas admite que vai exigir mais esforço de negociação no futuro.
“Um dos objetivos da presidência brasileira foi centrar em resultados muito concretos em torno de temas mais capazes de angariar consenso generalizado. Não há país que considere que retirar 733 milhões de pessoas da situação de fome seja algo negativo”, exemplificou Mauricio Lyrio. “Em relação aos objetivos da presidência brasileira, esse que é um carro chefe é um objetivo consensual de todos, independentemente de inclinação ideológica, daí a adesão plena, generalizada.”
O cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Mauricio Santoro concorda que a agenda da fome e pobreza é a única que deve avançar nesta cúpula, já que os demais temas - especialmente a força-tarefa contra mudança climática - tendem a ser esvaziados.
“É um tema muito importante para o presidente Lula e é o menos controverso”, diz o professor. “Não tem ali ninguém que seja contrário a isso, pode haver alguma discordância em termos concretos sobre a melhor maneira de obter isso, mas acho que é um é muito promissor”.
Nos bastidores, o governo brasileiro reconhece as divergências de Trump e o esvaziamento da presença de Joe Biden. Há risco caso o republicano queira desfazer acordos fechados com a diplomacia do democrata. Não seria algo inédito em se tratando de Trump.
No futuro, avanços em assuntos como o desenvolvimento sustentável, transição energética e mudança do clima tendem a ser prejudicados. No primeiro mandato, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e agiu com discurso negacionista, questionando dados científicos ligados ao aquecimento global. Agora, promete incentivar a exploração de combustíveis fósseis. Ele resgatou um bordão dos republicanos para defender a perfuração de poços de petróleo: “Drill, baby, drill”.
“A gente não sabe se ele vai repetir esse gesto [de sair do Acordo de Paris], mas é provável que mesmo que isso não aconteça, o tema ambiental caia para 27ª prioridade do governo Trump. Isso vai enfraquecer muito qualquer engajamento dos Estados Unidos numa agenda global de enfrentamento da mudança climática, tanto para o G-20 quanto para COP-30 em Belém″, completa Santoro.
Trump participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu mandato (2017 a 2021). Na última, a de Osaka, no Japão, em 2020, os EUA se dissociaram da declaração justamente no trecho sobre mudança climática. Foi inserido um parágrafo inteiro dedicado à posição de Washington que justificava o abandono do Acordo de Paris por seus “prejuízos aos trabalhadores e contribuintes norte-americanos”.
“Outras questões como mudança de clima, no caso do presidente que retorna à presidência (Trump) sabemos já a posição e o que foi feito antes. Então isso será objeto naturalmente de diálogo, de negociações internacionais e faz parte”, disse o embaixador Lyrio.
Segundo o embaixador, problemas de países em declarações conjuntas são considerados normais na diplomacia. “Dificuldades de países com determinada linguagem e determinados temas, isso é normal, é da natureza das reuniões internacionais e da elaboração de documentos entre líderes”, ponderou.
Taxação de super-ricos e reforma das instituições
Outros dois temas caros ao Brasil que serão levados para debate nesta cúpula são a taxação de super-ricos e a reformas dos organismos internacionais - este último uma pauta do chamado Sul Global representado no Brics.
Trump, além de ser ele próprio um bilionário, tem pouco interesse nas instituições multilaterais. “Trump é um nacionalista econômico. Alguém que tem uma rejeição muito grande à própria ideia de negociações multilaterais, sejam elas no campo do meio ambiente, do comércio, da defesa”, pontua Santoro.
“É um cenário em que qualquer tipo de grande negociação de liberalização comercial e facilitação de comércio vai ficar muito enfraquecida. E claro que ele não quer nem ouvir falar na possibilidade de maior participação de países como a China e a Rússia nesse tipo de organização multilateral”, completa.
Em conversas de bastidores no Rio, um secretário do Itamaraty compartilhou a expectativa de que o acordo sobre taxação de grandes fortunas - o objetivo do grupo é adoção a longo prazo de uma alíquota comum de 2% para evitar fuga de capitais para paraísos fiscais - continue em pauta no ano que vem, sob a presidência sul-africana do G-20, bem como a maior mobilização e melhor funcionamento de fundos para combate a mudanças climáticas.
A tributação poderia atrair recursos bilionários a fundos ou países, mas agora já se admite que pode “atrasar” a depender das posições adotadas pela diplomacia de Trump. A agenda climática é dada como de impacto certo. E não há garantias de que ele vá manter os EUA na Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.
Esse embaixador reconheceu o potencial de “solavancos” nas negociações a partir de janeiro de 2025, mas lembrou que a direção do G-20 já foi apontada pelas maiores economias do mundo ao longo do ano e que “governos vêm e vão”.
O futuro do G-20 com Trump
Para Shidore, no entanto, nem tudo é uma causa perdida e é possível que o G-20 seja, dos espaços multilaterais, o menos prejudicado pelo nacionalismo de Trump. “Hoje, a sabedoria convencional é de que Trump é contra o multilateralismo e que ele basicamente destruirá a ordem multilateral, e há verdade nisso”, afirma. “Mas se há algum cenário multilateral que ele é menos avesso, é o G-20, por se apresentar como o menos problemático em termos de formato ou estilo para as pessoas do ‘America First’”.
“Argumento que esse engajamento vai se tornar essencial, na verdade, para todo líder americano porque o fato é que o poder relativo dos EUA está lentamente declinando e algum tipo de engajamento vai ser necessário, apenas pelas leis da política. A ONU não será a escolha favorita para o pessoal do Trump, e tende a ser o G-20 a escolha apropriada, por ser menos burocracia e com pessoas poderosas na sala. É o tipo de coisa com a qual Trump se sente confortável.”
Se você olhar para o histórico de Trump durante a covid, ele realmente saiu da OMS, mas ficou no G-20 e participou da cúpula virtual e de acompanhamentos. Sua administração não se retirou desse processo. Por que eles fizeram isso? Eles percebem que tem que haver alguma coordenação em alguns problemas.
Sarang Shidore Diretor do Programa Sul Global do Quincy Institute e professor na Universidade George Washington
A longo prazo, os Estados Unidos assumem a presidência do G-20 em 2026, depois da África do Sul, que comandará os trabalhos do grupo ao longo de 2025. A reunião se dará sob a batuta da diplomacia de Trump. Os países da troika - trio formado por antecessor, presidente e sucessor - será composto por Brasil, África do Sul e EUA. “Não nos cabe fazer previsões, mas não vejo o que antecipar sobre o tema”, esquivou-se Lyrio.
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