Os institutos de pesquisa tinham uma missão nas eleições americanas: corrigir os erros do passado, que levaram o apoio a Donald Trump a ser subestimado. E pode parecer que falharam mais uma vez, afinal, a expectativa de disputa voto a voto deu lugar à clara vitória do líder republicano, tanto no Colégio Eleitoral, quanto no voto popular. Mas basta observar no detalhe para ver que a votação foi mais competitiva do que tem soado.
À medida que a contagem dos votos avançava, a vantagem de Trump ficou evidente — o mapa americano foi sendo pintado, primeiro em tons de rosa, que sinalizavam a liderança do republicano, depois, no vermelho que confirmou a vitória.
Com a apuração ainda em andamento, Trump avança para levar todos os Estados decisivos da eleição, incluindo Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, a “muralha azul” democrata. Ele deve terminar com 312 delegados no Colégio Eleitoral e se tornar o primeiro presidente republicano a vencer no voto popular em duas décadas. Quando voltar à Casa Branca, seu partido terá a maioria do Senado e, ao que tudo indica, manterá a da Câmara.
A vitória em Estados-pêndulo, contudo, se deu por margens estreitas. Foi o caso de Georgia, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Na Carolina do Norte, a vantagem é de três pontos percentuais. Em Arizona e Nevada, o republicano lidera com mais folga, mas ainda não foi declarado vencedor — a virada é improvável, mas votos de áreas densamente povoadas que podem favorecer os democratas ainda precisam ser contados.
O mesmo acontece com o voto popular. Trump lidera com 50,9% enquanto Kamala aparece com 47,6%, mas a distância tende a se encurtar com o fim da lenta apuração na Califórnia, Estado mais populo dos EUA e de tradição democrata.
“Se observarmos o mapa e os resultados do Colégio Eleitoral, parece que a vitória foi esmagadora, mas Trump venceu Estados decisivos, notadamente Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, em disputas acirradas”, observa W. Joseph Campbell, professor emérito de comunicação da American University, em Washington, e autor de sete livros, sendo o mais recente “Lost in a Gallup: Polling Failure in U.S. Presidential Elections”.
Campbell, que analisou em seu livro todos os erros de pesquisas na história recente americana, pondera que os institutos conseguiram antecipar a votação apertada em Estados decisivos. Se subestimaram Donald Trump mais uma vez, afirma, o erro foi menor que o registrado em eleições passadas.
“Eu rejeitaria um pouco a noção de que esse foi mais um fracasso para os pesquisadores”, afirma em comparação com a última eleição presidencial, quando os institutos tiveram o pior desempenho coletivo em quatro décadas ao apontar como vitória tranquila de Joe Biden o que terminou como disputa voto a voto em Estados decisivos. “Sou inclinado a apontar o fracasso das pesquisas quando isso acontece, mas não acho que tenha sido algo dramático desta vez.”
No artigo em que questiona “por que as pesquisas subestimaram Trump pelo terceiro ciclo eleitoral consecutivo” a The Economist reconhece que os erros à nível nacional e estadual foram menores este ano, mas destaca que seguiram na mesma direção: contaram para menos os votos no republicano.
Desde que Donald Trump chegou à Casa Branca pela primeira vez, em vitória surpreendente contra Hillary Clinton, os institutos buscado se adaptar para captar esse eleitor. (Saiba mais nesta reportagem).
Primeiro, com adequação das amostras ao nível de escolaridade para garantir a representação dos menos escolarizados que migraram para o Partido Republicano. Depois, com a popularização do recall, que consiste em perguntar aos eleitores como votaram na última eleição na tentativa de calibrar o percentual de democratas e republicanos.
Os críticos da metodologia apontam que os eleitores podem esquecer do voto ou simplesmente mentir. E que as pesquisas com recall tendem a produzir dados parecidos com o resultado eleição anterior, sem captar as mudanças no humor dos eleitores de um ciclo para o outro. Esse deve ser um ponto de discussão quando os institutos se reunirem para a avaliação do desempenho.
A principal hipótese no meio é que o eleitor trumpista mais radicalizado não responde às pesquisas por ser refratário aos institutos e à imprensa de modo geral. “As ferramentas estatísticas usadas atualmente para esse tipo de problema dependem muito de suposições sobra a diferença entre os eleitores que respondem pesquisa e os que não respondem. Se essas suposições estiverem erradas, os resultados também estarão”, afirma Raphael Nishimura, diretor de amostragem no Survey Research Center da Universidade de Michigan e membro da American Association for Public Opinion Research (AAPOR).
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A história da eleição contada pelas pesquisas
Pesquisa após pesquisa, Trump fazia desaparecer a vantagem que a democrata Kamala Harris conquistou ao energizar um partido em pânico com o desempenho do presidente Joe Biden. O quadro final era o seguinte: ela aparecia levemente à frente (1,2 ponto percentual) à nível nacional, mas nem a democrata, nem o republicano, tinham vantagens significativas nos Estados decisivos.
Kamala tinha margem de um ponto sobre Trump em Michigan e Wisconsin, mesma vantagem que ele tinha na Georgia e Carolina do Norte. No Arizona, a liderança do republicano era um pouco mais consistente, ainda que dentro da margem de erro. Em Nevada e Pensilvânia, o cenário era de empate. Os dados são do agregador FiveThirtyEight.
“Isso fez parecer que não haveria vitória acachapante, para um lado ou para o outro. No que diz respeito ao Colégio Eleitoral, as disputas foram, de fato, relativamente acirradas mas, consistentemente, deram vitória para Trump”, afirma Raphael Nishimura.
Pesquisadores começaram a soar o alarme nos dias que antecederam a eleição: mesmo que as pesquisas tivessem um bom desempenho, variações dentro da margem de erro poderiam levar à vitória esmagadora de Donald Trump ou Kamala Harris.
“Não se surpreenda se um dos candidatos acabar vencendo de uma maneira que pareça bastante decisiva, como, por exemplo, varrendo todos os Estados decisivos e ganhando mais de 300 votos eleitorais”, escreveu Nate Cohn, responsável pela metodologia das pesquisas NY Times/Siena College na véspera da eleição.
Na mesma linha, G. Elliott Morris, diretor de análises do FiveThirtyEight-ABC, alertou que Donald Trump e Kamala Harris estavam a um “erro normal” de distância da vitória esmagadora.
“Não sei se poderia chamar de uma vitória na margem de erro, mas é uma vitória que não deveria ser muito surpreendente porque as pesquisas diziam consistentemente que a disputa estava acirrada. E isso se confirmou em grande parte, especialmente nos Estados-pêndulo, com exceção do Arizona e, aparentemente, em Nevada”, avalia W. Joseph Campbell.
O erro em Iowa
Passada a empolgação inicial, passaram a circular na imprensa americana os relatos de democratas frustrados com a estagnação da campanha de Kamala Harris, à medida que Donald Trump se aproximava nas pesquisas. À véspera da eleição, veio de Iowa o sinal que causou alvoroço.
A pesquisa do renomado Selzer & Co publicada no Des Moines Register apontou que a democrata estaria três pontos à frente no Estado de inclinações republicanas. O argumento é que ela teria sido impulsionada pelo voto das mulheres, insatisfeitas com a decisão da Suprema Corte que revogou o direito ao aborto e deixou a cargo dos Estados a decisão. Essa mobilização era aposta central na campanha de Kamala Harris.
O tombo foi grande. Donald Trump confirmou o favoritismo, vencendo com 13 pontos de vantagem em Iowa — desempenho melhor do que teve contra Hillary Clinton e Joe Biden nas eleições anteriores. São 16 pontos de diferença para a liderança de três pontos que a sondagem deu para Kamala Harris.
“Isso faz com que o erro da pesquisa, produzida um instituto bastante respeitável, seja ainda mais dramático”, afirma Campbell lembrando que a pesquisa foi o principal assunto do fim de semana que antecedeu a eleição. “Tem a implicação que, se Trump perdesse Iowa, provavelmente perderia em Estados do Meio Oeste, o que colocaria Kamala Harris no caminho para a vitória nacional. É um grande constrangimento que a pesquisa estivesse tão errada”.
A pesquisadora Ann Selzer, que é de Iowa, promete revisar os dados e o erro ainda precisa ser analisado, mas Raphael Nishimura levanta a hipótese de que o problema pode estar nos ajustes da amostragem. “A pesquisadora tem um bom histórico em eleições anteriores. E existe até certa mística porque ela sempre foi uma voz dissonante de tudo que se indicava, mas o que ela captava sempre acabava se concretizando”, relembra.
Suas pesquisas, afirma, não se renderam ao ajuste por escolaridade, que passou a ser dominante no meio, focando em ponderações mais simples por gênero, idade e distrito.
Essa era uma questão considerada pouco relevante até que os menos escolarizados contribuíram para a vitória de Trump sobre Hillary nos Estados decisivos de Michigan, Pensilvânia e Wisconsin.
Assim como aconteceu lá atrás com a muralha azul, é possível que a falta desse ajuste por escolaridade tenha passado a fazer diferença no caso de Iowa, sugere Nishimura. “Minha hipótese é que Iowa tenha sido este ano o que o blue wall foi em 2016″.
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