“Isso não é mais uma campanha, é um movimento”. Olhando em retrospecto, o discurso de Donald Trump Jr., filho mais velho de Donald Trump na Convenção Republicana de 2016, era prenúncio do que estava por vir.
Passados oito anos, quando o partido se reuniu esta semana para nomear Trump como candidato à Casa Branca pela terceira vez consecutiva, feito inédito desde Franklin Roosevelt, o Grand Old Party (GOP) estava tomado pelo seu movimento Make America Great Again (MAGA).
Variações do slogan apontavam a cada noite que ponto da cartilha trumpista seria abordado à exaustão com discursos inflamados e a promessa de “Tornar a América Grande de Novo”.
Na economia, os republicanos culparam o governo Joe Biden pelo custo de vida que de fato aumentou, ainda que tenha sido impactado por choques externos, como a guerra na Ucrânia. E fizeram promessas de criar empregos, conter a inflação e cortar impostos, sem explicar exatamente como pretendem fazê-lo.
Na política externa, defenderam em linhas gerais que se um homem forte como Donald Trump estivesse na Casa Branca, Vladimir Putin não teria invadido a Ucrânia. Assim como o Hamas não teria provocado a guerra na Faixa de Gaza com o ataque a Israel, aliado histórico dos EUA no Oriente Médio.
Na segurança interna, culparam a “invasão” de imigrantes pela epidemia de fentanil, opioide sintético que causou quase 74 mil mortes por overdose no país em 2022 (dado mais recente do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas). No discurso republicano, os democratas teriam permitido que criminosos de outros países inundassem os Estados Unidos, colocando em risco seus próprios cidadãos. A solução seria “simples”, disseram: Fechar a fronteira e concluir o muro para isolar o território americano do México. Sempre que esse último era mencionado, gritos de “construa o muro, construa o muro” irrompiam na multidão.
É um projeto à imagem e semelhança do seu líder. Uma análise de como o programa do Partido Republicano mudou ao longo dos últimos anos, feita pelo The Washington Post, mostrou como o documento ficou mais enxuto, e mais dedicado à pauta trumpista. Ao passo em que as menções à fronteira, imigração e imigrantes disparavam, os termos da pauta econômica republicana clássica como “dívida” e “déficit” perdiam espaço a cada eleição.
Da mesma forma, o aborto praticamente desapareceu do programa republicano. O ex-presidente costuma se vangloriar por ter indicado juízes conservadores que derrubaram o Roe versus Wade — entendimento da Suprema Corte que permitiu o aborto em todo país por cinco décadas. Mas o que inicialmente pareceu uma vitória para os republicanos, contribuiu para mobilizar os eleitores democratas nas eleições de meio de mandato. Com isso, a “onda vermelha” que Donald Trump prometia para o partido foi frustrada e sua liderança chegou a ser questionada.
Na marcha para voltar à Casa Branca, ele se antecipou para superar rapidamente a questão e apresentou uma visão mais moderada, que a decisão cabe aos Estados, afastando a proibição nacional defendida por grupos antiaborto. O tema teve apenas uma menção no programa republicano para este ano — eram mais de 50 em 2012 e 2016, o primeiro ano de Donald Trump, quando a plataforma ainda guardava semelhanças com o histórico do partido.
Mais sobre Donald Trump e o Partido Republicano
Outra mudança notável são as menções ao próprio líder. Na plataforma de 2012, quando Mitt Romney desafiou Barack Obama (e perdeu), o nome do candidato era citado apenas uma vez. Este ano, o documento de 16 páginas dedicado aos “homens e mulheres esquecidos da América” menciona Donald Trump 20 vezes, reforçando o culto à sua personalidade
O próprio Mitt Romney esteve ausente na Convenção Nacional Republicana em Milwaukee, Wisconsin, assim como outras antigas lideranças do partido que se opuseram de alguma forma ao domínio de Donald Trump.
“Se vencer essa eleição, consolida de vez o domínio do trumpismo e a morte do velho partido”, afirma Carlos Gustavo Poggio, professor do departamento de ciência política do Berea College, Kentucky.
“A grande briga de Trump é primeiro com o velho Partido Republicano e depois com o Partido Democrata. Ele quer substituir a velha elite por uma nova, com pessoas que sejam ligadas a ele. Donald Trump não é líder de um partido, é líder de um movimento”, acrescenta.
Essa ideia ficou clara no discurso de 1h30 que encerrou a Convenção Republicana. “O maior movimento da história do nosso país. Make America Great Again”, vangloriou-se Donald Trump. “E todas pessoas que tentaram combatê-lo fracassaram”, seguiu apontando seu candidato a vice-presidente J.D. Vance, de 39 anos, como herdeiro do trumpismo. “J.D., você vai fazer isso por muito tempo.”
Ao se converter de crítico (”Trump nunca”) a apoiador ferrenho, Vance passou a repetir alegações infundadas sobre fraude eleitoral e adotar posições isolacionista na política externa e protecionista na economia, com viés populista que acendeu o alerta em republicanos de Wall Street.
Vance defende, entre outras coisas, o uso de ferramentas como tarifas e barreiras comerciais para criar empregos no desindustrializado meio-Oeste americano, de onde vem. Ele reforça o apelo à uma classe trabalhadora branca que se sente “esquecida por Washington”, como disse em seu discurso na Convenção, e que contribuiu para consolidar o trumpismo enquanto os democratas se afastavam da política econômica, mais concentrados em pautas identitárias.
Para o analista, a escolha do sucessor reforça o afastamento total as políticas tradicionais do GOP. “Talvez o único vestígio que restava da política republicana tradicional é a ideia de cortar impostos e até isso deve sofrer um baque”, afirma Poggio.
“Vance é alguém muito aberto à ideia de que o Estado pode intervir na economia e não necessariamente ele deva focar no corte de impostos, principalmente para os mais ricos. Ele, por exemplo, é alguém que falou contra Wall Street. É um discurso que seria muito mal recebido há dez anos no Partido Republicano, mas agora é recebido com certo aplauso esse populismo que se reverte num populismo econômico.”
Assim como J.D. Vance, outros críticos se converteram, ou pelo menos pareceram resignados, diante do domínio do MAGA sobre o partido. Isso ficou claro nos discursos dos republicanos que rivalizaram com Donald Trump em primárias e subiram no palco em Milwaukee para expressar apoio após a tentativa de assassinato contra o ex-presidente.
Foi o caso da ex-embaixadora da ONU Nikki Haley, do governador da Flórida, Ron DeSantis, e do senador do Texas Ted Cruz. Em 2016, o texano foi derrotado por Donald Trump nas primárias e saiu da Convenção vaiado por se recusar a endossar a candidatura, limitando-se a dizer “votem com a sua consciência”. Na Convenção seguinte, ficou de fora. Nesta, começou o seu discurso dizendo “que Deus abençoe Donald Trump” e sendo aplaudido pela plateia.
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