HUAQUILLAS, EQUADOR - Foram 2.700 quilômetros de uma fuga a pé e pedindo carona. A família Mendoza Landinez cruzou uma série de obstáculos que, por vezes, a fez acreditar que estaria para sempre atada à crise na Venezuela.
Assim como para milhares de migrantes venezuelanos, a viagem foi uma montanha russa de emoções: Joel Mendoza e sua companheira Edicth Landinez, os filhos dela Nacari e Sebastián, além de sua sobrinha Eliana Balza e seu bebê Tiago, viajaram numa corrida contra o relógio para chegar ao peru antes da entrada em vigor da exigência de passaporte, no último fim de semana.
Faz frio, mas não chove. O normal nos arredores da cidade colombiana de Pasto. Por volta de meio-dia, na Carretera Panamericana, que atravessa a América do Sul, circula uma caminhonete bege. Nela estão onze venezuelanos, sete na caçamba e quatro na cabine. Três são menores de idade.
Ao longe, entre os braços recolhidos para proteger-se do vento, destaca-se um chapéu branco. Com as mãos pesadas, Joel protege Edicth, sua parceira há seis meses e companheira de viagem desde 15 de agosto, quando deixaram Guanare, no oeste da Venezuela.
Impotentes porque seus salários como motorista de caminhão e empregada doméstica não eram suficientes para nada (com o salário semanal só compravam um quilo de sabão), cruzaram a Colômbia através do município de Puerto Santander.
No início da viagem pelo país, que nos últimos 16 meses recebeu mais de um milhão de pessoas da Venezuela, sabiam que o clima era muito diferente. E que comeriam quando alguém estendesse a mão.
"É um preço muito caro que se paga por deixar o país", diz Joel, de 51 anos. "Tudo o que conquistamos o fizemos com muito esforço, e deixar para trás é forte", acrescenta Edicth, de 34 anos, embora sua pele e olhos cansados a façam parecer mais velha. Ambos carregam apenas as roupas que vestem e malas com cobertores.
Apesar de tudo, esta quinta-feira foi benevolente. O motorista de caminhão, que durante 40 horas os transportou de graça desde o outro lado da Colômbia, comprou o café da manhã, enquanto uma venezuelana, que realizou em julho a mesma odisseia e agora trabalha em um restaurante, ofereceu o almoço. Eles oram.
Eles começaram o dia às 6 horas e oito horas depois mudam pela última vez no dia de veículo, para um com estacas que compartilham com os seus compatriotas da caminhonete bege e que os deixa a alguns quilômetros de Ipiales, na fronteira com o Equador.
Durante a caminhada de uma hora e meia até o centro de imigração, são tomados pela incerteza. Edicth é a única que tem um passaporte, exigido pelo Equador para controlar a onda migratória. No caminho, cruzam com venezuelanos desanimados que recomendam que retornem.
"Tenho fé que vão nos deixar passar", diz a mulher, enquanto Joel, nervoso, fuma um cigarro. O sol se pôs e com ele a temperatura caiu.
Nacari, de 16 anos, e Sebastian, de 6 anos, descansam. Eles não se queixam. Eliana, de 19 anos, que carrega Tiago, de 5 meses, mal pronunciou uma palavra.
Às 18h40, murmúrios escapam dos escritórios migratórios colombianos. Funcionários indicam que o Equador vai deixar que passem e também vai levá-los de ônibus até o Peru.
"Deus abençoado!", chora Joel. Eles rezam, se abraçam e começam a fazer fila para atravessar a ponte Rumichaca. "Estou pulando de alegria!", diz Edicth, revelando o maior sorriso do dia. Não vai durar muito.
2. Sexta-feira, 24. Separação
Aliviados, os Mendoza Landinez descansam em tendas da Cruz Vermelha equatoriana nas ruas de Tulcán, a primeira cidade depois da fronteira com a Colômbia, onde se concentram centenas de venezuelanos.
À 0h20 acordam para embarcar no ônibus, após um atraso de quatro horas. O frio é brutal. Edicth acaba de ser informada de que deve retornar à Colômbia para assinar um documento de seu filho Sebastián.
Deve ser rápido, porque por estar com um menor tem direito a embarcar nos primeiros veículos que partirão a Huaquillas, na fronteira de Equador e Peru, onde seu filho mais velho Leonardo e sua irmã Evelyn os esperam.
Depois de ir e voltar, Edicth resolve o impasse de "Sebas". Mas então surge o inesperado: Eliana não poderá passar porque sua identidade está deteriorada e a migração teme que seja falsa.
Nada a fazer: nem a sobrinha nem Tiago poderão seguir em frente. "Eu não vou sem ela", adverte Edicth. "Tenho que ir, se não passar hoje, não entrarei" no Peru, afirma Joel.
No final, um pequeno de alívio: o Equador emitirá uma permissão temporária de residência para a mulher e a criança.
São 2h10 e a viagem a Huaquillas dura entre 16 horas e 18 horas, o tempo suficiente para chegar pouco antes zero hora de sábado, quando os peruanos começariam a exigir passaporte.
Eliana, desafiadora, diz que vai ficar com os colegas da caminhonete bege que vão para Quito. Chora. O bebê está com assaduras devido à falta de fraldas.
Edicth tenta consolá-la. "Toda essa jornada para isso?", pergunta com voz embargada. Se abraçam e às 2h47 entram no ônibus.
Na primeira parada, a mãe Landinez admite que não conseguiu dormir. Sebastián foi o único que comeu: alguns biscoitos. "Eliana está sozinha com o bebê". Pede um telefone emprestado e liga para sua irmã, com quem conversa.
O veículo retoma viagem. Os venezuelanos cantam reggaeton e fazem piadas. Os Mendoza Landinez tentam recuperar o sonho perdido, mas acordam com uma má notícia: estão atrasados e dificilmente vão chegar ao Peru dentro do prazo.
3. Sábado, 25. Ilusão
O ônibus de matrícula PAC-4945 estaciona em Huaquillas. O relógio marca 03h55. Já se passaram quase quatro horas desde que o Peru fechou sua fronteira para os venezuelanos sem passaporte.
Os passageiros parecem desesperançados. "Teríamos chegado se não fossem tantas paradas", reclama Edicth. Ele se junta ao coro de imigrantes que denunciam os atrasos do Equador para trazê-los a tempo.
A ausência da sobrinha - já em Quito - atormenta a tia.
Há três meses, sua irmã, de 38 anos, chegou com Leonardo, de 17 anos, a Lima. No primeiro mês, o filho mais velho de Edicth trabalhou como operário, mas entrou em depressão profunda e foi internado em um hospital. Evelyn se dedicou a cuidar dele e perdeu o emprego de cozinheira em um restaurante em Lima.
"Entendo seu aborrecimento", diz Edicth. Ela para de falar quando a sugerem que retornem ao ônibus e percorra os poucos quilômetros até Tumbes, onde começa o Peru. Nem tudo está perdido: poderão pedir o status de refugiado.
"Suportar a fome, pedir dinheiro, passar necessidades, é a primeira vez que faço isso" e tudo "para estar aqui", diz Nacari à beira das lágrimas. Nestes três dias eles não tomaram banho.
Os Mendoza Landinez fazem fila para entrar em uma sala na qual seu caso será estudado. Se receberem o aval, poderão permanecer temporariamente no Peru.
Joel já planeja como chegarão ao refúgio em que Evelyn mora, que apesar de tudo vai recebê-los: "De mochileiros, como viemos da Venezuela, já somos vencedores". / AFP
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