De Milei a Boric, líderes ‘outsiders’ das Américas enfrentam lua de mel mais curta, diz estudo

Análise dos primeiros 100 dias de nove presidentes feita pela UBA mostra que líderes sem experiência política já começam com menos apoio popular e veem paciência diluir nas primeiras semanas

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Foto do author Carolina Marins

Os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Chile, Gabriel Boric, não poderiam estar em espectros políticos mais opostos. Enquanto um é um libertário que defende o Estado mínimo, o outro é um ex-líder de movimento estudantil de esquerda. Ambos, porém, têm em comum a lua de mel curta, resultado das consequências de ser um “outsider” antes de assumir o cargo, indica um estudo do Observatório Pulsar da Universidade de Buenos Aires (UBA).

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A análise foi feita na esteira do marco dos 100 dias de Milei na Casa Rosada, trimestre que sacudiu a economia, a política e a sociedade argentina. Com isso, os pesquisadores analisaram os primeiros 100 dias de nove presidentes das Américas e concluíram que outsiders como Milei, Boric e Petro Castillo, agora ex-presidente do Peru, já começam com popularidade menor, geralmente abaixo dos 50%, e veem esse apoio ser corroído ao longo do tempo de maneira contundente.

Do outro lado da balança está Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Joe Biden, nos Estados Unidos, e Luis Lacalle Pou, no Uruguai, figurinhas carimbadas da política de seus países que, embora também veem seus apoios sendo corroídos pela impaciência popular, a velocidade é muito menor. Muito devido ao poder e experiência de diálogo de seus partidos com outros Poderes e bases políticas. Além disso, suas oscilações de apoio não costumam ser tão drásticas quanto as vistas entre os outsiders.

O presidente da Argentina, Javier Milei Foto: Luis Robayo/AFP

No meio deste caminho estão os “rebeldes”, aqueles que, pelas definições do observatório, vêm de partidos tradicionais ou possuem carreiras políticas anteriores, porém, prometem mudanças profundas ao chegar ao governo. É o caso de Gustavo Petro, na Colômbia, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) no México e Guillermo Lasso, ex-presidente do Equador.

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Estes costumam chegar ao poder com forte respaldo popular - Petro é uma exceção neste caso, já que sua vitória em 2022 foi apertada -, no entanto, o apoio vai caindo drasticamente ao longo do tempo, conforme as mudanças prometidas não chegam aos olhos da população.

Para a seleção dos presidentes, os pesquisadores determinaram que era necessário haver ao menos cinco estudos nacionais de opinião pública distintos com intervalos de publicação de cinco a 20 dias. Com este critério, ficaram de fora Luis Arce, da Bolívia, e Daniel Noboa, do Equador. Dina Boluarte também ficou de fora por representar uma continuidade do governo de Castillo.

Tanto Pedro Castillo quanto Guillermo Lasso já não comandam os seus países, mas fazem parte da análise por atenderem aos requisitos acima. Suas presenças, além disso, são significativas já que corroboram o resultado de um apoio popular em queda: Castillo foi preso depois de um golpe de Estado fracassado e Lasso matou o próprio governo em meio à crise política no país.

Todos vão mal

Um estudo anterior do mesmo observatório já mostrava uma realidade preocupante aos presidentes do continente: a paciência popular está muito mais curta depois da pandemia. Antes da crise sanitária, era comum os líderes começarem os seus mandatos com níveis altos de aprovação, acima de 70%.

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Agora, porém, raramente os números passam de 50%, com vitórias eleitorais extremamente apertadas e sob um alto clima de polarização política.

A “lua de mel” dos primeiros 100 dias é um marco interessante a se observar porque dá o panorama do que esperar daquele governo nos próximos quatro ou cinco anos. Se chama assim porque costuma ser uma época em que os líderes recém eleitos aproveitam de uma certa paciência popular, da imprensa e até da oposição antes de começarem as críticas.

Segundo a média contabilizada pela Pulsar, hoje os presidentes arrancam com cerca de 54,4% de aprovação no primeiro mês. Já no segundo, esse apoio cai para 48% e o terceiro fecha com 41,7%. Mas ao fazer a separação por carreira política, a discrepância apareceu.

Os “insiders”, ou políticos tradicionais, começam com uma média de 56,2% e terminam o terceiro mês com cerca de 55,2%. Já os rebeldes iniciam sob altas expectativas, com 66%, e minguam para 47,8%. Por fim, os outsiders já iniciam sob olhares desconfiados com apenas 43% de apoio e chegam ao terceiro mês com 32,1%.

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“Enquanto os insiders foram os que menos variação tiveram em seus primeiros três meses de mandato, os rebeldes e os outsiders viram uma queda substancial dos níveis de apoio popular”, observa o relatório publicado no fim de abril.

O motivo, segundo o relatório, está nas estruturas partidárias (ou falta delas), bem como maior experiência de governo e de construção de bases de apoio. “Isso pode facilitar a implementação de políticas e a navegação pelo complexo cenário legislativo”, afirma a publicação.

Já os outsiders carregam consigo uma faca de dois gumes. Embora pareça, a princípio, que podem carregar maior respaldo popular pelas promessas drásticas de ruptura que trazem, convivem também com uma grande desconfiança por parte da sociedade. “A falta de experiência e o ceticismo sobre sua capacidade de manusear os mecanismos do governo podem erodir rapidamente o apoio se não conseguirem resultados tangíveis rapidamente”, aponta.

Os rebeldes, por sua vez, precisam lidar com a frustração popular, chegando ao poder com altíssimos níveis de expectativas já que, em tese, reúnem o melhor dos dois mundos: a experiência e o respaldo partidário com a promessa de mudanças drásticas. Mas são traídos pelas próprias promessas batendo na realidade. “Sua capacidade de manter altos níveis de aprovação depende criticamente de sua habilidade para cumprir promessas audaciosas”, diz o relatório.

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O presidente argentino Javier Milei foi eleito com a promessa de uma mudança profunda na Argentina Foto: Luis Robayo/AFP

Milei e a guerra contra a ‘casta’

O libertário Javier Milei chegou ao poder prometendo uma caça ao que chama de “casta”, ou seja, os políticos do mais alto-escalão que não sentem os efeitos da dramática crise econômica do país. Economista que se fez famoso por seus comentários ácidos na televisão, ele caiu no gosto do público quando ainda era deputado ao doar seu salário.

Em seu discurso de posse, ele prometeu acabar com os privilégios da dita casta por meio de profundas reformas econômicas e de Estado. A realidade, porém, se mostrou outra. Para ter as reformas que prometia, Milei precisava conversar com legisladores, governadores e líderes de partidos, especialmente da direita. As conversas foram um fiasco.

Ao chamar políticos de “ratos” e “traidores”, Milei abriu uma guerra aberta no campo político enquanto sua população via seu poder de comprar secar em uma recessão econômica profunda e proposital.

O libertário começou o seu governo com uma média de aprovação de 47,9%, quase a quantidade de votos que recebeu no segundo turno. É a maior aprovação dentro dos outsiders, muito porque o governo anterior entregou o poder com inflações recordes, pobreza em escalada e enorme descrédito político.

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Pedindo paciência à população com a promessa que após a piora da situação econômica haverá uma melhora, Milei tem conseguido manter seus níveis de apoio entre 43% e 49%. Chegou a cair na metade dos 100 dias, conforme a inflação bateu o recorde mensal em janeiro (25%) e a pobreza saltou para 57%, segundo projeções. Mas as boas notícias do primeiro superávit em 16 anos do país trouxe um alívio no fim da lua de mel, que parece ainda ter um tempo de vida útil pela frente.

O presidente do Chile, Gabriel Boric Foto: Raul Bravo/AFP

Impopularidade de Boric

O ex-líder de movimento estudantil Gabriel Boric chegou ao poder depois dos históricos protestos de 2019 e após uma eleição polarizada com José Antonio Kast em 2021. Sua carreira política era curta antes da presidência, até porque ele tinha 35 anos quando venceu a eleição, sendo o presidente mais jovem já eleito.

Sua lua de mel, porém, já dava sinais das dificuldades que viria pela frente. Ele chegou ao poder com média de 43% de aprovação e registrou os índices mais baixos de todos os líderes analisados pelo Pulsar, com 31,8% entre os 50º e 75º dias de sua administração.

Sua agenda trazia uma forte proposta de guinada à esquerda de um Chile que via o renascer de uma direita mais radicalizada desde a ditadura de Augusto Pinochet. Sua maior promessa era a mudança na Constituição, que até agora não saiu devido a derrotas legislativas e em referendos.

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A radicalização da mudança constitucional fez muitos chilenos rejeitarem a proposta do governo, que precisou retroceder. Boric deu muitos passos atrás, reformulando seu gabinete e buscando um discurso mais moderado.

Outro problema veio com o aumento da inflação no país e uma crise de segurança que o governo não tem conseguido lidar. Atualmente o problema da segurança é que o mais preocupa os chilenos, jogando o apoio a Boric cada vez mais para baixo. Hoje este número está em 24%, segundo dados da consultora Cadem, o mais baixo já registrado em seu governo. Mais de 50% dos chilenos dizem que não gostam de Boric.

Pedro Castillo e o autogolpe fracassado

De forma semelhante a Boric, o esquerdista Castillo chegou ao poder depois de uma eleição disputada voto a voto com a extremista Keiko Fujimori, filha do ditador Alberto Fujimori. Professor de escola primária rural, ele foi uma grande surpresa das eleições em um país que convive com uma intensa crise política e social desde os escândalos da Lava Jato em 2016.

Seus números de aprovação também são semelhantes aos do chileno. Começou o governo com média de 38,3% e completou 100 dias com 34,5%, tendo oscilado positivamente nos dias anteriores. Seu governo foi marcado por investigações de corrupção, troca constante de ministros e pedidos de impeachment.

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O fracasso veio rápido. Pouco mais de um ano depois de eleito, em dezembro de 2022, Castillo foi preso depois de tentar um autogolpe de Estado. Sem qualquer apoio, seja político, popular ou militar, Castillo tentou dissolver o Congresso em meio a uma votação por sua destituição iminente.

Sua vice, Dina Boluarte, assumiu o cargo e permanece até hoje, mas não sem dificuldades, já que também enfrenta pedidos de impeachment, troca constante de gabinete, protestos com repressão policial e, mais recentemente, um escândalo envolvendo relógios de luxo. Mas, diferentemente de seu antecessor, ela conseguiu formar uma pequena maioria no Parlamento e por isso não caiu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Evaristo Sa/AFP

Lula, Biden, Lacalle Pou e o peso do aparato partidário

O estudo observa o peso da experiência política e do aparato partidário tradicional em cenários de grande polarização política, como é o caso de Brasil e Estados Unidos. “Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden são casos interessantes porque mostram o efeito positivo de serem insiders em momentos de alta polarização”, afirma o documento.

“São, ao mesmo tempo, dois casos interessantes porque foram eleitos após gestões presidenciais localizadas em suas antípodas ideológicas, como foram Jair Bolsonaro e Donald Trump. Os dois, inclusive, foram seus competidores em eleições presidenciais com altíssimos níveis de divisão política, social e eleitoral”, continua.

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A aprovação de Biden praticamente não mudou, ficando entre 53% e 55% nos seus primeiros 100 dias. Lula chegou a oscilar entre 52% e 43%. Ambos lidaram com uma questão idêntica em seus primeiros dias de gestão (no caso de Biden, o dia de sua certificação): a invasão do Capitólio nos EUA e a invasão aos prédios dos Três Poderes em Brasília, o que pode ter contribuído em dar uma lua de mel mais amena.

As quedas, especialmente no caso de Biden que está para terminar seu mandato, vieram depois, conforme foram chegando os dados econômicos de suas gestões, bem como os embates políticos com o Congresso.

Já Luis Lacalle Pou é um caso à parte, pois conseguiu manter sua lua de mel por muito tempo, com níveis acima de 60%. Como já mostrou o Estadão com base em estudos anteriores, o uruguaio configura até hoje, no apagar das luzes de seu mandato, um dos presidentes mais populares da América do Sul.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

O ex-guerrilheiro Gustavo Petro fez história quando foi eleito em junho de 2022, se tornando o primeiro presidente de esquerda da Colômbia. Ele chegou ao poder com a promessa de fazer reformas profundas na economia, na política e na sociedade colombiana, embora não tivesse maioria no Congresso e com um alto nível de desconfiança devido ao seu passado guerrilheiro.

Com sua ambiciosa promessa de “Paz Total”, ele chegou ao poder com 58% de apoio, alcançando o nível mais baixo 50 dias depois, com 47%. Sem conseguir avançar a sua reforma e com uma forte crise migratória de venezuelanos que fogem da ditadura de Nicolás Maduro, Petro tem hoje 60% de desaprovação, segundo pesquisa Invamer Poll de abril.

Guillermo Lasso é um caso curioso. Chegou ao poder com média de aprovação de 76%, a mais alta dos líderes avaliados, e terminou matando o próprio governo em uma medida que visava impedir o seu impeachment. Em meio a escândalos de corrupção, o então presidente decretou a “morte cruzada”, medida que dissolvia a Assembleia Nacional e o permitia governar por seis meses por decreto antes de novas eleições.

O país passou por novas eleições em outubro, em que foi eleito o empresário Daniel Noboa. A eleição foi marcada pela morte do candidato Fernando Villavicencio, que marcaria o início de uma escalada de violência que colocou o Equador em Estado de exceção e vem impulsionando políticas de segurança de Noboa.

Por fim, AMLO é o ponto fora da curva dos rebeldes, cuja taxa de aprovação nos primeiros 100 dias começou com 74% e até oscilou, mas nunca ficando abaixo dos 60%. O México passará por eleições em 2 de junho, onde a candidata de AMLO, Claudia Sheinbaum, é a grande favorita.