PARIS - Ansiedade, impaciência e uma dose de incompreensão. Essa mistura de emoções resume o estado de espírito dos europeus à espera do resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos. Sem “escolher” posicionamento político, a tensão tem afetado tanto quem acredita na vitória do democrata Joe Biden quanto quem deseja a reeleição do republicano Donald Trump. Ainda que ambos os candidatos norte-americanos não tenham conquistado a simpatia dos observadores do outro lado do Atlântico.
Já são mais de 45 horas sem dormir para o estudante de Direito Quentin Taïeb, de 21 anos, que ainda confia na permanência do atual presidente norte-americano na Casa Branca. O tema tem sido amplamente discutido entre amigos em um grupo nas redes sociais, no qual participa também Paul Gallard, de 22 anos.
O estudante de Ciência Política na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne é categórico (antes de atenuar a afirmação ao longo da conversa): “Joe Biden será o pior presidente americano da História. O seu aspecto progressista pode alimentar ideologias decoloniais, indígenas, racistas, de gênero, antiespecistas, teorias que são perigosas porque nos dividem”, disse. Apreensivo com o resultado, ele mostra insatisfação com a apuração “sem fim”, que ele classifica como um “escândalo” para um país como os Estados Unidos.
Esse sentimento de incompreensão é compartilhado também por quem está do outro espectro político, como Thomas Grué, de 27 anos. “Estou impaciente, também frustrado e um pouco irritado que isso tome tanto tempo”, resumiu. A eleição americana não alterou a rotina de sono do engenheiro francês, mas seus hábitos não são os mesmos nos últimos dias. “Assim que acordo, olho meu celular. Estou curioso e eufórico, é um pouco estressante como apuração”, afirmou Grué. “Tenho esperança nessa virada de página”.
A virada de página a que ele se refere é a vitória de Biden, mas não pela figura do candidato democrata. “Sou sobretudo contra Trump. Para que ele saia do poder, Biden é o candidato mais sólido hoje”, avaliou. “Um presidente deve ser alguém humilde, deve se basear em fatos, ser pragmático, Trump não encarna isso de forma alguma, ele mostra o contrário. Trump é impulsividade, é um personagem.”
Apesar da rejeição, Donald Trump exerce um certo “fascínio” sobre as pessoas. “Ele é um personagem familiar, com uma dramaturgia específica”, destacou Emmanuel Rivière, CEO da consultoria Kantar Public France. Para o especialista, isso ajuda a atrair os olhares atentos da Europa para as eleições americanas.
A checagem sistemática do noticiário tem ditado o cotidiano do alemão Florian Hegwein, de 35 anos, assim como os cálculos para esboçar os cenários que levam Joe Biden à presidência - ainda que esse seja o “normal” na vida de um cientista de dados. O europeu se diz a favor do candidato democrata e, ao mesmo tempo, contra Trump. “Nós temos dificuldade de levar o Trump a sério, ele só quer o melhor para ele mesmo”.
Maioria deseja vitória de Biden, aponta pesquisa
Cerca de um mês antes das eleições nos Estados Unidos, entre 15 de setembro e 4 de outubro, uma pesquisa realizada pela YouGov, empresa de pesquisa de mercado global, com 9.136 pessoas de sete países europeus – Dinamarca, Alemanha, Espanha, Suécia, França, Grã-Bretanha e Itália – constatou que a maioria dos europeus deseja a vitória de Joe Biden.
Para 80% dos dinamarqueses e 64% dos franceses, o candidato democrata deveria assumir a presidência dos Estados Unidos. No entanto, vale destacar que a proporção de europeus que pensam que Biden seria um “bom” ou “muito bom” presidente é pouco expressiva, entre 17% e 23%, respectivamente.
“Os dois candidatos entraram na disputa com taxas de impopularidade acima de 50% (já era o caso em 2016). A candidatura de Joe Biden não despertou grande entusiasmo entre o eleitorado”, argumentou Elisa Chelle, professora de Ciência Política na Universidade Paris Nanterre.
Para Emmanuel Rivière, presidente do Centro Kantar sobre o Futuro da Europa, a disputa acirrada na Casa Branca mostra os limites da estratégia política democrata. “Uma parte significativa da população americana votou contra o Trump. Faltou uma linha afirmativa clara da parte dos democratas. Trump ganhou em 2016 fazendo as pessoas sonharem, já o Biden, como François Hollande, na França, em 2012, se limitou a uma postura previsível.”
Autoridades
Entre as forças políticas europeias, o candidato democrata tem amplo apoio, contrariamente a seu opositor. “A presidência de Obama reacendeu a simpatia dos europeus, e em particular dos franceses, ao partido democrata. Joe Biden se beneficia desse efeito Obama”, analisou Elisa Chelle.
“Donald Trump repulsa amplamente as classes média e alta na Europa. Sua maneira de falar, sua relação com a ciência, sua concepção das mulheres, seu ceticismo climático, seus comportamentos de injúria ou ostentação geralmente despertam irritação e rejeição entre os políticos europeus”, explicou a especialista.
Na última quinta-feira, 5, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, não titubeou em uma entrevista para a rádio RMC e o canal BFMTV: “Eu desejo de todo meu coração a vitória de Joe Biden”.
“Ao manifestar seu apoio, a prefeita de Paris está tentando fazer os americanos voltarem ao acordo climático se Biden vencer, o que ainda não está ganho”, pontuou a professora.
Com uma publicação no Twitter, Joe Biden assegurou que os Estados Unidos voltarão ao Acordo de Paris para o clima no primeiro dia de seu mandato, caso sua vitória sobre Donald Trump seja confirmada. O país formalizou a saída do tratado ambiental na última quarta-feira, 4.
Apesar da empolgação da opinião pública na Europa, na visão dos analistas, a possível saída de Trump não significa uma mudança radical para os países europeus. As questões diplomáticas envolvendo a Rússia e o Oriente Médio, por exemplo, geram cautela.
“A Europa se distanciou dos Estados Unidos nos últimos anos e ainda mais sob o presidente Donald Trump. Uma vitória deste último daria continuidade ao que conhecemos nestes quatro anos: guerra comercial, desacordo sobre a Rússia ou o Irã, desprezo pela União Europeia”, continuou Elisa Chelle. “Uma vitória de Joe Biden não mudaria completamente a situação. O tom seria, sem dúvida, menos desagradável, mas o desinteresse dos Estados Unidos pela Europa evoluiria marginalmente. Hoje, é cada um por si”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.