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De volta à 1ª Guerra Mundial? Como o conflito entre Rússia e Ucrânia virou uma guerra de trincheiras

Os militares ucranianos chamam a situação de posição-zero, em que os soldados russos estão próximos o suficiente para serem vistos e uma antiga tática de guerra impõe horror

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Por Marc Santora / The New York Times

KIEV - As forças russas estavam tão próximas que Boghdan, um soldado ucraniano que integra a 79.ª Brigada de Assalto Aéreo, conseguia ver os inimigos cavando.

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Cavar é o que há para fazer nessa faixa desolada de terra ressequida no leste da Ucrânia para evitar morrer. Boghdan quer que os russos morram. Então ele se levantou acima dos sacos de areia que delineavam sua trincheira com com um lançador de foguetes nos ombros e disparou. As escavação parou. Momentos depois, os soldados russos dispararam uma saraivada de tiros de metralhadora. Então tudo ficou em silêncio.

“Fizemos eles ficarem quietos”, afirmou Boghdan satisfeito, conforme rumava para um ponto mais profundo do bunker subterrâneo. “Eu só precisava do meu café.”

Soldado ucraniano verifica bunker na região do Donbas, na Ucrânoa Foto: TYLER HICKS / NYT

Assim é a vida no local que os militares ucranianos chamam de posição-zero — o ponto mais longínquo nas linhas de frente, com os russos a menos de 300 metros de distância.

Metidos na lama e no estrume, em covas de terra congelada que servem de leito para um barro pastoso, há muitas maneiras de matar e morrer. Helicópteros russos atacam com frequência as trincheiras ucranianas. Os russos castigam com artilharia pesada, posicionada a quilômetros de distância dos alvos, e mandam pequenos bandos de soldados tentar se infiltrar nas trincheiras na calada da noite.

Drones poderosos circulam em grande altitude realizando vigilância e vants menores, quadricópteros adaptados, soltam explosivos improvisados sobre as trincheiras.

Os ataques russos podem incluir veículos blindados e tanques ou podem vir em ondas de soldados de infantaria tentando atacar uma trincheira.

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Os ucranianos contra-atacam com força. E neste bolsão no front, próximo à cidade, destruída de Marinka, na região de Donetsk, eles repeliram todas as tentativas dos russos de ganhar terreno por um ano.

O New York Times obteve um raro acesso para se encontrar com soldados da 79.ª Brigada na extremidade mais ao leste da linha de frente, para compreender melhor quais sensações a guerra causa nos soldados ucranianos posicionados próximo o suficiente dos russos para tê-los dentro de seu campo de visão, através das devastadas paisagens ucranianas que eles estão determinados em defender. Os nomes completos dos soldados serão omitidos por razões de segurança.

Apesar dos intensos combates ao longo do inverno, a Rússia capturou apenas cerca de 1.000 quilômetros quadrados em todo o leste ucraniano desde setembro, de acordo com um relatório publicado em fevereiro pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, uma entidade de pesquisa em Washington.

Trabalhoso

Visitando as trincheiras fica evidente por que romper linhas entrincheiradas e fortificadas é tão trabalhoso. Mas manter a posição também impõe um custo tremendo. Dois dias antes da visita do Times, a 79.ª Brigada tinha sofrido baixas pesadas, o preço do combate implacável era claro em seus olhos marejados e cansados.

Os soldados disseram que estavam prontos para morrer. Trata-se de uma guerra de sobrevivência, afirmaram eles, não apenas deles mas de todo seu país. A 79.ª é uma das unidades de elite da Ucrânia, e suas forças combateram os russos em estepes, florestas e cidades arruinadas. Agora, as ordens de seus soldados são manter uma posição a cerca de 25 quilômetros da cidade de Donetsk, que é reduto da Rússia e de suas forças aliadas desde 2014.

Integrantes da 79.ª Brigada de Assalto Aéreo em uma área de trincheira em Marinka, no leste da Ucrânia  Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Hoje, a cidade de Marinka não passa de um ponto no mapa, completamente abandonada pelos cerca de 9 mil cidadãos que viviam lá antes da guerra. Marinka já entrou há muito na lista de lugares devastados pelas forças russas, com seus edifícios completamente em escombros ou reduzidos a estruturas ocas de concreto chamuscado. Mas para os ucranianos, a defesa de Marinka continua.

Sem conseguir romper as linhas ucranianas na região por mais de um ano, os russos revisaram recentemente suas táticas, apelando para pequenos grupos de assalto para perfurar as defesas ucranianas em pontos que possam ser explorados, de acordo com um manual russo capturado pelos ucranianos.

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O manual detalha como pelotões de assalto compostos por 12 a 15 soldados podem ser divididos em grupos táticos de até 3 militares, apoiados por poder de fogo adicional, para se infiltrar em uma trincheira ucraniana.

Os soldados ucranianos apelidaram esses grupos de “carne”, em razão da alta taxa em que eles são mortos.

Combatentes ucranianos que testemunharam esses ataques de perto afirmaram que os russos com frequência mandam uma onda inicial de infantaria atacar uma trincheira sabendo que os soldados provavelmente serão mortos. Sentinelas russos anotaram as posições de fogo dos ucranianos e lançam uma barragem de morteiros e artilharia contra essas posições. Então uma segunda onda de infantaria russa avança tentando se infiltrar na trincheira.

Tática da 1.ª Guerra

Trata-se de uma tática brutal, bem conhecida dos milhões de soldados que se entrincheiraram mais de um século atrás durante a 1.ª Guerra. Conforme notou na época um oficial francês, o capitão André Laffargue, em um panfleto chamado “O ataque na guerra de trincheiras”, invadir trincheiras bem defendidas impõe um custo estarrecedor. “Unidades de infantaria desaparecem no caldeirão de fogo como punhados de palha.”

Para chegar à linha-zero, nas imediações de Marinka, os soldados ucranianos têm de atravessar uma rede de trincheiras de retaguarda, cruzar trilhas abertas para tanques e vilarejos arrasados.

As trincheiras são construídas com curvas para conter explosões caso um morteiro ou uma granada exploda dentro. Redes cobertas por galhos são instaladas no alto em certos pontos para ocultar seus contornos. Os soldados ucranianos, intimamente familiarizados com a geografia, têm sentinelas em constante prontidão para ameaças.

Em momentos tranquilos — e mesmo nos rincões mais fortificados da Ucrânia grande parte do tempo é gasta à espera do próximo espasmo de violência — soldados comem refeições enlatadas e cuidam dos chamados “gatos da guerra ucraniana”, que patrulham as trincheiras livrando-as de ratos.

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Enquanto a linha se estende por cerca de 1.000 quilômetros, ambos os Exércitos cavaram milhares de quilômetros de trincheiras — dispostas em escalões instalados para garantir que, se uma rede cair, os soldados possam recuar para posições mais seguras.

Além dos assaltos em pequena escala, a Rússia tem tentado há semanas romper as linhas ucranianas com ataques envolvendo mais forças, incluindo colunas de blindados. Pouco após a visita do Times, unidades de reconhecimento da 79.ª Brigada detectaram movimento de tanques e blindados russos nas proximidades.

Os russos tentaram margear as trincheiras contornando seus flancos para “lançar um ataque massivo”, de acordo com um comunicado da brigada. Mas acabaram flagrados, e paraquedistas ucranianos armados com mísseis Javelin antitanques danificaram vários blindados e veículos de combate de infantaria russos. A destruição foi registrada em vídeos divulgados posteriormente pela brigada.

Nas trincheiras, os soldados sabem que os russos vão continuar tentando avançar. E dizem estar prontos para o dia do ataque ucraniano. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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