Os candidatos à presidência da Argentina, o libertário Javier Milei e o peronista Sergio Massa, bateram boca acaloradamente sobre a relação com o Brasil no último debate antes das eleições presidenciais na Argentina, marcadas para o próximo domingo, 19. O debate é visto como fundamental para conquistar o eleitor indeciso.
A discussão foi motivada por uma fala do peronista e atual ministro da Economia, que acusou Milei de querer romper o diálogo com os dois principais parceiros comerciais argentinos, Brasil e China. “Criar problemas com Brasil e China vai terminar com menos empregos. Política exterior não pode ser regida por caprichos”, afirmou Massa.
“Sobre as mentiras de quem me acusa de dizer que não devemos comercializar com a China ou o Brasil, é falso. É uma questão do mercado privado e o Estado não tem porque se meter, porque cada vez que se mete gera corrupção”, afirmou Javier Milei, dizendo que seu adversário mentia. “Alberto Fernández também não falava com [o ex-presidente Jair] Bolsonaro”.
O Brasil tem feito parte da campanha na Argentina. A equipe de Sergio Massa, ministro da Economia e candidato da esquerda à presidência da Argentina, ganhou o reforço em setembro de marqueteiros e estrategistas brasileiros que lideraram campanhas do PT nos últimos anos. Eles desembarcaram em Buenos Aires após as primárias, em agosto, para atuar na reação ao avanço do libertário e oposicionista Javier Milei.
Além disso, como revelou o Estadão na coluna da repórter Vera Rosa, Lula ajudou em uma operação para que o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) concedesse empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina. Com o dinheiro, o ministro Sergio Massa, candidato à Casa Rosada, conseguiu novo acordo para liberar recursos do FMI.
As últimas pesquisas de intenção de votos colocam Javier Milei a frente de Massa, mas muitas delas com diferenças pequenas, dentro das margens de erro, o que caracteriza um empate técnico. Frente ao cenário apertado e ao histórico de erros que tiveram as pesquisas tanto nas primárias quanto no primeiro turno, analistas não arriscam apontar um desfecho certo para o próximo domingo, afirmando que o cenário continua em aberto.
Leia abaixo um resumo do debate na Argentina:
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Relação da Argentina com Brasil vira embate
O eixo temático do debate foi a relação da Argentina com o mundo. Massa abriu citando ter boas relações com Brasil e China, a visita do papa à Argentina e a reinvindicação argentina das Ilhas Malvinas. Temas caros ao libertário Milei, que já afirmou não dialogar com “comunistas”, como já classificou Lula e Xi Jinping.
Milei chama o Mercosul de “estorvo” ao tratar de comercializar com China e Brasil. O libertário diz que as afirmações feitas pela campanha de Massa de que ele vai cortar relações com estes países como falsas e defende que o próprio mercado regule estas relações.
“Brasil e China, vai manter relações ou não? Porque chamou de comunistas ambos os presidentes”, questionou Massa.
Milei respondeu que Alberto Fernández não tinha relações com o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Você pertence a um governo onde Alberto Fernández não falou com Bolsonaro, que problema tem se eu falar ou deixar de falar com Lula?”, questionou Milei. Massa rebateu dizendo que ele visitou o ex-presidente como ministro.
“Acredito numa Argentina livre, que pode negociar com quem quiser”, disse Milei. “Não como aqueles que querem regular o comércio para obter algumas vantagens. Como aqueles do seu governo que obtém com a SIRA (órgão que regula as importações) e subsidiando dólares baratos para seus amigos que importam”.
Massa apostou no tema das relações internacionais para acusar Milei de colocar milhares de empregos argentinos em risco devido a um suposto corte de relações com Brasil e China. “Se não negociar com a China, podemos ir negociar com outro”, respondeu Milei.
Milei cita marqueteiros brasileiros
O primeiro eixo temático do debate foi Economia, tema em que Javier Milei disse ser especialista devido ao seu diploma de Economista. O libertário focou na inflação, que atualmente chega a quase 140% no país. O tema atinge em cheio Sergio Massa, o atual ministro da Economia.
A presença de marqueteiros brasileiros ligados ao PT apareceu logo no primeiro bloco, quando Milei respondia às perguntas de Massa. “Sugiro que vejam os vídeos completos e não os editados pelos brasileiros para fazer campanha negativa”, disse. O libertário defende que Massa faz uma campanha de medo contra ele depois da chegada dos brasileiros.
Massa preferiu utilizar seus dois minutos iniciais para questionar Milei se ele iria eliminar os subsídios, privatizar a reserva de petróleo do país e dolarizar a Economia. Milei respondeu chamando a campanha do ministro de mentirosa. “Vocês são mentirosos e você é um mentiroso”, disse o libertário.
O tema dos subsídios foi o central do primeiro bloco temático, com os candidatos se acusando mutuamente de mentir.
Cidade de Messi vira batalha por Segurança
A segurança foi ouro tema discutido no debate. Milei começou dizendo que a Argentina virou “um banho de sangue” e citou a impunidade. Massa se dedicou a defender sua administração como prefeito em Tigre, seu grande reduto eleitorado.
“Não há questão ideológica. Quando as coisas são bem feitas, eu as reconheço. O que você fez em Tigre é bom. E querer estender para o resto do país, de fato é bom”, respondeu Milei.
A cidade de Rosário, na província de Santa Fé, se tornou o campo de batalha no tema. O narcotráfico se espalhou pela cidade e, quando o Estadão visitou a cidade, em abril deste ano, facções criminosas utilizavam escolas e hospitais para promover tiroteios a fim de deixar mensagens do crime organizado para a mídia.
Rosário ganhou as manchetes mundiais no começo do ano quando o supermercado da família do craque Lionel Messi foi alvo de tiroteios por uma dessas facções.
“A luta contra a insegurança e o tráfico de drogas não é uma questão para os prefeitos. Serei um presidente absolutamente comprometido e envolvido”, prometeu o libertário.
“Vamos coordenar com os três poderes o combate à insegurança. Comprometo-me a ser um presidente envolvido no combate à insegurança. Não era minha tarefa em Tigre e fiz mesmo assim. Você reconhece isso. Quando se tem responsabilidade pública, não se olha para as jurisdições, olha-se para os cidadãos”, respondeu Massa.
Privatização vs Estado forte
Educação e Saúde foram os temas do terceiro eixo temático, aquele em que os dois candidatos mais se distanciam. Milei defende que todos os serviços sejam privatizados e sejam distribuídos vouchers para quem não pode pagar escolas e hospitais. Massa é a favor de um Estado mais forte e que ofereça estes serviços.
Milei apostou em apresentar números de pobreza, citando que milhares de crianças argentinas não terminaram a escola. Já Massa apostou em acusar Milei de planejar fechar as universidades públicas argentinas - que são gratuitas. Quando questionou se o libertário vai fechá-las, ele respondeu: “No curto prazo, não”.
Cristina Kirchner e Mauricio Macri viraram vidraça no fim das discussões. Milei tenta colar em Massa a imagem de kirchnerista e, portanto, uma continuação do atual governo que ajudou a levar o país a uma grave crise econômica.
Já Massa acusou Milei de se associar com o Juntos pela Mudança, coalizão do ex-presidente Mauricio Macri, cujo partido declarou apoio ao libertário. “Hoje te abandonaram”, afirmou Massa, em alusão ao fato de que nem Macri nem Patricia Bullrich compareceram ao debate.
Democracia, direitos humanos e ‘casta’
Direitos humanos e democracia foram os dois últimos temas do segundo bloco do debate, temas que Massa tem investido em sua campanha de “medo” contra Milei.
“Temos que colocar os novos direitos humanos na agenda. Por exemplo, o direito a um ambiente saudável, ao desenvolvimento em suas próprias terras. Queremos também mudar o paradigma no combate à poluição ambiental. E, em termos de convivência democrática, a partir de 10 de dezembro, se me derem a responsabilidade de cuidar da Argentina, vou propor um governo de unidade nacional convocando os melhores”, prometeu o atual ministro da Economia.
Milei rebateu de imiediato: “Você sabe do que é composta a casta? De políticos ladrões. Você tem todos eles com você. Também é formada por empresários, seus amigos. Você também se reúne com sindicalistas e está intimamente ligado à mídia. Você se encontra com eles e discute como eles vão dividir o bolo”.
Trabalho e exportações
Produção e trabalho foi o quarto eixo temático do debate. Massa começou dizendo que aposta em ser “o presidente do trabalho”, o que Milei ironizou, citando a estagnação do emprego no país.
A Argentina tem uma taxa de desemprego na casa dos 7%, e a inflação de quase 140% consome os salários e joga mais de 40% da população abaixo da linha da pobreza.
Os candidatos focaram em falar das exportações, setor que tem sido altamente afetado este ano pela seca que atingiu o país e comprometeu a produção agrícola, bem como da falta de dólares que enfrenta a Argentina.
Milei acusa Massa de tirar proveito do sistema atual de exportações e importações do país e promete expandir as exportações. “Uma economia como a que proponho está em condições de competir. Penso num país com comércio livre, que planeja exportar para 8 bilhões de pessoas enquanto você fica com o mercado dos seus amigos”, disse o libertário.
Massa então atacou: “Você quer exportar para 8 bilhões de pessoas, mas não está disposto a negociar com a China e o Brasil?”. Milei respondeu: “Não conte mentiras. Você é um mentiroso. Você sempre se supera”.
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