Decadência industrial e alta no custo de vida ajudam Trump no condado mais disputado da Pensilvânia

Globalização tirou bons empregos industriais da região e eleitorado antes fiel ao Partido Democrata migrou para base de apoio do republicano

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Foto do author Luiz Raatz

ENVIADO ESPECIAL A ERIE, PENSILVÂNIA - Tom Ardillo é um homem amargurado. Seu sonho de aposentadoria na Flórida com a mulher Michelle foi sabotado pela alta no preço dos imóveis e a restrição de crédito após pandemia de coronavírus. Para piorar a situação, o custo de vida em Erie, na Pensilvânia, onde vive o casal, aumentou, e eles tiveram de voltar a trabalhar para manter vivo o plano de uma velhice ensolarada.

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Aos 66 anos, Tom anda ligeiramente encurvado. Ele diz, com ironia, que tem três centímetros a menos desde que se aposentou. O trabalho duro como pintor de locomotivas de trem e como bombeiro voluntário na cidade de Erie, na Pensilvânia, cobraram seu preço. Ele já fez uma cirurgia na coluna e precisa de mais duas. Os joelhos, com os meniscos gastos, já não deixam que ele pratique corrida à beira o Lago Erie como antigamente.

“Já pintei muitos vagões de trens que vocês devem ter usado no Brasil. Vendíamos muito para o seu país”, conta Tom, um filho de imigrantes italianos, fã de carros vermelhos e golfe.

Em 2021, ele e e Michelle empacotaram tudo que tinham em Erie para fugir do frio, que às vezes chega a -22 ºC neste canto da Pensilvânia, e fechar negócio por um apartamento numa Flórida quase tropical.

“Quando chegamos lá, as condições de crédito mudaram, não tínhamos condições com as nossas economias de comprar nada, aí tivemos que voltar para Erie”, conta Tom, que hoje trabalha fazendo pequenos consertos em hotéis da região. Michelle, sua mulher, trabalha como recepcionista. O plano dos dois é guardar dinheiro para finalmente conseguir a mudança.

Como muitos americanos de classe média que trabalhavam na indústria e viram o padrão de vida diminuir nos últimos anos, principalmente aqui no chamado Cinturão da Ferrugem, Tom é um eleitor apaixonado do republicano Donald Trump, que decide a presidência no dia 5, contra a democrata Kamala Harris.

Como muitos também, não acredita que Trump perdeu a última eleição para o presidente Joe Biden, por mais que as alegações falsas do republicano nunca tenham sido comprovadas. Os quatro anos de governo democrata apenas ampliaram sua convicção nas promessas do ex-presidente e seu rancor com o partido.

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Tom Ardilllo, de 66 anos, é eleitor de Donald Trump: crise da indústria americana o afastou do Partido Democrata Foto: Luiz Raatz/Estadão

A decadência industrial da Pensilvânia

Parte da amargura de Tom se deve à decadência industrial da região. Erie é uma cidade enferrujada. Em várias partes do centro da cidade, galpões industriais antigos estão abandonados, com ferro retorcido, janelas quebradas e sinais de abanono à vista.

A prefeitura está tentando revitalizar a área, com cortes de impostos para estimular novos negócios e moradores, mas o projeto, lançado em 2022, ainda não deu o retorno esperado, segundo quem vive na cidade.

A principal indústria de Erie, desde o começo do século 20, tem a ver com a ferrovia que a atravessa. Desde o fim do século 19, quando os EUA passaram pela segunda revolução industrial, o país ampliou sua expansão para o oeste por meio dos trens.

A Pensilvânia, com sua posição estratégica, era fundamental na ligação entre a costa leste, os Grandes Lagos e o rio Mississipi para escoar a produção industrial americana. Erie, às margens do lago de mesmo nome, era uma rota importante no caminho para NY e Boston.

As primeiras indústrias pesadas chegaram à cidade no começo do século 20, com linhas de montagens de trem. A principal empregadora da região era a subsidiária da General Eletric, a mesma que deu a Tom Ardillo sua carreira como pintor de trens.

Erie já foi um centro da indústria pesada americana, com linhas de montagem de trens comerciais Foto: Luiz Raatz/Luiz Raatz/Estadão

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O adeus aos bons empregos

Com a globalização e a desindustrialização da economia americana, no entanto, grande parte dos empregos gerados no setor industrial da cidade foram embora. A GE Transportation foi vendida para a francesa Alstom em 2015 e depois para a americana Wabtec, em 2019. Em 2017, a empresa decidiu transferir parte da operação de Erie para o Texas. Hoje, alguns trens ainda são montados lá, mas o número de operários é uma sombra do que já foi um dia.

A Wabtec ainda é a terceira maior empregadora da condado, hoje atrás de uma seguradora e do hospital local. O desemprego em Erie não é tão alto. A taxa de desemprego de 4,3% está ligeiramente acima da média nacional. Os moradores, no entanto, tem deixado a região num fluxo constante nos últimos anos.

Isso ocorre em parte porque, apesar de o setor industrial ainda ser um empregador importante no Cinturão da Ferrugem, a natureza dessas vagas mudou. Hoje já não é mais possível que um jovem que entra para as indústrias que operam em Erie, Cleveland, em Ohio, ou Flint, em Michigan, conseguir o mesmo padrão de vida alcançado por Tom Ardillo em sua juventude.

“Nos EUA de modo geral ocorre um fenômeno que chamamos de polarização dos empregos. As vagas industriais antigas, que pagavam salários intermediários para a classe média não existem mais”, explica o professor de economia da Universidade de Michigan, Gabriel Ehrlich.

Área industrial de Erie, na Pensilvânia, vive decadência: plano da prefeitura é revitalizar a região Foto: Luiz Raatz/Estadão

“Hoje, o que existem são empregos que pagam muito bem, para pessoas com formação universitária, ou que pagam mal, para o trabalhador industrial. É muito difícil hoje encontrar um salário no setor de manufatura que banque uma vida de classe média”, conclui.

Esse fenômeno explica duas tendências. A primeira é o esvaziamento das cidades industriais dos Grande Lagos. Em Erie e em outros locais, casos como os da família de Tom e Michelle são cada vez mais comuns. Os filhos vão embora em busca de empregos melhores em outros Estados. Os mais velhos ficam para trás. Com isso, a região perde população de duas maneiras: migração e queda na taxa de natalidade.

Segundo o Birô de Estatísticas dos EUA, a população de Erie recua 0,63% a cada ano. Hoje, a cidade abriga 92 mil pessoas, bem abaixo do pico de 138 mil na década de 60. A taxa de fertilidade na região está abaixo da média nacional, que também vem caindo ano a ano: 54 nascimentos para cada mil mulheres, contra 56 a nível nacional.

A crise do poder de compra

Como se não bastasse a decadência da classe média industrial, a pandemia trouxe aos moradores de Erie outro problema: o aumento do custo de vida.

“Temos sofrido muito com a inflação e o custo da moradia. Vou te dar uma exemplo: Eu bebo muita água. Antes da pandemia para comprar um pacote (com seis garrafas de ,1,5 l) de água me custava US$ 10 agora custa US$ 20. A gasolina, então, nem se fala”, diz Tom.

Isso acontece porque o processo de ‘desinflação’, como chamam os economistas é razoavelmente complexo. A renda precisa crescer acima da inflação para que as pessoas voltem a ter a sensação que as coisas estão baratas. Não é suficiente apenas que os preços parem de subir, já que se o salário se mantiver, ou crescer pouco, a população vai ter a mesma sensação que Tom Ardillo descreve.

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Segundo o economista da Universidade de Michigan, a renda real per capita na região do cinturão da ferrugem cresceu no pós-pandemia, mas a alta inflação nos EUA em 2022 comeu todo esse poder de compra.

“O poder de compra não aumentou no volume que gostaríamos de ver. Não houve um um crescimento significativo. E acho que essa é parte da razão pela qual, quando perguntamos às pessoas como elas se sentem em relação à economia, elas relatam que estão meio azedas, mesmo que por muitos indicadores, como emprego, e o crescimento do PIB, vemos que a economia está indo muito bem”, explica Gabriel Ehrlich. “Não temos visto o tipo de crescimento nos padrões de vida reais que todo mundo esperava ver.”

Democratas perdem espaço

Com a combinação desses fatores, os democratas têm perdido espaço no Condado de Erie. Antes parte importante do Paredão Azul, que é como os democratas chamam o controle eleitoral do partido na região dos Grandes Lagos, Erie se tornou um microcosmo da polarização política americana.

Entre 2000 e 2012, os democratas ganharam em Erie sempre com margens superiores a 10% dos votos. De 2016 em diante, as disputas se tornaram muito mais renhidas,com vantagens em torno de 1% ou até menos.

Na última eleição, Biden venceu em Erie por apenas 1.417 votos. Em 2016, Trump derrotou Hillary por 1.957. É bem possível que este ano a diferença seja de uma ordem similar.

Nesta nova lógica eleitoral, Erie se transformou num ‘distrito-pêndulo’, por agora oscilar entre republicanos e democratas. E isso se deve em parte ao apelo de Trump junto a eleitores como Tom Ardillo, que historicamente faziam parte da base de apoio democrata e agora estão migrando para os republicanos.

Uma cidade polarizada

A polarização se repete no discurso dos moradores. Comparada com a Filadélfia e seus subúrbios, onde a maioria democrata é evidente, e com a parte rural do Estado, onde o inverso acontece, Erie é uma cidade muito mais dividida politicamente.

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Aqui, a força de Trump aparece, sobretudo nos bairros mais populares, como é o caso da área onde vive o casal Ardillo. Quanto mais longe do interior e mais perto da costa, no entanto, mais aparecem os apoiadores de Kamala Harris.

No bairro de amplas casas com vista para o Lago Erie, há anúncios de apoio a Kamala por todo lado. Ali, vivem as famílias mais abastadas da cidade.

Perto das amplas casas vitorianas do lago, no Parque Frontier, dois amigos passeiam com seus cachorros. Ao contrário de Tom e Michelle, Dave Hammer e Mark Fester são eleitores de Kamala Harris. A realização de um comício de Donald Trump em Erie, naquele fim de semana, no entanto, rapidamente tirou Dave, que trabalha em uma seguradora da região do sério.

“Se você for a esse comício, por favor diga ao Trump que Erie quer que ele se f...”, disse ele à reportagem.

Michelle, a mulher de Tom Ardillo, também deixa a educação de lado ao comentar sobre a candidatura rival. Questionada sobre a mudança da chapa democrata e a substituição de Biden pela vice, ela diz: O presidente, coitado, não está bem da cabeça. E aquela moça é burra como uma porta.”

Camisetas ofensivas sobre Kamala Harris são vendidas em comício de Trump Foto: Luiz Raatz/Luiz Raatz/Estadão
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