CARACAS - Os venezuelanos aprovaram neste domingo, 3, a anexação de um território de quase 160 mil quilômetros quadrados que pertence à Guiana e que é alvo de uma disputa histórica entre os dois países. Os primeiros resultados de um plebiscito sobre o tema, convocado pela ditadura de Nicolás Maduro, foram divulgados na noite deste domingo pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Segundo o órgão, a anexação obteve 10.554.320 de votos favoráveis, o que representa 95% do total.
“Demos os primeiros passos em uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso (...) e o povo venezuelano falou em alto e bom som”, comemorou Maduro, que buscará a reeleição em 2024, diante de uma multidão em Caracas. “Foi um dia maravilhoso”, disse.
O presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, afirmou que o plebiscito é uma vitória “evidente e esmagadora em relação a Essequibo”. Amoroso informou que mais de 10,5 milhões participaram do pleito. Caracas possui uma população eleitoral de 20,7 milhões.
Apesar dos votos para reivindicar a soberania da região, os próximos passos da ditadura venezuelana sobre o tema ainda não estão claros. A disputa pela área se intensificou recentemente após a descoberta de petróleo na região. Até 2028, a Guiana poderá chegar a produzir 1,2 milhão de barris por dia — uma marca que hoje a tornaria um dos 20 principais produtores de petróleo no mundo.
O presidente da Guiana, Irfaan ali, declarou que o país vai usar a diplomacia para se defender e garantir a segurança nas fronteiras. “Não há nada a temer nas próximas horas, dias e meses”, declarou Ali.
Neste domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a possibilidade de conflito entre a Venezuela e a Guiana. Ele afirmou que a América do Sul não precisa de “confusão” e que é preciso “baixar o facho”. Segundo Lula, a votação provavelmente daria o resultado pretendido por Maduro.
Leia também
A votação começou às 6h locais (7h em Brasília) e estava prevista para terminar às 18h (19h em Brasília), mas foi prorrogada até as 20h (21h em Brasília). O governo afirmou que ainda havia muitas pessoas na fila de votação e por isso alongou o prazo.
O plebiscito perguntou aos venezuelanos se eles apoiam o estabelecimento de um Estado no território disputado, conhecido como Essequibo, concedendo cidadania aos residentes da área atual e futura e rejeitando a jurisdição do tribunal superior das Nações Unidas para resolver o desacordo entre os dois países. Foram chamados a votar 20,7 milhões de venezuelanos de uma população de quase 30 milhões.
O insistente apelo das autoridades pela participação “massiva” da população não obteve a resposta pretendida, o que se pôde constatar nos centros de votação, com pouca presença de eleitores.
Às 15h (16h em Brasília), três horas antes do encerramento previsto dos centros, menos de 12% dos eleitores tinham votado em três locais de votação em áreas diferentes de Caracas, segundo os coordenadores destes centros consultados pela Efe.
Do outro lado da fronteira, milhares de guianenses formaram correntes humanas, chamadas de “círculos de união”, para mostrar seu apego à região. Muitos usavam camisetas com frases como “Essequibo pertence à Guiana” e agitavam bandeiras do país.
Como funcionou o plebiscito?
A cotação foi proposta pela Assembleia Nacional do país, aprovada pelo Conselho Nacional Eleitoral e liberada pelo Supremo Tribunal de Justiça, todos controlados por partidários de Maduro. Os venezuelanos respondem “sim” ou “não” para cinco perguntas.
Entre as questões, os eleitores têm de responder se “concordam em rejeitar por todos os meios, de acordo com a lei”, o limite de 1899 e se apoiam o acordo de 1966 “como o único instrumento legal válido” para chegar a uma solução. Também pergunta se estão de acordo com a criação de um província venezuelana chamada “Guiana Esequiba” e a outorga da nacionalidade a seus habitantes.
O que está em disputa?
A consulta, não vinculante, não é sobre autodeterminação, já que o território em disputa está sob a administração da Guiana e seus 125 mil habitantes não votam. O resultado não terá consequências concretas a curto prazo: a Venezuela busca reforçar sua credibilidade e reivindicar sua demanda e nega que seja uma desculpa para invadir e anexar à força a região.
A Venezuela argumenta que o rio Esequibo é a fronteira natural, como foi em 1777 quando era Capitania Geral do Império Espanhol. Apela ao Acordo de Genebra, assinado em 1966 antes da independência da Guiana do Reino Unido, que lançou as bases para uma solução negociada e anulou uma decisão de 1899, que definiu os limites defendidos por Guiana, que pediu sua ratificação à Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Após o resultado do plebiscito, Maduro apontou que quer conversar com o presidente da Guiana e voltar ao acordo de Genebra.
O governo da Guiana pediu a suspensão do plebiscito à CIJ, sem sucesso. O tribunal determinou não mudar o status quo da região sem fazer referência ao processo. De qualquer modo, a Venezuela havia afirmado que não cumpriria ordens desse tipo, já que não reconhece a jurisdição desse tribunal.
A reivindicação da Venezuela se intensificou desde que, em 2015, a gigante energética americana ExxonMobil descobriu petróleo em águas em disputa que a colocariam na lista de países com as maiores reservas per capita do mundo./Efe, AFP e AP
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.